Quebradeira de coco em Vitória do Mearim, Maranhão

Quebradeira de coco em Vitória do Mearim, Maranhão

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Uma das mais promissoras cadeias produtivas da sociobiodiversidade também é uma das mais ameaçadas: o Babaçu

Organizações sociais, poder público, empresas e quebradeiras de coco procuram soluções para revigorar uma das mais importantes cadeias produtivas da sociobiodiversidade: a do babaçu. O último Censo Agropecuário do IBGE (2017) indica a redução mais acentuada na coleta e quebra do babaçu já registrada desde 1940.

O início da queda na produção extrativista de babaçu remonta à década de 1990, mas foi a partir de 2006 que a diminuição do número de estabelecimentos envolvidos no extrativismo do babaçu tornou-se mais significativa. Eram 58.429 estabelecimentos, em 2006, e foram encontrados apenas 15.491, em 2017. No mesmo período, a produção de amêndoas caiu de 150 mil toneladas/ano para aproximadamente 17 mil toneladas/ano.

Esses dados foram analisados pelo pesquisador da Embrapa, Roberto Porro, durante o primeiro Diálogos do Babaçu – encontro idealizado pela Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ) e realizado nos dias 25 e 26 de outubro em São Luís. O WWF Brasil e o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), que integram a Rede Cerrado, e que possuem iniciativas para o fortalecimento da cadeia do babaçu no Maranhão, também apoiaram e participaram dessa troca de experiências. 

(Foto: Cássio Bezerra / Acervo ISPN)
Quebradeiras de coco do Maranhão, Pará e Tocantins e representantes de organizações sociais e do poder público reunidos no primeiro Diálogos do Babaçu, em São Luís. Foto: Cássio Bezerra/Acervo ISPN

Entre os fatores que contribuem para essa redução drástica indicada pelo IBGE estão a redução da mata de palmeiras, com a pressão, principalmente, da pecuária e da soja; a ausência de fiscalização e do cumprimento da Lei do Babaçu Livre, legislação estadual no Piauí e no Tocantins, mas, paradoxalmente, lei municipal em apenas 12 das 217 cidades do Maranhão, historicamente o maior produtor nacional da amêndoa de babaçu; e a dificuldade de crédito para a agricultura familiar no Nordeste. 

Apesar deste cenário de entraves, associações comunitárias e cooperativas de quebradeiras de coco apresentaram o desenvolvimento e o potencial dessa cadeia produtiva com inovações no uso da amêndoa e produtos alimentícios à base do babaçu. Durante o encontro, quebradeiras também demonstraram engajamento para pensar soluções coletivas que possam trazer benefícios às comunidades e à natureza.

“Nós estamos descobrindo uma imensidão de derivados do babaçu, mas o babaçu pode sumir daqui um tempo. Como nós vamos ficar? Como as quebradeiras de coco vão trabalhar e como vamos produzir essa quantidade de produtos que nós já estamos produzindo hoje? E os outros produtos que estamos descobrindo a cada dia?”, questiona Antônia Vieira, do Clube de Mães Quilombolas da comunidade Pedrinhas, localizada em  Itapecuru-Mirim, no Maranhão. 

A comunidade de Antônia Vieira produz até hambúrguer feito com farinha da amêndoa do babaçu. O produto inovador foi desenvolvido com apoio da Embrapa Cocais em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Além do hambúrguer, existem a peta, a cocada e vários tipos de biscoito de babaçu. Outras organizações, como a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago dos Rodrigues (Maranhão) e a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA) e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco (MIQCB) apresentaram produtos, como azeite, sabonete, farinha de mesocarpo do babaçu e artesanatos. 

Entraves para a coleta de coco babaçu

Um dos grandes problemas das produtoras rurais, quebradeiras de coco, como Antônia Vieira, senão o mais sério deles, é que a maior parte da mata de babaçu está em propriedades rurais privadas. A Lei do Babaçu Livre permite que as quebradeiras adentrem nessas propriedades para a coleta do coco e também proíbe a derrubada da palmeira. Contudo, sem fiscalização, mesmo onde há essa legislação, muitas quebradeiras são impedidas de fazer a coleta. Elas também denunciam a utilização de veneno para matar a palmeira do babaçu que morre, apesar de permanecer de pé, uma forma de burlar a lei.

“São muitas preocupações para as quebradeiras de coco, devido ao desmatamento, às queimadas e até mesmo à pulverização de veneno que vem acontecendo em alguns municípios e acabando com as palmeiras. O babaçu é muito importante para as famílias que trabalham direta ou indiretamente com essa cadeia porque gera renda e, se o babaçu terminar, vai acabar essa renda e muitas pessoas não vão ter com que trabalhar”, afirma Antônia Vieira. 

“A gente enfrenta diversas barreiras enquanto quebradeiras de coco. Chegando aqui no encontro, ouvindo as outras companheiras, eu vi que elas enfrentam os mesmos problemas. Cerca de 70% das quebradeiras da nossa associação não têm terra própria. Elas usam o coco de terra alheia”, ressalta Rozeny Batista Alexandra, quebradeira coco de Axixá, na região Bico do Papagaio, no Tocantins. 

Rozeny Batista também relata o desmatamento dos babaçuais para dar lugar às monoculturas do agronegócio, casos de violência contra as quebradeiras e o uso de veneno para matar as palmeiras. “É muito triste ver uma mulher quebradeira de coco que criou os filhos, que já tem filho formado e hoje não tem direito ao coco. Agora, eles [proprietários das terras] inventaram uma moda de não derrubar a palmeira. Eles matam ela de pé. Então se a palmeira tá de pé, para eles não é crime. A gente espera muito poder contar com o apoio do poder público para nos ajudar”, complementou. 

No Maranhão, a situação não é diferente. Outro dado do Censo Agropecuário indica que, em 2017, no estado, apenas um terço do território agricultável estava dedicado à agricultura familiar. Para o secretário adjunto de Biodiversidade e Tecnologias Sociais da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar (SAF), Ricarte Almeida Santos, que compôs a mesa de abertura do Diálogos do Babaçu, essa parcela da agricultura familiar, hoje, deve ser bem menor.

Santos foi enfático sobre a necessidade de barrar o crescimento da soja no Maranhão, tendo em vista que essa expansão hegemonizadora e acelerada ameaça a existência de outras formas de produção agrícola e o modo de vida tradicional de quilombolas, caboclos, indígenas e quebradeiras de coco, gerando êxodo rural e sobrecarga sobre as cidades. 

“Nós temos observado a aceleração da expansão da soja, inclusive, em territórios que a gente nem imaginava que ela fosse chegar, como na Baixada Ocidental, na Baixada Oriental, nos litorais do Maranhão. Então, significa dizer que, mantida essa aceleração – inclusive marcada por muita violência contra as comunidades – o território da agricultura familiar no Maranhão corre o risco de extinção; as práticas de vida dos povos tradicionais correm risco de desaparecer em função do chamado agronegócio da soja. Isso seria um crime extraordinário, um etnocídio contra pretos, caboclos, quebradeiras de coco, indígenas, pessoas que vivem da prática tradicional de reprodução da vida”, afirmou. 

Há muito potencial, apesar do declínio da produção

Apesar de contestar alguns aspectos metodológicos que levaram aos resultados obtidos pelo Censo Agropecuário do IBGE, o pesquisador Roberto Porro observa esses dados com preocupação. 

“É importante estender esse diálogo a outros segmentos que, infelizmente, não puderam estar presentes para que contribuam nesse processo porque, nesse período agora, em que se visibiliza essa economia da sociobiodiversidade, o babaçu tem um espaço muito forte para ser preenchido e é necessária uma estratégia consensuada para maximizar o potencial dessa economia e trazer benefícios para todos os segmentos da cadeia produtiva”, disse.

Em estudo próprio, o professor Porro aponta que, em 334 municípios (no Maranhão, Pará, Tocantins, Piauí e Bahia) ainda existem 12,5 milhões de hectares nos quais predominam os babaçuais. O potencial de produção dessas áreas com matas de palmeiras de babaçu é de 1,5 milhão de toneladas por ano. Roberto Porro ressalta que mesmo nas décadas de 1970 e 1980, a produção de amêndoas nunca chegou a 20% desse potencial e que, atualmente, levando em conta os dados do IBGE, a produção está entre 1% e 4% do volume total que poderia atingir. 

Acesso à crédito

Outro problema apontado por diversas quebradeiras de coco que se reuniram no Diálogos do Babaçu foi a dificuldade para conseguir crédito. Conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Região Nordeste, que possui 47% dos agricultores e agricultoras familiares, recebeu apenas 12% dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); enquanto a Região Sul, que possui apenas 17% dos agricultores e agricultoras familiares, recebeu 60% dos recursos do programa. 

Outra questão são os preços praticados pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) que garante um preço mínimo para 17 produtos extrativistas que ajudam na conservação dos biomas brasileiros, entre eles, o babaçu.

A coordenadora de Acesso e Conservação de Biomas da Secretaria de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do MDA, Raquel Souza, explicou que diálogos para solucionar os problemas podem ser caminhos para a melhoria da cadeia do babaçu. “A gente acredita que essas articulações direcionadas para as cadeias da sociobiodiversidade são fundamentais para fortalecer as iniciativas e para a gente enquanto Ministério ter a clareza sobre as demandas, sobre o que a sociedade civil está vendo e sobre o que é necessário para a gente poder atuar junto”, afirmou. 

Raquel Souza observou que, apesar da diversidade do encontro, que reuniu quebradeiras de coco do Maranhão, Pará e Tocantins, as pautas são comuns, como a perda dos babaçuais e a dificuldade de conseguir mercado. 

“A gente identificou várias demandas em relação à questão das políticas públicas do babaçu, algumas delas a gente já tem bastante clareza, como a questão da PGPMBio, que já tem várias iniciativas para fazer a correção de preços, para reorganizar essa política, assim como da demanda do aumento de compras por parte do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e da PNAE [Política Nacional de Atenção Especializada] que também já estão sendo consideradas e renegociadas para o próximo ano. Então, nesse sentido, a gente já tem bastante coisa em andamento”, afirmou. 

 

Iniciativas que acreditam nesse potencial

O Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) e o WWF Brasil, que integram a Rede Cerrado, apoiaram a organização e participaram do primeiro Diálogos do Babaçu, idealizado pela GIZ. 

“O evento reuniu pessoas da base que muitas vezes têm menos voz, que são as quebradeiras de coco. Então, o sentimento é que foi um passo muito importante, sobretudo, porque nós vivemos um momento político favorável no Brasil. A gente não pode baixar a guarda porque é favorável, mas nós temos que usar esse momento e nos fortalecer enquanto organizações e avançar”, afirmou o coordenador do Projeto Cerrado Vivo e analista de conservação do WWF Brasil, André Freitas. 

O WWF é parceiro do ISPN que tem 33 anos de anos de atuação pela conservação dos biomas brasileiros. “A partir de um olhar ecossocial, isto é, de valorização dos meios de vida produtivos e sustentáveis, nos juntamos às organizações e pessoas que combinam o uso sustentável da sociobiodiversidade com o uso e manejo da paisagem. A participação do ISPN no Diálogos Babaçu tem essa perspectiva de apoiar quem historicamente tem dedicado tempo e esforços ao debate sobre os desafios e oportunidades da cadeia do babaçu”, afirmou a coordenadora do Programa Maranhão do ISPN, Ruthiane Pereira.

O ISPN adota a estratégia chamada Promoção de Paisagens Ecossociais (PPP-ECOS), que tem como um de seus pilares o apoio a projetos comunitários por meio do Fundo PPP-ECOS. A partir dele, o Instituto tem apoiado iniciativas junto a povos e comunidades tradicionais e na agricultura familiar. Ao longo de 29 anos do Fundo PPP-ECOS, o ISPN contabiliza 940 projetos apoiados com a parceria de mais de 12 doadores, além do Fundo Amazônia. Desse número, 129 projetos estão em execução ou foram executados no Maranhão. Além disso, 17 estão ligados, diretamente, à cadeia produtiva do babaçu em 14 municípios.

Texto: Cássio Bezerra/Assessor de Comunicação ISPN

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