[Atualizada às 10h20 de 31/05/2022]
Instrumento importante para o planejamento do desenvolvimento sustentável do Estado, lei teve estudo prévio que envolveu mais de duzentos pesquisadores, mas coletividade não se traduziu no texto final, critica a sociedade civil
Sancionada pelo governador do Maranhão Carlos Brandão (PSB), a Lei nº 11.734 foi publicada no Diário Oficial do Estado em 26 de maio de 2022. De autoria do Executivo, quando na gestão de Flávio Dino (PSB), o texto foi aprovado em dois turnos pela Assembleia Legislativa e institui o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do Bioma Cerrado e Sistema Costeiro do Estado do Maranhão. A construção da matéria contou com estudo robusto que envolveu mais de duzentos pesquisadores de universidades locais, mas a atenção dada à análise prévia não se traduziu na tramitação na AL/MA. Sociedade civil reclama de pressa, falta de transparência e não-incorporação de emendas propostas relevantes.
Mas afinal, o que é o ZEE? O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente regulamentado pelo Decreto Federal nº 4.297/2002, cujo objetivo é planejar e ordenar o território brasileiro para viabilizar o desenvolvimento sustentável de determinada região a partir da compatibilização de suas características ambientais e socioeconômicas. Para isso, o ZEE baseia-se em diagnósticos e análises técnicas, planejando cenários futuros e buscando reduzir ações predatórias. Cabe ao ZEE o papel de grande orientador do planejamento, da gestão e do uso do território, aumentando a eficácia e a efetividade de planos, programas e políticas públicas e privadas. No caso do ZEE do Bioma Cerrado e Sistema Costeiro do Maranhão, o zoneamento representa 57,62% da área total do Estado, englobando 119 municípios e parcela significativa da população.
Preocupação da sociedade civil
Para a organização e constituição do Zoneamento Ecológico-Econômico foram realizadas dez audiências públicas nos municípios de Pedreiras, Presidente Dutra, Caxias, Chapadinha, Colinas, Balsas, Estreito, Barra do Corda, Barreirinhas e São Luís, conduzidas pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC). Marcilene Guajajara, à frente da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), elogia a realização das audiências públicas, mas com preocupação. “Nem todas as lideranças têm o mesmo entendimento. Na apresentação das audiências públicas, há muitas palavras técnicas. Será que realmente as lideranças que participaram compreenderam o que foi explicado? Isso me preocupa”, aponta. A audiência pública destinada aos povos indígenas foi realizada dentro do Batalhão da Polícia Militar de Barra do Corda.
Advogado e assessor de Políticas Públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Vitor Hugo Moraes ficou contente à princípio, por reconhecer a robustez dos estudos detalhados em escala delimitada para entender o território estadual. Entretanto, a partir da análise técnica, o Executivo apresentou um texto que correu apressadamente na Assembleia Legislativa, sem passar pela Comissão do Meio Ambiente ou pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), e sem incorporação de emendas apresentadas pela sociedade civil. “Não houve alteração do texto apresentado pelo Executivo porque não houve tempo hábil para analisar a lei. A sociedade civil apresentou emendas de aprimoramento que foram descartadas. Nada do que foi apresentado nas audiências públicas foi considerado”, reclama.
Entre os pontos ignorados pelos deputados estaduais destacam-se a necessidade de elaboração de Planos de Manejo das Unidades de Conservação do Estado que ainda não os possui, além da criação de “cinturões de amortecimento” entre propriedades rurais e eventuais povoados vizinhos, com a finalidade de evitar conflitos entre fazendeiros e comunidades locais. O Maranhão foi o estado com mais assassinatos no campo em 2021, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Para Vitor Hugo Moraes, outro ponto preocupante, além da pressa e da rigidez do texto, é a falta de transparência do processo. “O IMESC não divulgou as informações referentes às populações humanas que estão presentes no bioma Cerrado, o que por si só prejudica a análise da proposta de zonificação. A manutenção desse bioma é fundamental para promover a qualidade ambiental que influencia diretamente a vida dessas pessoas”, esclarece. Para o advogado, é necessário diferenciar os sistemas de produção realizados por agricultores familiares e comunidades tradicionais do sistema de produção do setor agropecuário industrial. “Classificar agricultura camponesa, que conserva o meio ambiente, nos mesmos moldes dos sistemas que se baseiam na degradação ambiental é inapropriado e perigoso por mascarar as contribuições dadas pelos campesinos maranhenses”, afirma Moraes.
A preocupação com a falta de transparência da matéria respinga em outros projetos ambientais que tramitam às escuras na Assembleia Legislativa, como a proposta de atualização do Código Estadual de Proteção do Meio Ambiente, que passará a se chamar Lei de Política Estadual do Meio Ambiente. Apresentado por uma Comissão de Juristas instituída pelo presidente da AL/MA em março, o texto da proposta não foi disponibilizado publicamente.
Particularidade do Maranhão
“O Maranhão é um mundo”, comentou a Secretária-adjunta dos Povos Indígenas do Estado, Edilena Krikati, durante o 18º Acampamento Terra Livre, realizado em abril deste ano em Brasília. Sua afirmação justifica-se na diversidade de sociobiodiversidade da região. Ponto de encontro dos biomas Cerrado, Amazônia e Caatinga, além de uma área de Alagados, o Estado é casa de dezessete Terras Indígenas, que reúnem quase 50 mil povos originários. Os troncos dominantes são o Jê e o Tupi, além de outros segmentos de comunidades tradicionais, como quilombolas, pescadores artesanais e quebradeiras de coco Babaçu. As comunidades locais, longe de serem efetivamente protegidas, lidam com problemas consequentes de grandes empreendimentos, como a plantação de soja e extração de eucalipto. As TIs, por exemplo, estão rodeadas por fazendas, com problemas fundiários e sociais.

“O ZEE do Maranhão é um instrumento para sanar os conflitos, mas é preciso garantir que a voz das comunidades locais sejam registradas na matéria. Até o momento, não vemos isso, infelizmente. E a violência no campo segue crescendo”, reforça Vitor Hugo. Para o assessor do ISPN, o importante agora é que se fortaleça a política de prevenção à violência no campo, o desmatamento ilegal e que as outras leis futuras possam garantir amplo debate público.