Entre os dias 30 de setembro e 1º de outubro de 2025, Brasília (DF) recebeu o encontro Caminhos para a permanência: universidades e estudantes indígenas em diálogo. A iniciativa, realizada pelo ISPN por meio do Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU), reuniu representantes de universidades parceiras, órgãos públicos e estudantes indígenas para trocar experiências e refletir sobre os desafios e os futuros da permanência indígena no ensino superior. A realização do encontro contou com o apoio da Vale.
A partir das experiências dos projetos apoiados pelo PIPOU, o evento debateu sobre os muitos desafios enfrentados pelos acadêmicos indígenas para a conclusão de seus cursos de graduação. Também abordou as estratégias que as universidades parceiras estão elaborando junto aos coletivos de estudantes indígenas para encontrar soluções a esses desafios. Entre eles, estão a ausência de políticas públicas e financiamentos para iniciativas de permanência, as dificuldades com a consolidação do ensino médio nos territórios, os preconceitos e o racismo vividos na vida acadêmica e a distância de suas comunidades e contextos culturais, além de outros fatores. O encontro ainda buscou apresentar e sistematizar lições aprendidas a partir dessas iniciativas, ampliando o diálogo entre parceiros e buscando construir uma agenda de incidência em políticas públicas.

Participaram representantes da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), além de estudantes indígenas, tanto bolsistas do PIPOU quanto participantes de projetos.
Também estiveram presentes representantes do Ministério da Educação (MEC); do Ministério dos Povos Indígenas; da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Universidade de Brasília (UnB) e , que compuseram uma mesa para debater a situação atual e perspectivas futuras da permanência de estudantes indígenas no ensino superior, na perspectiva da política pública.

Alguns aspectos destacados pela mesa foram o papel fundamental da educação básica nos territórios, na perspectiva da interculturalidade e da valorização das línguas maternas, como base da educação formal para povos indígenas e para o acesso ao ensino superior. Também foi ressaltada a importância de estabelecer diálogos estratégicos entre o ensino superior e os territórios etnoeducacionais, além da necessidade de fortalecer programas de extensão que fomentem pesquisadores indígenas e a aproximação com seus territórios de origem.
Como nasceram os projetos

Os projetos nasceram de uma construção coletiva entre o ISPN, as universidades e os coletivos de estudantes indígenas. Essa é a segunda linha estratégica do PIPOU, que, além do apoio direto aos estudantes — com bolsas, computadores e atividades formativas —, articula institucionalmente com universidades parceiras para a elaboração de iniciativas de acolhimento de estudantes indígenas, seja por meio da criação ou ampliação de espaços de estudos e convivência, realização de seminários, encontros e outros eventos para debater e encaminhar ações para fortalecer a permanência, levantamento de dados sobre os estudantes indígenas nos variados campi, dentre outras ações voltadas à permanência indígena.
Segundo o membro do Colegiado do PIPOU professor Alberto Terena, a decisão de apoiar essas iniciativas surgiu da própria instância deliberativa do programa, formada por especialistas indígenas e não indígenas da área da educação.
“Não é só colocar o acadêmico indígena na universidade — é preciso garantir apoio e estrutura. O PIPOU vem fazendo isso, e esse acompanhamento é fundamental para os estudantes”, afirmou.
A assessora técnica do PIPOU no ISPN, Camila Boldrin, destacou que essa linha de apoio também fortalece políticas públicas já existentes e amplia o alcance do programa.
“Mesmo estudantes que não são bolsistas do PIPOU acabam sendo beneficiados pelas ações nas universidades, o que reforça a dimensão coletiva dessa iniciativa e o compromisso com a inclusão indígena no ensino superior”, explicou.
Atualmente, cerca de 4 mil estudantes indígenas, pertencentes a mais de 50 povos, são alcançados direta ou indiretamente pelas ações apoiadas pelo PIPOU em diferentes cursos e áreas do conhecimento. Os valores dos projetos variaram entre 100 a 130 mil reais. Os projetos são conforme o contexto institucional. Veja abaixo um resumo das iniciativas apresentadas durante o encontro.
Projetos que inspiram
Laboratório de Estudo e Convivência Indígena da Ufopa (LABECIND)

Inaugurado em maio de 2025 no campus Tapajós, em Santarém (PA), o LABECIND foi criado como um espaço de convivência, pesquisa e atendimento a estudantes indígenas. O local foi equipado com computadores, internet e mobiliário, e abriga atividades de formação, monitoria, encontros e debates sobre temas acadêmicos e indígenas. O projeto é executado pela Diretoria de Políticas Estudantis e Ações Afirmativas (DPEAA), da Pró-Reitoria de Gestão Estudantil (Proges), em diálogo com os coletivos indígenas Dain, Muraycoco e Caican. Atualmente, a Ufopa conta com 734 estudantes indígenas, em cursos de graduação e pós-graduação.
“Antes, quando usávamos os laboratórios compartilhados com alunos não indígenas, éramos olhados com desconfiança. Agora temos nosso próprio espaço, o nosso próprio laboratório que podemos usar sem receio e com autonomia”, contou Pedro Cohco, do povo Wai Wai, estudante de Farmácia.
Espaço de Convivência de Estudantes Indígenas da UFMG

Localizado no campus Pampulha, em Belo Horizonte (MG), o espaço foi inaugurado em abril de 2025 e tornou-se um território de acolhimento e expressão indígena dentro da universidade. Equipado com mobiliário e estrutura para rodas de conversa, grupos de estudo e eventos acadêmicos, o projeto é conduzido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), em diálogo com o Coletivo Indígena (Colei). A universidade possui 256 estudantes indígenas de 21 povos.
“Esse espaço representa um território indígena físico na UFMG. Queremos que os estudantes possam desenvolver sua criatividade, sua identidade e transformar isso em produção científica”, afirmou Anaíne Taukane, do povo Pankararu, estudante de Direito e coordenadora do Coletivo Indígena da UFMG.
(Re)existências na Unifesspa

Executado pelo Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (Nuade), da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis (Proex), em parceria com o Coletivo de Estudantes Indígenas, o projeto fortalece políticas de permanência social, cultural e pedagógica. Entre as ações, destacam-se o apoio à participação de estudantes em eventos acadêmicos, mobilização do movimento indígena nacional e a realização do I Encontro de Discentes Indígenas da Unifesspa, em Marabá (junho de 2025) — o primeiro evento amplo sobre educação superior indígena na universidade. A Unifesspa possui 290 estudantes indígenas em diferentes cursos de graduação e pós-graduação.
“O projeto ajudou muito a manter os alunos na instituição. Criou espaços de diálogo e de pertencimento que antes não existiam”, relatou David Kakoktyire, do povo Gavião/Akratikatejê, ex-bolsista PIPOU e hoje mestrando na UEPA.
Rede de Saberes: Permanência de Indígenas no Ensino Superior (UFGD, UFMS e UEMS)

Com mais de 20 anos de existência, a Rede de Saberes recebeu o apoio do PIPOU para fortalecer suas ações e ampliar sua atuação em articulação com a Rede Acadêmica Indígena. Entre as atividades estão a revitalização de salas de acolhida, laboratórios de informática, encontros culturais e científicos e ações de extensão em aldeias Terena. A Rede realizou as duas últimas edições do Encontro Estadual dos Estudantes Indígenas do Mato Grosso do Sul (EEEI-MS) — o 12º em Dourados (2024) e o 13º em Campo Grande (2025). Juntas, as três universidades somam mais de 2.400 estudantes indígenas.
“Os diálogos que promovemos ajudam a sensibilizar a comunidade acadêmica sobre nossa presença na universidade e a evitar situações em que estudantes indígenas são excluídos de trabalhos em grupo por duvidarem de sua capacidade”, afirmou Juliene Ramires, do povo Guarani-Kaiowá e estudante de Direito na UFGD.
Diálogos Indígenas na UEMA

Executado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis (Proexae), o projeto promoveu fóruns regionais nos campi de Santa Inês, Barra do Corda, Grajaú e São Luís (MA) e o I encontro estadual de estudantes indígenas da UEMA. Em 2024, as atividades envolveram estudantes indígenas dos povos Guajajara, Gavião, Krikati e Kanela, que juntos são cerca de 350 na Uema. Em 2025, com o projeto UEMAÇÃO: operação territórios indígenas, realizaram oficinas além de ações de extensão com estudantes indígenas e professores e estudantes não indígenas em comunidades da Terra Indígena Rio Pindaré, Terra Indígena Cana Brava e Terra Indígena Bacurizinho.
“Queríamos que a universidade reconhecesse a nossa presença. Desde o início, os Diálogos foram construídos com a nossa participação, levando a universidade para dentro dos territórios”, destacou Brenda Guajajara, estudante de Pedagogia e bolsista do PIPOU.
Coalizão pelo PIPOU

Durante o encontro destacou-se que os projetos apoiados pelo PIPOU alcançaram muitos resultados positivos com recursos limitados, graças ao esforço coletivo das equipes envolvidas. Para o coordenador do Programa de Povos Indígenas do ISPN, João Guilherme Nunes Cruz, o desafio agora é ampliar a escala e a sustentabilidade das ações, tarefa que só será possível com apoio das políticas públicas.
“Essa ação exige refletir sobre mecanismos de financiamento mais estáveis e sobre como integrar as experiências como o PIPOU às agendas institucionais do Estado”, afirmou.
O encontro encerrou com um compromisso conjunto entre as universidades parceiras e o ISPN: intensificar a articulação em torno do PIPOU para garantir sua sustentabilidade e fomentar debates em torno de políticas públicas estruturantes de permanência indígena no ensino superior. As instituições manifestaram interesse em formar uma coalizão interinstitucional para garantir a continuidade das ações, desenvolver estratégias de sustentabilidade e expandir o impacto do programa em todo o país.
“São iniciativas que mostram o quanto setores de universidades têm encontrado soluções criativas e contextualizadas. Essas experiências precisam continuar existindo e ganhar escala, podendo servir de inspiração para iniciativas similares e para subsidiar políticas públicas de permanência indígena”, ressaltou João Guilherme.
A Gerente de Comunidades e Stakeholders Sociais na Diretoria de Sustentabilidade Corporativa da Vale, Carolina Nascimento, ressaltou o compromisso da empresa em apoiar a sustentabilidade do programa.
“A empresa reconhece a importância do PIPOU e o quanto ele é importante para a sociedade. Por isso, estamos numa fase de buscar novos parceiros para fomentar o programa para garantir que tenha vida longa e alcance maior”, afirmou.
Saiba mais sobre o PIPOU
O Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU) é uma iniciativa do ISPN, com apoio da Vale, Double Arrow e CMH, voltada ao fortalecimento da presença indígena no ensino superior. A iniciativa oferece bolsas de estudo, computadores e atividades formativas a estudantes indígenas selecionados por meio de edital público. Além do apoio direto aos bolsistas, o PIPOU também fortalece universidades parceiras na criação e ampliação de projetos de acolhimento e permanência indígena, contribuindo para a construção de políticas educacionais mais inclusivas e permanentes.
Assista abaixo o vídeo-entrevista com gestores e estudantes indígenas das universidades parceiras durante o encontro.