7ª edição da Marcha das Margaridas reuniu mais de 100 mil mulheres dos campos, das águas e das florestas em Brasília, no dia 16 de agosto, entre elas, representantes de projetos apoiados pelo PPP-ECOS
Mulher que vem do campo, de comunidade tradicional e que luta por seus direitos se identifica com Margarida Alves, uma dirigente sindicalista e trabalhadora rural da Paraíba, morta há 40 anos por sua luta em defesa dos direitos humanos.
É o que dizem as maranhenses Vanessa Neco e Josefa Andreza, beneficiárias do Fundo PPP-ECOS, um dos componentes da estratégia institucional do ISPN para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais, na 7ª Marcha das Margaridas, realizada nos dias 15 e 16 de agosto, em Brasília.

“Toda mulher que vem do campo, da comunidade, se identifica com Margarida Alves. Não só por ser mulher, mas por ser filha de luta”, argumenta Vanessa, quebradeira de coco babaçu, da comunidade Aldeia do Odino, município de Bacabal, Maranhão.
Atual assistente de projetos da Associação Comunitária de Educação, Saúde e Agricultura (ACESA), Vanessa conta que seu território já foi palco de conflito por terras e seu avô foi assassinado em defesa da comunidade.
Projeto do qual ela faz parte, “Ao redor de casa: fortalecimento dos quintais produtivos e sistemas agroflorestais”, financiado pelo Fundo Amazônia, tem proporcionado o trabalho de mulheres em hortas medicinais, quintais produtivos e sistemas agroflorestais.
“Somos as primeiras a sentir as mudanças climáticas. Com esse fortalecimento do nosso trabalho, do trabalho das mulheres que tão lá nas comunidades, vem um certo empoderamento e também conhecimento. A partir do projeto, a partir dos intercâmbios dos quintais produtivos, ocorre um empoderamento econômico, mas, acima de tudo, vem tendo uma troca muito bonita”, explica.
Para ela, Margarida Alves é símbolo de coragem. “A partir do momento que a gente nasce, já nasce com ‘coragem’ escrito na testa”, diz, acrescentando que os frutos da luta, mesmo que não apareçam agora, serão colhidos no futuro.
Josefa mora em Balsas e trabalha para a Associação Camponesa na região sul do Maranhão, dando apoio para organizações comunitárias que trabalham conservando o Cerrado e em defesa dos direitos humanos. Ela integra o projeto “Jornada em defesa das riquezas do Cerrado Maranhense”, que também recebe apoio do Fundo Amazônia. Na militância pela agricultura familiar em comunidades de área rural e urbana, ela destaca que a luta de Margarida é pelos direitos das mulheres e do ser humano. “Vejo minha trajetória de vida e também me considero uma Margarida Alves”, comenta.
Já a agricultora de 58 anos Maria Margarete Cunha, moradora de Esperantinópolis e membro do Coletivo de Mulheres Trabalhadoras do Estado do Maranhão, se soma ao coro de Vanessa e Josefa e defende que a luta de Margarida está “no sangue”.
“A luta pela terra, pela conservação do meio ambiente, nos fortalece”, afirma, acrescentando que “o Brasil todo está reivindicando a reconstrução, para melhorar a vida, para que sejamos todas livres, sem violência no campo”.
Quebradeira de coco babaçu, Margarete também é beneficiária do PPP-ECOS por meio do projeto “Mulheres rurais extrativistas, preservando o meio ambiente em busca de soberania alimentar”. Nesta iniciativa, há o aproveitamento integral do coco babaçu, fruto com o qual o coletivo trabalha, o que, diz ela, fortalece as mulheres com “geração de renda”.
Maria Eliane, 38 anos, de Trizidela do Vale, Maranhão, moradora da comunidade de Bom Princípio e membro da Associação de Moradores Saudade, São José e Encruzilhada (Amossaje), faz parte do projeto Bem Viver, que recebe apoio do PPP-ECOS e financiamento do Fundo Amazônia. Ela é mais uma mulher que se junta às ideias de Margarida
“O projeto traz uma visão para nós mulheres de esperança. Quando o PPP-ECOS veio, ele trouxe essa visão de que é possível. De que nós, mulheres, com a nossa dificuldade, com as nossas limitações, podemos contar com quem está à disposição para nos ajudar, nos orientar e buscar melhoria”, declara.
“Medo nós tem, mas não usa!”
Eliane comenta que Margarida Alves “mostra pras mulheres, em especial do campo ,que não vale a pena você ficar com medo, não vale a pena você não enfrentar os problemas, não vale a pena você não resistir. Você precisa resistir, dar o exemplo, e as pessoas precisam olhar para nós mulheres e dizer que é possível”.
Assim como Margarida ensinou que tinha medo mas não usava, Eliane conta que o PPP-ECOS conseguiu “tirar uma parte desse medo da gente”. “A gente acha que não vai conseguir, mas vai superando esse medo com orientações dos técnicos, das ligações, das dúvidas que a gente tira”.
O projeto Bem Viver trabalha com o beneficiamento do óleo de coco babaçu, fazendo sabão caseiro, óleo para cosméticos e azeite para uso culinário. “A alegria de saber que é possível ter nosso espaço é uma conquista enorme para nós, para as crianças e para a juventude”, declara.
Com o Bem Viver, o sonho é ter qualidade de vida e viver com dignidade, explica Eliane. A escolha do nome foi baseada nesse motivo. “A gente queria um nome que representasse o sonho da nossa velhice, e aí descobrimos nosso bem viver, da nossa agroecologia, das nossas criações de animais, da nossa vizinhança e das nossas trocas de produto”.
Eliane conclui dizendo que Margarida é “nosso bem viver”, porque ela “mostrou que é possível resistir em meio a tantos desafios, e que não é a morte que faz a gente perder a luta – a gente só perde quando desiste”.
Membro do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Ana Cileide, 46 anos, fecha o ciclo das Margaridas ecossociais. Agricultora rural e quebradeira de coco babaçu, Ana argumenta que os projetos apoiados pelo PPP-ECOS, com recursos da União Europeia, na sua região e na sua organização têm fortalecido as mulheres na luta, já que gera renda para a categoria.
“Homem não decide a nossa vida, quem decide somos nós. Na Marcha, a gente grita que somos decididas e que estamos lutando pelos nossos direitos”, afirma.
Margaridas em Marcha
Foram mais de 100 mil pessoas reunidas na quarta-feira, 16 de agosto, em Brasília, para a 7ª edição da Marcha das Margaridas. Agricultoras familiares, pescadoras artesanais, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas e tantas outras mulheres do campo, das florestas e da cidade fizeram essa que pode ser uma das maiores marchas em mais de 20 anos de história.
Vindas das cinco regiões brasileiras, e de países de cinco continentes, as Margaridas percorreram cerca de dez quilômetros até a Esplanada, onde foram recebidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministras, ministros e parlamentares.
Na ocasião, Lula assinou oito decretos que dialogam com as reivindicações da Marcha das Margaridas. Entre eles, os que instituem o Programa Quintais Produtivos, o Plano Nacional da Juventude e Sucessão Rural, comissões contra a violência no campo, e a retomada do Plano Nacional de Reforma Agrária – com prioridade para famílias chefiadas por mulheres, e do programa Bolsa Verde.
Nenhuma a menos
Essa publicação também é uma homenagem a Mãe Bernadete, coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ), que foi cruelmente assassinada em seu terreiro em Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA), na noite dessa quinta-feira, 17 de agosto, um dia após o encerramento da Marcha das Margaridas.
Pelo fim de violência contra mulheres. Margarida e Bernadete presentes. Nenhuma de nós a menos.
*Texto e fotos por Camila Araujo/Assessora de Comunicação do ISPN.