Organizações da sociedade civil e especialistas defensores da Reforma Tributária 3S – saudável, solidária e sustentável – fizeram ato político e coletiva de imprensa nesta terça-feira (7), no Salão Verde da Câmara dos Deputados, denunciando os riscos que a PEC 45 representa para o meio ambiente e a saúde da população. O ato teve apoio e participação de parlamentares que apoiam a iniciativa. O relatório da PEC 45 foi aprovado no mesmo dia na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e segue para votação em plenário. O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) é signatário da proposta 3S.
As organizações defendem que o imposto seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”, recaia sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como produtos de tabaco, bebidas alcoólicas, ultraprocessados, agrotóxicos, combustíveis fósseis e armas de fogo. E denunciaram manobras e brechas no texto atual da PEC 45, que descaracterizam a finalidade do imposto seletivo.
“O parágrafo 9º do artigo 9º da PEC 45 constitucionaliza uma restrição de abrangência do Imposto Seletivo, blindando agrotóxicos e ultraprocessados da futura regulamentação”, afirmou Paula Johns, diretora da ACT Promoção da Saúde. “Esse parágrafo tira do Estado a capacidade de arrecadar com o que faz mal e de mitigar os estragos que esses produtos fazem para saúde e para o meio ambiente. Está na responsabilidade do Senado a gente garantir que no texto não tenha nenhuma trava para o imposto seletivo”, disse.
Marcos Woortmann, do Instituto de Democracia e Sustentabilidade (IDS), falou sobre a questão da trava do imposto seletivo. “Precisamos manifestar nosso consternamento em relação ao que ocorreu na CCJ do Senado, onde o senador Eduardo Braga apresentou um relatório e publicou outro. O que foi protocolado manteve a trava ao imposto seletivo, mesmo depois da sociedade civil ter celebrado a retirada do parágrafo 9º do artigo 9º. Isso significa a perpetuação de um modelo que atrasa o Brasil, que mantém subsídios para o que mata e envenena o nosso país, que deveria ser exemplo mundial, que vai sediar uma COP. Desejamos que essa casa tenha toda força para contornar os desvios que ocorreram e que possamos voltar ao prumo”, denunciou.
Incentivos fiscais para agrotóxicos e ultraprocessados
Outro ponto questionado pelo grupo foi a previsão de alíquota mais baixa para “alimentos para consumo humano” e “insumos agrícolas”, que podem incluir produtos ultraprocessados e agrotóxicos, ambos associados a diversos tipos de câncer e outras doenças crônicas.
“Me causa preocupação ver que interesses setoriais podem se sobrepor aos interesses sociais na votação da reforma tributária”, afirmou Roberto Gil, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA). “Hoje estamos provocando doenças em um nível em que não conseguimos tratá-las. E estamos fazendo isso quando deixamos de tributar produtos que são reconhecidamente causadores de doenças, esperando que a tecnologia traga soluções depois que o problema está instalado. Defender a sustentabilidade, a saúde e a solidariedade é defender o óbvio e o elementar, precisamos convergir esforços para nossa sobrevivência, nossa continuidade planetária”, concluiu o oncologista.
“Por que a gente vai dar subsídio para um alimento que a gente sabe que faz mal à saúde das crianças? O Brasil tem condições de criar uma reforma tributária que olhe não só para a questão econômica, mas para a social e ambiental”, afirmou João Paulo Pacífico, CEO de investimentos de impacto do Grupo Gaia. “Não faz o menor sentido que um país do tamanho do Brasil, com a agroecologia e a agricultura familiar tão fortes, dê dinheiro para grandes empresas que produzem ultraprocessados, para concentrar renda e para fazer mal à saúde das pessoas.”
Enfrentamento à desigualdade e controle social
“O discurso dominante é o de que a reforma é para simplificar os impostos, para gerar crescimento econômico. Mas qual desenvolvimento econômico? Um desenvolvimento alinhado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)? A gente tá realmente só discutindo qual setor econômico vai ganhar ou perder, ou estamos olhando para o futuro?”, afirmou Marcello Baird, da ACT Promoção da Saúde. “É nesse contexto que surgiu essa coalizão por uma reforma tributária 3S: saudável, sustentável e solidária, para gente alcançar uma reforma que vá além da simplificação e promova saúde, igualdade e meio ambiente saudável. Ela deve incentivar aquilo que é bom pra saúde das pessoas e do planeta, e não o contrário”
“O novo sistema de tributação deve ser capaz de promover justiça fiscal ampla. As medidas de simplificação da tributação são necessárias, mas têm de atuar junto a um conjunto de regras que redistribua as bases de incidência dos impostos, ou seja, medidas que enfrentem as desigualdades que nos estruturam enquanto país e que o Estado perpetua por meio de sua política tributária” afirmou a assessora política Gabriella Nepomuceno, do Inesc. Gabriela falou também sobre a construção de mecanismos de governança dos gastos tributários com transparência e controle social. “Defendemos e recomendamos que o Estado seja o condutor de uma política de avaliação e controle dos gastos tributários, pautado pelo monitoramento contínuo e avaliação de objetivos, metas e resultados dos benefícios e incentivos fiscais concedidos, de forma que possamos avaliar apropriadamente, periodicamente, o custo-benefício das renúncias fiscais para a sociedade.”
“Ao mesmo tempo em que celebramos o debate da reforma tributária, que já tem quatro décadas, temos outros desafios agora: o debate dos limites que estão colocados à saúde e aos alimentos saudáveis. Boa parte das doenças que estão causando mais mortes e mais impactos nos recursos públicos da saúde vem dos agrotóxicos”, afirmou o deputado federal Nilto Tatto, que abriu o ato. “A forma como produzimos os bens e serviços precisa ser modificada para diminuir drasticamente o aquecimento global. Já estamos assistindo os grandes eventos climáticos. Mas pode piorar se a gente não enfrentar.”
Entrega de manifestos e petição

No evento, foram entregues aos parlamentares presentes três documentos: o “Manifesto por uma reforma tributária 3S”; o “Manifesto por uma reforma tributária que previna doenças promovendo a alimentação adequada e saudável”, assinado por mais de 120 organizações e grupos de pesquisa, e que pede que a reforma tributária esteja alinhada ao Guia Alimentar para População Brasileira; e a petição “Doce Veneno”, assinada por mais de 110 mil pessoas, e que pede que apenas alimentos saudáveis, e não produtos ultraprocessados, recebam tratamento fiscal favorável na reforma tributária.
Além do deputado Nilto Tatto, estiveram presentes e fizeram falas de apoio as deputadas federais Jandira Feghali e Erika Kokay, e os deputados federais Dr. Zacharias Calil e Tadeu Veneri.
Mais de 130 organizações da sociedade civil assinam o manifesto por uma reforma tributária 3S, entre elas, a Ação da Cidadania, ACT Promoção da Saúde, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Instituto Sou da Paz, Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) e Oxfam Brasil.
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Texto: Rosa Mattos/Assessoria de Comunicação ACT Promoção da Saúde