Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ameaças à Amazônia

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Por conta da dimensão da Amazônia pode-se pensar que não haja ainda problemas com a extinção de animais. No entanto, com toda a pressão que a floresta tem vivido, há um impacto direto no habitat dos animais e na disponibilidade de alimentos para eles. Foram contabilizadas 180 espécies ameaçadas de extinção¹. Considerando ainda que muitas espécies não foram sequer identificadas, conhecer e conservar o bioma é de fundamental importância para a manutenção da biodiversidade e para o sustento dos povos que ali vivem, de onde tiram alimentos, remédios e perpetuam sua rica cultura.

Em uma floresta tão grande, com árvores tão frondosas, fica difícil imaginar que sob ela encontra-se um solo frágil, cuja matéria orgânica provém da decomposição das folhas, galhos e troncos que ali caem. Isso faz com que o bioma tenha um equilíbrio sensível, vulnerável às interferências humanas. São vários os motivos que levam à acelerada degradação na Amazônia. A exploração desordenada de seus recursos, principalmente de madeira, a expansão da agropecuária e o garimpo vêm aumentando as áreas desmatadas.

O processo de desmatamento acarreta consequências negativas, como a diminuição da biodiversidade. Isso é problemático principalmente em áreas onde os ecossistemas naturais estão reduzidos e com alto grau de espécies que só existem naquele local, chamadas de endêmicas. Além disso, devido à retirada da floresta, há efeitos nocivos ao solo, que fica sujeito à erosão, compactação e perda de nutrientes, o que dificulta o processo de restauração natural e agrava ainda mais o problema.

Pesquisa do Prodes, divulgada em novembro de 2019, mostrou que o valor estimado de desmatamento foi de 9.762 km² para o período de agosto de 2018 a julho de 2019². O valor representa um aumento de 29,54% em relação à taxa de desmatamento apurada nos 12 meses anteriores que foi de 7.536 km². O mapa do desmatamento pode ser conferido no site Terra Brasilis³, um dos projetos de monitoramento da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

De 2000 a 2005, o desmatamento acumulado na Amazônia abrangeu uma área de quase 860 mil km2, sendo quase 80% só em terras brasileiras. Os fatores que levaram a esse número variam conforme o país, mas em geral estão associados, dentre outros: às pressões das atividades agrícolas e da extração de madeira (legal e ilegal); aos incêndios; ao uso dos recursos naturais (mineração e recursos florestais não-madeireiros); à construção de obras de infraestrutura, como rodovias e hidrelétricas; e ao crescimento demográfico⁴. Outros elementos que podem levar à degradação das florestas são a caça e a invasão de espécies exóticas, ainda mais difíceis de se mensurar.

Os incêndios na Amazônia chamaram a atenção em agosto de 2019, por somarem quase 31 mil focos. No entanto, dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que de 2003 a 2006, foram registrados uma média de 24 mil focos de incêndios florestais por ano em toda a região amazônica. O fogo descontrolado em áreas florestais, pastos e áreas agrícolas, próximas ou distantes da Amazônia, é um problema grave⁵. Em 2025, a Amazônia continua a liberar grandes quantidades de gases de efeito estufa, principalmente dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), devido a fenômenos como incêndios, desmatamento e degradação florestal.

Em 2025, dados do INPE indicam que o desmatamento na Amazônia registrou um aumento significativo em comparação com o ano anterior, especialmente no período de agosto de 2024 a julho de 2025 com alta de 4% na área desmatada. Apesar do total da área desmatada ser o segundo menor da série histórica do Sistema Deter. O aumento da área em alerta de desmatamento está ligado ao avanço dos incêndios florestais agravados por mudanças climáticas.

O bioma detém uma das últimas grandes reservas de madeira tropical do mundo. Infelizmente, a extração madeireira de florestas nativas tornou-se a principal atividade econômica em todos os estados da Amazônia Legal, ocupando a terceira posição na pauta das exportações brasileiras, vindo logo depois dos minérios⁶.

Em 2009, foram identificadas 2.226 empresas madeireiras em funcionamento na Amazônia Legal, responsáveis pela extração em torno de 3,5 milhões de árvores. Aproximadamente 47% dessa matéria-prima foi extraída somente no Estado do Pará⁷. Além do desmatamento ocasionado pelas empresas de extração de madeira, existe um número expressivo de exploradores ilegais desse recurso, que aumentam em muito o impacto da atividade sobre o bioma. Estima-se que 80% da extração anual de madeira da região seja de origem ilegal⁸.

As práticas agropecuárias são também apontadas como grandes responsáveis pelo desmatamento e pelos consequentes impactos no solo e na água, além da perda da biodiversidade. Na Amazônia, existem culturas de subsistência; cultivos de espécies voltadas para a agroindústria, como dendê, cacau, urucum, fibras, chá, café e, mais recentemente, a consolidação, liderada pelo Brasil, do complexo de grãos (soja, arroz, girassol, sorgo e milho), produtos que estão entrando gradualmente na Bolívia, e expandidos rapidamente para fronteira agrícola no interior da Amazônia⁹. Em relação à pecuária na Amazônia brasileira, houve um grande crescimento nos últimos anos. Para se ter uma ideia, em 1990 havia 26 milhões de cabeças de gado; em 2006, esse número subiu para quase 74 milhões.

Outro dado importante a considerar é o incremento na produção de coca – e da cocaína – na Bolívia, Colômbia e Peru, cujos principais impactos são erosão de solos pelo manejo inadequado e pelo estabelecimento de culturas em áreas extremamente íngremes; invasão de áreas protegidas e destruição de ecossistemas únicos e de sua biodiversidade; e grave contaminação dos cursos de água pelo uso de grandes volumes de uma série de substâncias tóxicas utilizadas na fabricação da droga.

A exploração dos recursos naturais da Amazônia em territórios indígenas e de outros povos tradicionais, por exemplo, sem que as comunidades autorizem, é responsável por inúmeros casos de degradação, como desmatamento e incêndios florestais, além de ameaçar a segurança e sobrevivência desses povos. Segundo o Atlas de conflitos na Amazônia¹⁰ lançado em 2017, os casos de violência no campo têm aumentado muito no bioma. Em 2016, quase 80% dos assassinatos por conflito no campo no país ocorreram na Amazônia Legal. Esse dado pouco se alterou no ano seguinte. Dados do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, lançado em 2025 e cobrindo o período até 2023, indica que a Amazônia concentra uma parcela significativa desses conflitos. No período de 1985 e 2023, a região concentra quase metade (44%) dos 50.950 casos, segundo dados compilados pela CPT (Comissão Pastoral do Campo), responsável pela publicação. Desse total, 84% referem-se a disputas por terra, 8,9% a casos de trabalho escravo, e 7,1% a conflitos por água. A tendência histórica é de aumento na região, especialmente após a aprovação da Lei do Marco Temporal em 2023, que intensificou a violência e a insegurança jurídica sobre Terras Indígenas. Em 2024, o número de conflitos no campo atingiu o maior valor da última década, com a Amazônia liderando o ranking de estados mais afetados, a exemplo do Maranhão e Pará.

O Atlas evidencia que esses conflitos têm relação com o avanço da fronteira agrícola, que ameaça a Amazônia desde a ditadura militar. Esse avanço envolve, além do desmatamento, a violência e a barbárie no campo. Pessoas oriundas de povos e populações tradicionais são assassinadas e há perda da biodiversidade, em virtude da disputa por recursos naturais e concentração de terras.

Além dessas problemáticas, há a construção de grandes projetos que avançam pelos rios, como as hidrelétricas. Considerada a última fronteira brasileira a ser desbravada no setor hidroelétrico, a Amazônia pode gerar mais de 121 mil MW, equivalentes a quase 49% do potencial do país. O Brasil é o único país amazônico com represas de grande porte, as de Tucuruí e Balbina⁴. Além disso, ainda estão previstas pelo menos 23 novas hidrelétricas (dentre as quais 7 estão localizadas em áreas intocadas)¹¹, além das seis já em construção na região. Além disso, outras 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão instaladas em rios amazônicos – cinco em obras e seis já outorgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

São muitos os possíveis impactos socioambientais desses empreendimentos, desde sua construção à operação. No momento da construção é necessário represar grandes áreas, o que acarreta emissão de gases de efeito estufa, alterações na qualidade da água, perda de solo, fragmentação de habitats, perda da diversidade terrestre, perdas de monumentos naturais e históricos¹², inchaço de cidades e, ainda, o deslocamento de populações, o que pode trazer todo um prejuízo social e afetivo daqueles que há muitas gerações moram ou utilizam a localidade. Durante a operação pode haver impacto na fauna aquática, que muitas vezes encontra barreiras para sua locomoção pelo leito do rio, e ainda, caso haja problemas com o controle do fluxo, pode haver falta de água, alterando significativamente o equilíbrio socioambiental da região. A exemplo do ocorrido com a hidrelétrica de Belo Monte: em 2018 organizações indígenas denunciaram problemas de falta de água na região após a construção da barragem¹³.

Todos esses impactos mencionados atingem, inclusive, unidades de conservação e áreas tradicionalmente ocupadas, ameaçando todo um modo de vida sustentável e em relação harmônica e de respeito com o meio ambiente. Cientistas alertam que a destruição da Amazônia pode chegar a um ponto crítico até 2050, com a floresta entrando em um processo irreversível de colapso. São muitas as evidências de que ações humanas têm gerado consequências muito graves à Amazônia que, caso não haja medidas urgentes, muito possivelmente tenhamos que lidar com “prejuízos incompreensíveis para quem sempre foi provido de sombra e água fresca pela floresta”¹⁴. Prejuízos estes que certamente transpassam os limites do bioma e do país e se resumem a todo o planeta e a humanidade.

(1) ICMBio. Livro Vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. Brasília, DF: ICMBio/MMA, 2018. Disponível em <www.icmbio.gov.br/portal/component/content/article/10187>. Acesso em 21 jan. 2020.

(2) A Estimativa da taxa de desmatamento por corte raso para a Amazônia Legal em 2019 é de 9.762 km2. Inpe. São José dos Campos, nov. 2019. Disponível em <www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=5294> . Acesso em 17 dez. 2019.

(3) INPE. Terra Brasilis PRODES. Mapa de desmatamento 2008-2018. Disponível em <terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/map/deforestation?hl=pt-br>. Acesso em 17 dez. 2019.

(4) PNUMA/OTCA. Perspectivas do Meio Ambiente na Amazônia: Geo Amazônia. 2008. Disponível em <www.mma.gov.br/estruturas/PZEE/_arquivos/geoamaznia_28.pdf>. Acesso em 17 dez. 2019.

(5) KOREN et al, 2004, apud NOBRE, Antonio Donato. O futuro Climático da Amazônia. Articulação Regional Amazónica. em Disponível em <www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/futuro-climatico-da-amazonia.pdf>, acesso em 17 dez. 2019.

(6) HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. MADEIRA NA AMAZÔNIA: EXTRAÇÃO, MANEJO OU REFLORESTAMENTO? Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 7, n. 13, jul./dez. 2011. Disponível em <ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/74185/1/HommaAmazonia.pdf>. Acesso em 17 dez. 2019.

(7) SBF. A atividade madeireira na Amazônia brasileira: produção, receita e mercados. Serviço Florestal Brasileiro, Instituto do Homem (SFB) e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) – Belém, PA: 2010. 20p. Disponível em <www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/miolo_resexec_polo_03_95_1.pdf>. Acesso em 17 dez. 2019.

(8) Madeira legal Vs. Madeira ilegal. Insfraestrutura e Meio Ambiente. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em <www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/madeiralegal/madeira-legal-vs-madeira-ilegal/>. Acesso em 17 dez. 2019.

(9) PASQUIS, 2006. Soya en Bolivia, 2005; Sindicatos e Meio Ambiente na América Latina e o Caribe, 2005, Apud PNUMA/OTCA. Perspectivas do Meio Ambiente na Amazônia: Geo Amazônia. 2008. Disponível em <www.mma.gov.br/estruturas/PZEE/_arquivos/geoamaznia_28.pdf>. Acesso em 17 dez. 2019.

(10) CPT. Atlas de Conflitos na Amazônia. Articulação das CPT’s da Amazônia (Org.). Goiânia: CPT; São Paulo: Entremares, 2017. 104 p. Disponível em <www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/articulacao-cpt-s-da-amazonia/4200-atlas-de-conflitos-na-amazonia-e-disponibilizado-para-download>. Acesso em 17 dez. 2019.

(11) CARVALHO, Cleide. Agência Nacional de Águas. Usina no coração da floresta. Publicado por O Globo: 23 de set. 2012. Disponível em <www.ana.gov.br/noticias-antigas/usina-no-coraassapso-da-floresta.2019-03-15.0380411974>. Acesso em 17 dez. 2019.

(12) UNK, Wolfgang J.; MELLO, J. A. S. Nunes de. Impactos ecológicos das represas hidrelétricas na bacia amazônica brasileira. Estud. av., São Paulo , v. 4, n. 8, p. 126-143, Abr. 1990 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141990000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 17 dez. 2019.

(13) Belo Monte pode deixar comunidades, animais e plantas do Xingu sem água para sobreviver. Amazônia Notícia e Informação. 21 de set. 2018. Disponível em <amazonia.org.br/2018/09/belo-monte-pode-deixar-comunidades-animais-e-plantas-do-xingu-sem-agua-para-sobreviver/>. Acesso em 17 dez. 2019.

(14) NOBRE, Antonio Donato. O futuro Climático da Amazônia. Articulação Regional Amazónica. Disponível em <www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/futuro-climatico-da-amazonia.pdf>, acesso em 17 dez. 2019.

(15) INPE. Terra Brasilis PRODES. Mapa de desmatamento 2023- 2025. Disponível em <terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/map/deforestation?hl=pt-br>. Acesso em 20 de agosto 2025.

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