
Estivemos no Acampamento Terra Livre (ATL), entre os dias 24 e 28 de abril, para conversar com indígenas de diferentes estados do Brasil apoiados pelo nosso Fundo para a Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS). Nossa principal pergunta foi sobre projetos socioambientais na vida de comunidades indígenas. As respostas refletem a importância de olhar e entender as diversas realidades dos povos para que o apoio seja feito de maneira horizontal, com escuta e aprendizados.
Dentre os principais aspectos abordados pelos entrevistados, estavam: fortalecimento da proteção dos territórios; garantia de geração de renda e segurança alimentar; produção de alimentos sem veneno; e envolvimento e incidências junto ao debate político. “Esse projeto e essa produção que a gente está fazendo são para conservar nosso território, porque nosso território foi desmatado e destruído. Então, a gente está querendo proteger e reflorestar essa área que foi desmatada”, contou a Cacica do povo Kisêdjê, Wekoi Suya, da Associação Indígena Kisedje – AIK, localizada no Território Indigena do Xingu, estado Mato Grosso.
Aproveitamos também o novo contexto político para saber desses representantes seus anseios, perspectivas e sonhos futuros diante do atual governo e das novas medidas adotadas. “Nosso sonho é continuar e aumentar [o número de] os parlamentares indígenas na política”, contou Pasyma Panará, da Associação Iakiô, no Mato Grosso . É crescente o movimento dos indígenas para ocupar cargos de decisão política no âmbito nacional, estadual e municipal, no entanto, ainda são muitos os desafios para os povos, especialmente em relação ao acesso à saúde, à educação e à proteção e conservação de suas terras. O sonho em seguir e ampliar a ocupação indígena na política segue, assim como segue o sonho dos territórios demarcados.
Sobre o ATL
O ATL é a maior mobilização indígena do Brasil. Em 2023, ano de sua 19ª edição, reuniu em Brasília cerca de cinco mil indígenas de todo país, demonstrando, mais uma vez, sua capacidade de mobilização política e de contribuir para a renovação e o fortalecimento do movimento indígena, sempre propondo temas e debates emergentes e relevantes para essa agenda. O ATL marca o calendário indigena assim como se tornou marco fundamental para o calendário do fortalecimento da democracia .
Durante a semana, importantes ações, atos e declarações foram tomadas pelos povos indígenas, como a Marcha da Emergência Climática, no dia 26 de abril. Durante esse momento, representantes de vários povos denunciaram os impactos vividos com a mudança do clima e reiteraram as efetivas contribuições que os territórios indígenas promovem para a manutenção do equilíbrio climático no Brasil e no planeta. A busca por Justiça Climática é um marco fundamental das lutas indígenas.
No último dia, 28 de abril, com a presença do presidente Lula e demais autoridades, seis Terras Indígenas (TIs) tiveram seus decretos de homologação assinados durante o evento, são elas: TI Arara do Rio Amônia (AC); TI Uneiuxi (AM); TI Kariri-Xocó (AL); TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Rio dos Índios (RS); e TI Avá-Canoeiro (GO).
Além das seis TIs, foram recriados por meio de decreto presidencial o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Nos seus discursos, lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reiteraram a necessidade de haver mais investimentos na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), na educação, recursos para desintrusões de terras demarcadas, a própria continuidade do processo demarcatório e a derrubada da tese do Marco Temporal, cuja retomada do julgamento pelo STF já foi anunciada pela presidente da Suprema Corte, Ministra Rosa Weber e ocorrerá em 7 de junho deste ano.
Esses dias no ATL nos ensinaram que, assim como refletiu Irakadju Ka´apor, há um projeto de vida sendo desenvolvido dentro das aldeias com o apoio de projetos ecossociais como aqueles apoiados pelo PPP-ECOS, mas que também precisa do apoio e incentivo político dos governos. Demarcação de terras, acesso à saúde de qualidade, incentivo e valorização da cultura e produção indígena, dentre outras ações e medidas, pertencem a um projeto de vida que “é para cuidar de nós mesmos”.
Confira as falas dos indígenas beneficiários PPP-ECOS:
(Alguns trechos foram adaptados na transcrição)
Wekoi Suya (com tradução de sua filha Kuyayutxi Suya)
Projeto Pequi dos Kisêdjê: Recuperando a floresta, gerando renda e cuidando da nossa alimentação.

“Nosso trabalho é em conjunto, e a gente vai compartilhando as produções, o trabalho, o conhecimento, junto com os jovens, as mulheres e as crianças.”
Transcrição:
Bom dia, meu nome é Wekoi Suya sou liderança das mulheres. A gente mora na Terra Indígena Wawi [do povo Kisêdjê] fica bem colada no território indígena do Xingu [no Mato Grosso].
Como é um projeto ecossocial na sua comunidade?
Dentro da aldeia a gente está trabalhando com projetos que fazem vários tipos de produção de alimentos. Uma delas é o mel. O mel é muito importante lá para nós, porque é um alimento muito bom. A gente produz pra gente mesmo, quando a gente tem vontade de comer, porque é muito importante a gente comer a comida natural. Então o mel é natural, sem veneno e a gente compartilha dentro da aldeia. Outro produto que a gente faz também é a pimenta. As mulheres trabalharam com a pimenta para produzir um pó e compartilhar com os demais parentes. Tem pimenta e também o pequi, o óleo de pequi a gente também produz. A gente não usa nenhum tipo de veneno no pé desses produtos. É natural, orgânico. Agora, recentemente, a gente começou a trabalhar com produção de polvilho. Conseguimos vários materiais através do projeto, como panela, ralador, caixa d’água. Os outros parentes que quiserem comprar, a gente produz e vende para eles. A venda ajuda a pagar a equipe da associação. Isso também ajuda a gente a deixar o jovem dentro da aldeia, a gente tem que ajudar eles de uma forma que eles tenham dinheiro dentro da aldeia. Nosso trabalho é em conjunto, e a gente vai compartilhando as produções, o trabalho, o conhecimento, junto com os jovens, as mulheres e as crianças.
Esse projeto e essa produção que a gente tá fazendo são para preservar nosso território, porque nosso território foi desmatado e destruído. Então, a gente tá querendo proteger e reflorestar essa área que foi desmatada. Essa parte é muito importante para os jovens conhecerem e a gente explicar para eles, mostrando qual é a forma certa de proteger nosso território.
Como você enxerga o contexto político do Brasil?
Quando Lula assumiu a presidência e chamou essas duas indígenas para trabalhar com ele, eu fiquei muito feliz porque, como elas são indígenas e conhecem a cultura indígena, elas conseguem mostrar e falar para os outros e outras autoridades que não conhecem a cultura indígena. Alguns acham que os indígenas já foram extintos, que não existem. (…) Mas a gente existe. Eu tenho certeza que ela [Sônia Guajajara] vai mostrar tudo isso para o mundo inteiro reconhecer a gente como indígena. A gente a chamou pra vir aqui [no ATL] conhecer, para a gente passar nossas informações, as nossas dificuldades, os problemas que estão afetando o nosso território. A gente está aqui reivindicando nossos direitos porque tem vários outros parentes que estão sofrendo por território. Eles foram mortos por território.
Minha outra preocupação é a saúde indígena. A saúde indígena é péssima. O nosso atendimento dentro dos municípios, dentro dos hospitais, está sendo muito difícil para nós. A gente enfrenta muitas dificuldades e espero que esses nossos parentes, juntamente com o presidente, ajudem a gente a melhorar a saúde indígena.
Outra coisa que eu quero pedir, e espero que elas consigam, é equipes para fazer fiscalização em cada limite da Terra Indígena, não só na minha, mas em todos. Isso que peço para o presidente e para a Ministra Sônia Guajajara também. Esse é o meu recado. E eu finalizo a minha fala por aqui.
Pasyma Panará
Pâpãã Kja Panará: Fortalecendo a cultura e autonomia do povo Panará

“O nosso sonho é continuar e aumentar os parlamentares indígenas na política”
Transcrição:
Meu nome é Pasyma Panará, eu sou presidente da Associação Iakiô do povo Panará.
Como é um projeto ecossocial na sua comunidade?
Esse projeto fortaleceu muito a nossa atividade agrícola, principalmente da roça, e também facilitou bastante nossa produção. E continua com a nossa segurança alimentar. É um projeto que vem apoiando a nossa luta, principalmente os limites do território do Paraná. Tem alguns projetos que apoiaram principalmente na fiscalização e no monitoramento das águas. Estamos também na luta contra os agrotóxicos que estão avançando no território. Então, esse projeto precisava muito ser desenvolvido aqui no território Panará. A gente ainda está envolvendo os jovens nos intercâmbios, nas oficinas, para que eles se fortaleçam nos conhecimentos e com as políticas. E as mulheres também.
Como você enxerga o contexto político do Brasil?
Deu uma calma agora nesse novo governo. A gente enfrentou muita dificuldade com o governo anterior. Fortaleceu muito, porque têm indígenas dentro da Sesai, na Funai, no Ministério dos Povos Indígenas. Então, isso facilitou muito a mobilização e a força dos povos indígenas. A gente se sentiu muito fortalecido com esse novo governo.
E sobre o futuro?
Queremos continuar e aumentar os políticos indígenas aqui em Brasília. Ocupar a vaga no Congresso Nacional, na Funai, na saúde também, na Sesai. Nossas esperanças e nosso desafio de estar aqui. Então, o nosso sonho é continuar e aumentar os parlamentares indígenas na política.
Iracadju Ka´apor
Projeto Pãpãã Kja Panará – fortalecendo a cultura e autonomia do povo Panará

“Esse projeto é um projeto de vida para cuidar mais de nós mesmos.”
Transcrição:
Sou Iracadju Ka´apor, Cacique do Território Alto Turiaçu. Sou atualmente presidente da Associação do Povo Ka´apor e nós estamos aqui em Brasília, na maior mobilização [indígena] do Brasil.
Como é um projeto ecossocial na sua comunidade?
Então, a questão sobre os projetos PPP-ECOS: a gente participou desse projeto para fortalecer mais a parte de sustentabilidade e proteção ao território e cuidar do meio ambiente. Como a gente já vem cuidando, como sempre foi no nosso território. Então, o PPP-ECOS pra gente veio ajudar e complementar nosso trabalho. Talvez agora vai facilitar mais outros projetos para chegar nas terras indígenas. Para os políticos também verem que a gente também tem interesse, tem condições. Porque às vezes as pessoas pensam que a gente não tem interesse em acessar um projeto. Então, os políticos vêem que a gente também está contribuindo com todo sentido de trabalho.
Como você enxerga o contexto político do Brasil?
A gente, da base no território – lideranças, caciques, guerreiros – estamos apoiando esse projeto que eles estão construindo junto com a gente. Então, esse projeto é um projeto de vida para cuidar mais de nós mesmos. Eu acho muito importante a luta dos povos indígenas. Talvez, dessa forma, nós vamos ter mais respeito dentro do nosso Brasil.
E sobre o futuro?
A gente tem que assumir mais responsabilidade dentro dos territórios também, para apoiar. E tem a demarcação da terra também, muitos parentes não têm ainda sua terra demarcada, ainda está em processo. Então, acho que no futuro vai ser um grande avanço para nosso Brasil, pra gente viver e cuidar de nós mesmos.
Kokowiriti Kisêdjê
Projeto Pequi dos Kisêdjê: Recuperando a floresta, gerando renda e cuidando da nossa alimentação.

“Esse projeto vem somar para a gente fortalecer nossa comida, nossa cultura e nossa sobrevivência a cada dia.”
Tradução:
Eu sou do povo indígena Kisêdjê, me chamo Kokowiriti Kisêdjê. Eu sou diretor executivo da Associação Indígena Kisêdjê – AIK.
Como é um projeto ecossocial na sua comunidade?
Esse projeto vem somar para a gente fortalecer nossa comida, nossa cultura e nossa sobrevivência a cada dia. Então, a gente vem trabalhando e se organizando para fortalecer mais o nosso produto. O povo Kisêdjê se alimenta também com isso. Então, toda a aldeia tá se alimentando de pequi, fazendo mingau e isso é muito bom. Muito bom esse projeto pra nós. A gente está plantando pequi para recuperar a área degradada [e construindo Casa de Beneficiamento do Pequi]. A nossa cultura continua a mesma e a nossa alimentação com esse plantio aumentou. Então todo jovem, mulheres, velho tá tomando mingau, tá comendo pequi. E daqui pra frente a gente tá pensando em vender pra fora. Porque vai ter bastante. Então metade vai pra consumo nosso e, se sobrar, a gente manda pra fora pra vender. Esse é nosso pensamento dentro do projeto ISPN que a gente está já executando. A cultura está forte e manter o alimento forte com esse projeto também está acontecendo. Então é tudo isso que a gente vem fazendo, pensando junto com a nossa comunidade.
Como o projeto pode ajudar na luta pelo território?
A luta pelo território está se fortalecendo bastante, com isso os fazendeiros respeitam um pouco nossa área, porque a nossa área tem um monte de planta. Pensando isso aí que a gente começou a fazer esse projeto pra gente manter a nossa nossa mata, para não destruírem. A gente continua com esse projeto, para fortalecer a luta nossa, porque isso fortalece a nossa política também.
Alan Apinajé
Projeto Produção de mudas, saberes tradicionais e guardiões Apinajé; Projeto Formação de novas gerações de guardiãs e guardiões Apinajé e monitoramento territorial.

“A gente tem o nosso território preservado, nossas águas, nossas cabeceiras, tudo isso a gente tem fortalecido.”
Transcrição:
Meu nome é Alan Apinajé e eu sou vice-presidente da nossa Associação do Povo Apinajé.
Como é um projeto ecossocial na sua comunidade?
A gente acompanha o trabalho de produção de alimentação com apoio do parceiro do ISPN, que é uma parceria bem desenvolvida nos territórios indígenas. E hoje a gente está vendo o resultado que está tendo dentro do nosso território, com a comunidade. O trabalho que ele [Projeto/PPP-ECOS] vem fazendo é de acordo com o plano de trabalho que a gente vem desenvolvendo dentro da comunidade e está tendo um resultado muito bom. Está ajudando muito na questão de produção de alimentos, com o não uso de agrotóxicos. Porque a gente tendo o alimento é tranquilo. Então, através desse projeto a gente tem um aprendizado também com eles. Tudo isso que a gente vem acompanhando, que vem com esse processo de execução do projeto. Nós temos nosso território, que tem várias frutas, e nós plantamos batata, milho, mandioca e isso vem fortalecendo a comunidade indígena. (…) A gente tem a nossa semente, a gente produz e a gente colhe, né? E guarda a semente para, no próximo ano, plantar novamente. Então isso é um alimento saudável.
Como o projeto pode ajudar na luta pelo território?
Os territórios são ameaçados no entorno, no limite, mas sempre a gente é fortalecido, fortalecido dentro do território firme. E tem a nossa tradição, a nossa cultura. Nós temos a nossa cantoria. Tudo isso ajuda a gente com a luta e também com o nosso alimento. A gente tem o nosso território preservado, nossas águas, nossas cabeceiras, tudo isso a gente tem fortalecido.
Os projetos citados nessa matéria são apoiados pelo Fundo PPP-ECOS, do ISPN, com financiamento do Fundo Amazônia e da USAID.
Texto: Méle Dornelas (Assessoria de Comunicação ISPN, apoio de Andreza Andrade, Isabella Fagundes e João Guilherme Nunes Cruz.
Fotos: acervo ISPN/Méle Dornelas
Edição e transcrição dos áudios: Méle Dornelas e Iogo Chirola (estagiário comunicação)