Painel promovido pelo ISPN reuniu representantes do governo federal, setor privado e sociedade civil para discussão de gargalos enfrentados por povos e comunidades tradicionais, além dos benefícios do desenvolvimento das economias da sociobiodiversidade. Prática tradicional das comunidades locais gera renda, conserva o meio ambiente e mitiga as mudanças climáticas
Com a missão de discutir o desenvolvimento das economias da sociobiodiversidade no país, o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) apresentou na COP 28, em Dubai, o painel “Os desafios e oportunidades da sociobioeconomia para clima e biodiversidade no Brasil: Inovação, Escala, Inclusão e Conservação”, no domingo (10/12), reunindo representantes do governo federal, setor privado e sociedade civil.
Na atividade, foi ressaltada a abundância de recursos da biodiversidade brasileira, conservada pelos povos e comunidades tradicionais. Os painelistas sublinharam seu potencial para a geração de renda e desenvolvimento econômico a partir de um modelo aliado à conservação da natureza, com práticas que se opõem ao modelo de produção de commodities, que gera desigualdades e desmatamento.
O painel enfatizou o protagonismo das comunidades locais para o desenvolvimento de uma economia baseada no respeito aos meios de vida e que as políticas públicas possam reconhecer essa vocação, com a compensação pelo trabalho de conservação da biodiversidade, enfrentamento das crise climática e garantia da soberania alimentar, conforme apontam pesquisas científicas.
“Reconhecemos o papel das comunidades tradicionais para estratégias de conservação, são elas que inspiram um modelo de desenvolvimento menos predatório e mais consonante com o combate às mudanças climáticas”, disse o coordenador de Políticas Públicas e Advocacy do ISPN, Guilherme Eidt. Para ele, as comunidades tradicionais também desempenham um papel fundamental na promoção da estabilidade climática global e, por isso, necessitam de políticas e investimento para seu fortalecimento.
Superação de desigualdades
Em concordância a Eidt, a secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, apontou para a lacuna existente entre recursos destinados às comunidades e aos sistemas industriais da agropecuária. “No Brasil, temos um modelo que é invertido. Há muitos recursos para as grandes produções de soja e de milho, enquanto a produção dos territórios, que sustenta as comunidades e equilibra o meio ambiente, não tem o mesmo acesso”, explicou.
Além da equivalência de recursos públicos para incentivar a produção sustentável de alimentos, por exemplo, a secretária Ceiça frisou a necessidade de se estabelecer um preço justo aos produtos oriundos de Terras Indígenas, para gerar retorno financeiro às comunidades e valorização dos territórios. Para Pitaguari, a desigualdade na distribuição dos ganhos financeiros da bioeconomia é um problema. Como exemplo, ela mencionou a relação do povo Potiguara, do Rio Grande do Norte, com o beneficiamento da castanha de caju.
“A castanha sai do território por um valor: um quilo por R$ 10. Mas, quando é vendido na cidade, em Natal, esse mesmo quilo sai a R$ 70”, detalhou, apontando que esta disparidade de preços precisa ser superada. O argumento também foi compartilhado pelo painelista Marcelo Salazar, da Mazô Maná Forest Food, que entende a economia da sociobiodiversidade como uma economia do conhecimento. Ele defendeu remuneração digna aos detentores do conhecimento da produção de bens e serviços que sejam aliados à conservação.
Ganha-ganha
Diversas pesquisas apontam o potencial de geração de faturamento e os benefícios da sociobioeconomia no Brasil: geração de renda para comunidades locais e parceiros privados, contribuição para o enfrentamento das mudanças climáticas, conservação da sociobiodiversidade e ajudar o país a alcançar as metas estabelecidas no Acordo de Paris.
Há, contudo, a necessidade de observar uma questão fundamental no modelo econômico para os produtos da sociobiodiversidade: a escala deste tipo de produção, sob o risco de trocar seis por meia dúzia. Ou seja, pressionar pela produção a qualquer custo, sem considerar o respeito ao conhecimento tradicional associado, às distintas culturas de uso da terra por povos e comunidades tradicionais, e à consequente e danosa degradação ambiental.
A diretora executiva da TNC Brasil, Frineia Rezende, enfatizou: “Não podemos transformar os produtos da sociobiodiversidade em commodity ou monocultura. Precisamos trabalhar a diversidade cultural e o conhecimento tradicional de povos indígenas e comunidades locais, e agregar isso aos modelos econômicos, se não, vamos enfrentar um problema”.
Uma outra questão que o campo da bioeconomia enfrenta é sobre uma definição conceitual, que acumula divergências entre especialistas, governos e academia. A posição do Governo Federal, entretanto, é clara, de acordo com a secretária nacional de Bioeconomia do MMA, Carina Mendonça Pimenta. “O Brasil não tem dúvida do seu conceito. O nosso objetivo é fortalecer a economia da floresta, fortalecer os povos e as populações tradicionais. Não precisamos ter medo de dizer isso”, declarou.

Desafios a superar
Se a economia da sociobiodiversidade pode garantir benefícios múltiplos, por que sua expansão ainda não foi completamente explorada? Além da notória falta de investimentos públicos robustos, a resposta para esta pergunta reside ainda na dificuldade de acesso a crédito já existente. Os painelistas compartilharam os obstáculos que as comunidades enfrentam diante das burocracias de solicitação de financiamento e também de prestação de contas.
Sobre isso, o Governo Federal admitiu ter ciência das dificuldades de entendimento de procedimentos burocráticos das políticas públicas pelas comunidades e que tem buscado superar estas barreiras. A diretora de Negócios da Embrapa, Ana Margarida Castro Euler, destacou a discrepância entre os protocolos burocráticos e a realidade das comunidades tradicionais.
Euler comentou que em seu estado, o Amapá, é possível enxergar as consequências dessa dinâmica: diversas famílias ficam com o “nome sujo” por não conseguirem prestar contas, por falta de conhecimento do processo e do que é necessário para cumprir com as exigências de acesso ao crédito.
A diretora declarou que está nos planos da Embrapa avançar para solucionar esse gargalo, com apoio às comunidades. “É preciso que seja ofertada uma boa assistência técnica e extensão rural. O extensionista hoje é formado para a agropecuária, não é formado para essa economia do conhecimento. Com assessoria técnica de qualidade, seria possível superar este problema”, disse.
Também participou do debate Gaston Kremer, da World-Tranforming Technologies (WTT). A moderação foi do coordenador de Políticas Públicas e Advocacy do ISPN, representante do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Guilherme Eidt.
Sobre o ISPN na COP28
Com este painel do dia 10, o ISPN encerrou a sua participação na 28ª Conferência do Clima. Além deste debate, realizado no Pavilhão Brasil, o Instituto promoveu um evento paralelo, chamado side-event, na programação oficial da Convenção, voltado à inclusão do Cerrado no Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (leia aqui). A presença do Instituto em Dubai não se restringiu às mesas de discussão. Ao lado das organizações que compõem a Rede Cerrado, o ISPN também esteve presente em ato popular de lançamento da campanha “Cerrado e Amazônia: conectados pelas águas”. A ação reuniu dezenas de defensores do bioma Cerrado no espaço que hospedou a Conferência.
Texto: Raisa Pina, correspondente do ISPN na COP28
Edição: Letícia Verdi e Dominik Giusti, da Assessoria de Comunicação do ISPN