Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios

Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios (Foto: Fernando Tatagiba/ICMBio)

Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios

Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios (Foto: Fernando Tatagiba/ICMBio)

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MIF: uma vacina contra incêndios

Você sabia que fogo pode ser amigo do fogo?
Com o Manejo Integrado do Fogo, incêndios podem ser reduzidos no Brasil, protegendo fauna, flora e populações.
Uma dose de fogo enfraquecido antes da seca, intercalada com ações educativas, reduz a propagação de chamas criminosas e mal-intencionadas na estiagem

Referência na política de Manejo Integrado do Fogo (MIF), o Cerrado é um bioma central para pensar na prevenção de incêndios que, neste ano, devastaram áreas imensas. Se as cenas trágicas de setembro e outubro no Pantanal agora caem no esquecimento público com a chegada das chuvas, especialistas alertam que este é o melhor momento de fazer a prevenção de incêndios, que com certeza retornarão no ano que vem. O esforço é, com planejamento, reduzir os prejuízos anuais. E isso é possível.

Desde o início do período colonial a tentativa de excluir o fogo de vegetações nativas – que queimam naturalmente há milhares de anos – não funcionou. O ano de 2020 foi marcado por grandes incêndios nos biomas do Pantanal, da Amazônia e do Cerrado. A Amazônia concentrou 46% dos focos de calor, seguida pelo Cerrado, com 30%, e pelo Pantanal, com 10,5%, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Na mesa de possibilidades para redução de incêndios, o que especialistas avaliam como o melhor caminho é a implementação da Política Nacional do MIF. Iniciado o Programa Piloto há seis anos no Brasil, a expansão deste tipo de manejo é assunto do Projeto de Lei 11.276/2018, em tramitação na Câmara dos Deputados.

Para contribuir com o debate e qualificá-lo, o tema foi discutido em webinário temático realizado pela Frente Parlamentar Ambientalista com apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e da SOS Mata Atlântica. A atividade, que aconteceu no último 25/11, contou com a fala de pesquisadores e especialistas para explicar do que se trata a política do MIF, seus benefícios e consequências. [A transmissão completa pode ser conferida aqui]

Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios
Brigadistas manejam fogo para prevenção de incêndios (Foto: Fernando Tatagiba/ICMBio)
Conhecimento tradicional

O controle do fogo é considerado uma das maiores invenções da humanidade. Ele serve não apenas para cozinhar alimentos ou esquentar do frio, mas há milênios é usado por povos e comunidades tradicionais como principal ferramenta de proteção contra incêndios, inclusive naturais. Em uma área que passa por queimada prescrita, por trás das gramíneas modificadas pelo fogo, residem protegidos os buritis verdes e as matas ciliares.

São os buritis, entre outras espécies, que alimentam os pássaros, protegem as nascentes de água e geram renda para as comunidades tradicionais locais, que fazem doces, geleias e outros produtos naturalmente orgânicos, alimentando a escola rural da região, bem como famílias do centro das cidades. As gramíneas queimadas formam barreiras: se chega fogo inesperado, não é possível avançar sobre o que já queimou. Os buritis e outras espécies sensíveis, portanto, passam ilesos.

Sem o MIF, em uma situação de incêndio, as gramíneas secas e acumuladas no tempo servem de combustível para o fogo avançar rapidamente sobre as matas ciliares que garantem o abastecimento de água para as comunidades e as cidades. Assim como a vacina protege o ser humano de epidemias, pequenas doses de fogo controlado, administradas previamente, também têm a função de proteger a vida contra incêndios, que se tornam mais fortes a cada dia, especialmente com as mudanças climáticas.

O MIF protege os buritis e outras espécies sensíveis
O MIF protege os buritis e outras espécies sensíveis (Lívia Carvalho Moura/ISPN)

Queimas planejadas, usadas há muito tempo por povos e comunidades tradicionais, fragmentam a paisagem para reduzir o tamanho da queima, proteger a vegetação sensível e a fauna, além de reduzir custos de combate. Atualmente, o MIF é realizado em unidades de conservação e alguns territórios indígenas. É uma técnica que precisa de monitoramento e avaliação constantes.

Incêndios criminosos devem aumentar

Previsões climáticas apontam para aumento crítico no  número de incêndios no Brasil a longo prazo, considerando projeção até 2100 apresentada no webinário. Renata Libonati, professora doutora do departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta que mesmo no cenário mais otimista, incêndios de grandes proporções devem aumentar nas estatísticas dos próximos anos.  Diante da pergunta sobre o que fazer para evitar a catástrofe ambiental, Libonati sinaliza para o MIF somado a ações de educação e fiscalização.

2020 foi o ano com maior risco de fogo desde 1980, mas nada é tão ruim que não possa piorar. “As condições climáticas estão cada vez mais favoráveis ao fogo, aumentando a incidência. Mais do que nunca é importante prevenir. É preciso gerenciar a paisagem e controlar a ação humana”, diz Libonati.

A professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) Dra. Isabel Schmidt ressalta que uma queimada prescrita é totalmente diferente de incêndios, causados pelo uso descontrolado do fogo. Em queimas controladas realizadas ainda no período das chuvas ou início da seca o fogo possui baixa severidade, com menor intensidade e temperatura, e reduzido impacto nos ecossistemas.

Para a pesquisadora, a tentativa do “fogo-zero” leva a grandes incêndios porque gera o acúmulo de biomassa, que se torna combustível. “Incêndio é fogo descontrolado, gera prejuízos econômicos e à saúde, destrói a vegetação. Às vezes a gente usa o fogo para evitar incêndios. O que a gente quer é eliminar os incêndios”, sublinha. Assim, previne-se ecocídios no país e diminui a emissão de gases de efeito estufa.

Ferramenta de trabalho para brigadistas

Como técnica de prevenção, o MIF propõe alterar o trabalho de brigadistas: em vez dos combates urgentes, exaustivos e trágicos no período de seca, entra em cena um planejamento prévio de pequenas queimadas monitoradas no mês de maio, durante as últimas chuvas, quando a vegetação ainda está verde e, portanto, o fogo se propaga lentamente. Warley Rodrigues, do Instituto Natureza do Tocantins, defende o MIF como ferramenta de trabalho que deve ser operada por brigadistas treinados de acordo com os conhecimentos das comunidades locais.

Brigadista realizando queima prescrita
Brigadista realizando queima prescrita (Foto: Leonardo Milano/ICMBio)

O objetivo do MIF, Rodrigues destaca, é diminuir as cicatrizes de incêndios, aplicando a técnica nas áreas privadas e construindo calendários municipais do uso do fogo. Para isso, é importante mudar a época das queimadas, sair dos meses mais secos para queimar no fim das chuvas, criando mosaicos na paisagem. Contratação contínua de brigadistas é uma reivindicação dos especialistas em fogo.

Segurança jurídica na ecologia do fogo

Em ambientes chamados “pirofíticos”, fauna e flora são adaptados ao fogo, como é o caso do Cerrado, de outras savanas e dos ecossistemas mediterrâneos. A questão é saber como, onde e quando realizar o manejo. Se as queimas são realizadas entre os meses de março e maio, o impacto é reduzido, quando comparado ao período de estiagem. O conhecimento para isso já existe, o que falta é segurança jurídica para aplicar a técnica.

O professor Bráulio Dias, da UnB, comenta que o antigo Código Florestal proíbe queimadas em áreas de conservação, mas a regra se contradiz em outros textos legislativos, como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que não apenas permite a prática, como a considera instrumento de gestão em biomas pirofíticos. [Veja aqui entrevista exclusiva do ISPN com o Dr. Bráulio Dias] 

O assessor em políticas públicas do ISPN, Guilherme Eidt, elogia o debate realizado e destaca a importância do tema. “Precisamos trabalhar juntos para aprovar a política nacional do MIF. Importante nivelar junto aos parlamentares o conhecimento dos benefícios do MIF”, afirma. Eidt também considera válido aproveitar outras proposições legislativas e realizar um amplo debate no Parlamento para consolidar uma política de prevenção e controle de incêndios, casado com o combate ao desmatamento.

O  Projeto de Lei 5014/2020, de autoria dos deputados Nilto Tatto (PT-SP) e Alencar Santana Braga (PT-SP), por exemplo, proíbe por 20 anos a utilização agropecuária ou urbana de terras com cobertura de vegetação nativa desmatada ou queimada ilegalmente. O assessor do ISPN ressalta, contudo, que é preciso cuidado para essa discussão não contaminar ou inviabilizar a tramitação da Política Nacional de MIF, que avalia ser também de grande importância para o setor agropecuário, além de favorecer a conservação da biodiversidade e a mitigação das emissões de gases de efeito estufa.

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