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Programa PIPOU promove debate sobre os 10 anos da Lei de Cotas (LEI 12.711/2012)

Já são 10 anos da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal que considerou a Lei 12.711/2012, conhecida como a “Lei de Cotas”, constitucional, necessária e urgente. E para falar desta Lei tão importante no combate às desigualdades de acesso ao ensino superior no Brasil, o Programa PIPOU convidou o Prof. Dr. Gersem Luciano Baniwa, para fazer um balanço desses 10 anos de implementação, por meio de uma palestra online destinada aos/às bolsistas da iniciativa. O encontro foi realizado no dia 28 de abril de 2022 e contou com a participação dos membros do Colegiado do Programa PIPOU, do qual o Prof. Gersem também participa. A palestra faz parte de uma série de atividades do PIPOU, que além de ofertar apoio financeiro e acompanhamento pedagógico, também fomenta a formação política dos/as estudantes sobre temas relacionados ao movimento indígena no Brasil. “Além de garantir a permanência das alunas e alunos indígenas nas universidades, nosso objetivo é também contribuir para a formação de estudantes comprometidos com as demandas e realidades de suas comunidades e com a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas”, afirmou, Ingrid Weber, assessora técnica do ISPN (leia mais sobre o PIPOU no final desta matéria)

Sancionada em 29 de agosto de 2012 pela então presidenta Dilma Roussef, a Lei 12.711/2012 reserva 50% das vagas nas instituições de ensino superior federais (universidades e institutos federais) para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Deste percentual, metade (25%) das vagas devem ser destinadas a estudantes de baixa renda (renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio), enquanto a outra metade deve ser destinada a estudantes com renda superior. Nos dois subgrupos, devem ser reservadas vagas a estudantes pretos, pardos ou indígenas, de acordo ao percentual dessa população no estado onde se encontra a instituição. 

A Lei foi instituída para quebrar o ciclo de assimetrias e de exclusões que impedia os estudantes de segmentos sociais historicamente marginalizados a terem acesso às vagas nas instituições públicas de ensino superior. Tais vagas, preenchidas na sua maioria por alunos brancos advindos de escolas privadas que, por terem melhores oportunidades de formação básica, acabavam ocupando esses espaços e perpetuando as condições de desigualdade social. Conforme foi pensada, a Lei funcionaria em caráter emergencial e teria uma duração de 10 anos. Após esse período, ela seria revista para uma possível prorrogação ou revogação. Mas será que após 10 anos de funcionamento a Lei de Cotas conseguiu cumprir seu papel? Como está a situação dos/as estudantes indígenas que entraram no ensino superior por meio desta Lei? Essas e outras questões ancoraram a fala do professor Gersem e esquentaram o debate entre os/as estudantes do PIPOU.

Na aldeia, no movimento indígena, nas políticas públicas e na universidade

Pertecente ao povo Baniwa, Gersem José dos Santos Luciano nasceu na Terra Indígena Alto Rio Negro, localizada no município  de São Gabriel da Cachoeira (AM). Filósofo formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mestre e doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), o Prof. Gersem foi docente na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e atualmente é professor no Departamento de Antropologia Social da UnB. Toda esta trajetória acadêmica é permeada pelo seu histórico ativismo no movimento indígena no Brasil, sendo este um dos fundadores de duas importantes organizações indígenas da Amazônia, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab). Desde que traçou este caminho de militância, o professor Gersem se aprofundou nas questões referentes à educação escolar indígena integrando fóruns e setores governamentais que debateram e ajudaram a formular políticas públicas na área da educação para os povos indígenas do Brasil. Foi Secretário de Educação de São Gabriel da Cachoeira (1997-1999) e Coordenador Geral de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC) de 2007 a 2011. Foi durante a sua passagem pelo MEC que o professor testemunhou a construção da Lei de Cotas e participou em vários momentos da sua concepção. Toda essa experiência se transformou em diversas produções acadêmicas que analisam os efeitos desta lei para os povos indígenas. Portanto, nada melhor do que o Prof. Gersem, com toda sua vivência, experiência e conhecimento para falar desses 10 anos de implementação da Lei de Cotas. 

“A Lei de Cotas precisa ser prorrogada e aperfeiçoada”

Antes mesmo da lei ser aprovada, algumas iniciativas de ação afirmativa já figuravam em várias instituições de ensino superior no Brasil. Conforme o Prof. Gersem, essas primeiras iniciativas serviram de base para a criação da Lei 12.711/2012, que demorou cerca de 13 anos tramitando no Congresso Nacional. A sua aprovação ocorreu mediante intensa participação popular e pressão dos movimentos sociais liderados principalmente pelos negros, indígenas e quilombolas. Em 10 anos de funcionamento, a Lei desbancou muitas críticas, sobretudo daqueles que duvidaram da sua eficácia na redução da desigualdade de acesso às universidades e, ainda, a uma possível redução na qualidade dos programas e cursos. Na sua visão, a Lei extrapola a ela mesma, pois a sua criação fomentou iniciativas adjacentes, que ajudam na permanência dos estudantes, como é o caso da Bolsa Permanência. “A Lei de Cotas precisa ser prorrogada e aperfeiçoada, a Bolsa Permanência, por exemplo, precisa se tornar lei para superar as crises contextuais de governo”, disse. O Programa Bolsa Permanência, implementado pelo Ministério da Educação em 2013,  oferece um auxílio mensal de 900,00 reais a estudantes indígenas e quilombolas. Porém, nos últimos quatro anos, o programa foi interrompido diversas vezes, deixando muitos indígenas e quilombolas numa situação de extrema vulnerabilidade. 

No entanto, os desafios vão além da questão financeira. Ainda que tenham suas políticas de ação afirmativa, muitas instituições não estão preparadas para acolher os indígenas que vêm de contextos culturais tão específicos. A estudante do curso de Direito da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Iracilene Guajajara, trouxe o caso de muitos estudantes que têm dificuldades de falar o português e acabam sendo excluídos de muitas atividades acadêmicas. “Aí vemos o quanto a universidade é colonizadora, não nos acolhe como somos. Não somos intrusos que chegaram aqui pela janela, estamos aqui porque temos direitos que foram conquistados com muita luta”, afirmou. 

São muitas as leis que amparam o direito dos povos indígenas à educação diferenciada, tais como a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Por isso, conforme o Prof. Gersem, a educação além de ser um direito, é uma demanda e uma necessidade pós-contato, e os conhecimentos adquiridos nestes espaços ajudam a melhorar a qualidade de vida nas aldeias e facilitam o acesso dos indígenas ao mundo globalizado. “Para essa interação com a sociedade nacional e internacional precisamos dessa formação superior, levando em conta os nossos planos de vida interculturais globais, pois os povos indígenas não estão mais isolados nos seus territórios, fazemos parte do mundo, pensar de outra forma é preconceito e discriminação”, enfatizou.

Trajetórias de luta e superação

Regilane Guajajara (ao centro) na Comissão de Heteroidentificação da UNIFESSPA. Foto: Patrício Rocha/Ascom UNIFESSPA

Provocados/as pela palestra, os/as estudantes trouxeram muitos relatos das suas experiências pessoais no ambiente acadêmico que passam principalmente pela questão da permanência, que é abalada não só por razões financeiras, mas também pelo confronto com um ambiente culturalmente tão distinto das suas realidades. “Recentemente foi feita uma pesquisa entre todos os estudantes do meu território que estão na universidade e muitos deles relataram que têm problemas psicológicos por conta dessas mudanças de contexto, sem falar que muitos de nós chega a desistir”, contou Robson Guajajara, estudante de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). 

Por já ter vivenciado tais experiências, Regilane Guajajara, estudante de Psicologia da UNIFESSPA, hoje integra uma equipe responsável pela construção da política de ação afirmativa da sua universidade. “Tudo é com luta, nada vem fácil, se a gente não conseguir se impor, nunca vamos conseguir que as universidades nos ouçam, precisamos mostrar para eles que estamos lá dentro”, disse. A jovem também relatou que contribui no acolhimento dos novos estudantes: “se eu não tivesse sido acolhida por um parente, eu teria desistido, e hoje eu consigo aconselhar outras pessoas para que elas não venham a desistir. Enquanto indígenas também temos o nosso papel na formulação de estratégias de permanência, e uma delas é acolher o nosso parente que chega e estar próximo dele”, afirmou.

Jhenniffer Tupinikin, estudante do curso de Saúde Coletiva da UnB. Foto: arquivo pessoal.

Jhenniffer Tupinikin, do curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB),  também contou que atualmente os estudantes indígenas integram os processos seletivos da instituição, que também é uma das pioneiras na implementação das políticas de cotas. “Se queremos indígenas nas universidades, elas precisam ter estratégias de acesso que permitam o ingresso de estudantes indígenas conforme as suas realidades, principalmente levando em consideração que o português não é a primeira língua de muitos deles”, analisou.

Por serem muito jovens, a maioria dos/as estudantes não conheciam o histórico da Lei de Cotas, por isso reconheceram que saber desse contexto faz com que todos/as valorizem ainda mais essa árdua conquista do movimento indígena no Brasil e vejam a necessidade urgente da sua prorrogação e aprimoramento. “É muito importante conhecer e valorizar a história da Lei de Cotas que beneficia a todos nós, às vezes não entendemos como esse processo aconteceu, mas essa é uma luta que continua e a gente deve valorizá-la cada vez mais”, afirmou Rotokwyi Gavião, estudante de Direito na UNIFESSPA. 

 

Rotokwyi Gavião, do curso de Direito da UNIFESSPA . Foto: arquivo pessoal

Para assistir a palestra do Prof. Dr. Gersem Baniwa, acesse aqui.

Saiba mais sobre o Programa PIPOU 

Fruto da parceria entre o ISPN e a Vale, o Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU) visa contribuir para a permanência adequada e exitosa dos estudantes indígenas no ensino superior, por meio de auxílio financeiro e acompanhamento, e fortalecer as iniciativas de ações afirmativas para indígenas nas Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Atualmente, o programa atende estudantes advindos de terras indígenas que já possuem relacionamento com a Vale, mas no segundo semestre deste ano haverá um novo edital para a seleção de novos estudantes também de outras terras indígenas. Em âmbito de gestão, o PIPOU conta com um colegiado que é a instância responsável por formular diretrizes, acompanhar a execução e propor adequações ao programa. É composto por 10 membros, sendo estes: dois lideranças do movimento indígena; dois representantes de Instituições de Ensino Superior envolvidas (as) com ações afirmativas para estudantes indígenas; dois estudantes indígenas (um do Encontro Nacional de Estudantes Indígenas – ENEI e um PIPOU); dois representantes da Vale e dois representantes do ISPN. 

 

 

 

 

Autoria: Andreza Baré / Assessoria de Comunicação ISPN

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