ISPN lança série de minidocumentários “Quem conserva a Amazônia?”, com nove experiências socioambientais de organizações comunitárias do Tocantins, Maranhão e Mato Grosso
Divino Borges, geraizeiro do Tocantins, com 52 anos, nunca havia pisado em uma sala de cinema. No último dia 25 de outubro, ele não só experimentou sentar em uma das 600 poltronas do Cine Brasília, como também se viu na telona do cinema que é patrimônio cultural da capital federal e da humanidade. O agricultor integra a Associação dos Pequenos Produtores Agroecológicos da Matinha, que, junto com oito outras experiências ecossociais, apoiadas pelo Fundo PPP-ECOS do ISPN, com financiamento do Fundo Amazônia, foi retratada na série de minidocumentários “Quem conserva a Amazônia?”, com direção do cineasta maranhense Neto Borges.
“Quando eu entrei naquela sala, foi uma surpresa e alegria muito grande, nunca imaginei que fosse daquele tamanho, eu me emocionei e me alegrei em ver nossa história ali, tão grande. A gente só agradece em ver nossa luta retratada de maneira tão bonita”, contou Seu Divino.
Seu Divino entrou no cinema pela primeira vez aos 52 anos para se ver na telona. Crédito: Pierre Moraes/Acervo ISPN
As produções audiovisuais contam histórias de organizações comunitárias lideradas por indígenas, geraizeiros, agricultores familiares, pescadores artesanais e outros povos e comunidades tradicionais das regiões amazônicas e de transição com o Cerrado, nos estados do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. As relações que elas estabelecem com o meio ambiente são foco dos enredos, que mostram como o manejo desenvolvido com os recursos da floresta ajudam a conservar o meio ambiente ao mesmo tempo que geram renda para as comunidades e contribuem para o desenvolvimento rural sustentável.
Cerca de 400 pessoas, entre representantes do governo, de organizações socioambientais, dos povos e das comunidades tradicionais, além do público de Brasília, acompanharam os nove curtas, com nomes que refletem a identidade local dos modos de vida tradicionais . São eles: “No caminho agroecológico – comercialização e resistência”; “Mulheres Agroecológicas – elos entre o campo e a cidade”; “Caiapó nutrindo o Araguaia”; “Boi Verde – a pecuária sustentável na agricultura familiar”; “Sementes da restauração no Portal da Amazônia”; “O doce mel das frutas do Cerrado”; “Roça Kupixapu’a – a ancestralidade e inovação Ka’apor”; “Alimento e cultura – mulheres quilombolas que sustentam vidas”; “Agroecologia e tradições geraizeiras no Tocantins”.
Valdivino Marques, companheiro de lutas de Seu Divino, também é um dos protagonistas dos filmes. Sua primeira e única experiência no cinema, até então, foi aos seis anos. Para ele, trazer o modo de vida de pessoas que vivem da floresta para o cenário urbano ajuda a sociedade a entender o papel dos povos e das comunidades tradicionais e agricultores familiares na proteção da natureza, além de alertar para os perigos que circulam nas suas regiões, como o avanço do desmatamento vindo de empreendimentos do agronegócio e dos grandes monocultivos, além da mineração.
“Os agrotóxicos que chegam com o agronegócio destroem nossas paisagens e atrapalham nossas produções. A mineração e as grandes plantações também são uma ameaça. O uso da comunicação, do cinema, pra denunciar isso ajuda a nossa luta e mostra às pessoas de diferentes lugares que é preciso olhar pras nossas realidades e vivências”, explicou Valdivino.
Seu Valdivino ao lado do cartaz do curta que protagoniza. Crédito: Pierre Moraes/Acervo ISPN
O diretor da série, Neto Borges, conta que o audiovisual ajuda a traduzir conceitos distantes da população em geral, mostrando a dimensão cultural e até espiritual das comunidades.
“Quando vamos no que chamam de Brasil profundo, mas que, na verdade, é logo ali, a gente enlarguece o país. O audiovisual permite isso. Ao fazer um documentário sobre essas pessoas que não estão no meio urbano, a gente vai além do visível, vamos no meio produtivo e imaginário, no meio econômico e no meio simbólico. Há o modo de vida, o espaço e o afetivo, que muitas vezes não transparecem no dia a dia. O invisível e a subjetividade estão no modo de vida, nas relações com as festas populares, com as religiosidades, porque esse modo de vida está intrínseco com tudo, com o espiritual, com alegria, e também com a tristeza. É uma universalidade fantástica”, declarou Neto.
Cada curta da série possui cerca de seis minutos, o que resultou em uma sessão de quase uma hora no Cine Brasília e em uma experiência única que ficará para sempre na memória dos presentes. A noite do dia 25 de outubro também mobilizou e sensibilizou o público urbano sobre o enredo ecossocial.
“Foi muito importante porque mostra para a gente aqui da cidade que existem outras realidades, pessoas que acordam às três da manhã para montar uma feira. Para eles, não é só uma feira, e isso sensibiliza. Eu sempre fui sensibilizada pela pauta ambiental, e meus amigos, que eu trouxe comigo para cá, também estão começando a se sensibilizar mais por causa de momentos assim. Foi emocionante”, comentou a adolescente Luara Bastos Cantuária, moradora da cidade de Brasília.
Seu Divino, ainda emocionado com sua estreia no cinema na noite do dia 25, volta para o Tocantins repleto de novas vivências, mas, com certeza, a sua história, assim como a de vários presentes na sessão do cinema, marca um elo importante entre campo e cidade.
“A gente sente alegria em ver o carinho e o apoio que muitas pessoas têm com o nosso trabalho. Vou levar para meus companheiros toda essa vivência e orgulho de ver nosso trabalho sendo difundido na capital”.
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PPP-ECOS e a finalização de um Ciclo
O lançamento da série aconteceu durante o 3º ECOS da Amazônia, um encontro que reuniu 56 projetos apoiados pelo Fundo PPP-ECOS, do ISPN, com financiamento do Fundo Amazônia, de 24 a 26 de outubro, em Brasília. Foram quatro anos, de 2019 a 2023, de apoio a diferentes iniciativas comunitárias nos estados do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins, que viabilizaram a conservação dos recursos naturais, ao mesmo tempo que geram renda para as comunidades locais.
O 3º ECOS finaliza um ciclo de experiências ecossociais exitosas. No entanto, também é o início de novos apoios e investimentos para que os projetos de de povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares continuem sendo fortalecidos para que os impactos locais sejam traduzidos em impactos globais. Quando uma paisagem é produtiva e ecossocial, os benefícios para o equilíbrio climático são potencializados. A série “Quem conserva a Amazônia?” traz a finalização deste ciclo na linguagem audiovisual e dos saberes tradicionais.
Confira algumas fotos do lançamento que foi um marco para a trajetória ecossocial do Brasil:









Texto: Méle Dornelas / Acervo ISPN
Fotos: Pierre Moraes/Acervo ISPN
Seu Divino entrou no cinema pela primeira vez aos 52 anos para se ver na telona. Crédito: Pierre Moraes/Acervo ISPN
Seu Valdivino ao lado do cartaz do curta que protagoniza. Crédito: Pierre Moraes/Acervo ISPN