Diversas organizações da sociedade civil e órgãos do poder público têm agora a missão de construir agenda conjunta de ações em defesa das comunidades maranhenses expostas ao veneno.
Às vésperas das manifestações e mobilizações pelo Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos, que ocorrem neste 3 de dezembro, foi criado, no Estado do Maranhão, o 34º Fórum de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do país, entre fóruns estaduais e regionais. O Maranhão já possuía um Fórum instalado em 2019, na Região de Balsas, no sul do estado, região ocupada pela soja. O Fórum Estadual, contudo, foi criado somente no dia 21 de novembro passado, no auditório do Centro Cultural do Ministério Público do Maranhão (MPMA), em São Luís, durante audiência pública, após muito esforço e persistência de organizações que representam as comunidades atingidas pelo veneno em seus territórios.
Com o avanço do agronegócio sobre áreas cada vez maiores – e para muito além da Região de Balsas, por onde a soja chegou há décadas – no Maranhão, se multiplicaram os casos de utilização de veneno para pressionar as comunidades a deixar seus territórios. Conforme levantamento da Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), que monitora denúncias referentes aos impactos dos agrotóxicos sobre as comunidades (o Mapa do Veneno), somente de janeiro a outubro deste ano, 211 comunidades em 33 municípios maranhenses foram afetadas diretamente pela pulverização de agrotóxicos que seja por via aérea ou não.
O MPMA tomou a iniciativa de convocar a audiência pública para a criação do Fórum, instigado por diversas organizações da sociedade civil, entre estas, o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a RAMA, e organizações parceiras, como a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (FETAEMA), a Associação Agroecológica Tijupá, Associação Comunitária Saúde e Agricultura (Acesa), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que assim como o ISPN integram a RAMA.
No dia 21, na audiência pública, todas essas organizações manifestaram-se pela necessidade de se construir uma pauta, em âmbito estadual, de ações conjuntas para a defesa da saúde das comunidades expostas aos agrotóxicos e para combater as consequências do envenenamento da terra, da água, da vegetação e dos animais, que já não ameaça apenas os territórios tradicionais no Cerrado maranhense. Por aclamação, os representantes dessas organizações concordaram em criar e integrar o Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
Também participaram da audiência e integram o Fórum a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago dos Rodrigues (AMTR), Conselho Indigenista do Maranhão (CIMI), Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês da Bacia Hidrográfica (FONASC/CBH), Comissão Pastoral da Terra (CPT)e Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
“A criação do Fórum representa um importante momento para o socioambientalismo maranhense: o uso de agrotóxicos no Maranhão não pode ser analisado isoladamente, como um fim em si. Há de se considerar a situação de violências e violações que se espalha pelo campo, especialmente no Cerrado. O uso de veneno por via terrestre e aérea tem sido uma ferramenta de expulsão e envenenamento de comunidades, e sobram dezenas de denúncias e evidências dos danos causados ao solo, às águas e à saúde humana”, afirmou o assessor de advocacy do ISPN, Vitor Hugo Moraes.
Moraes ressaltou que, embora com algum atraso, o Fórum surge para debater, denunciar e propor estratégias contra o impacto dos agrotóxicos no Maranhão. “É resultado do esforço conjunto de diversos atores, especialmente da RAMA e dos membros da Coalizão Cerrado em Pé”, afirmou. “O Fórum Estadual é fruto de um processo de discussão e de luta desses povos e organizações que estão aqui neste auditório. Desde a incidência no Fórum Nacional, nós, enquanto comunidades tradicionais, assim como os povos indígenas, estamos fazendo esse enfrentamento no dia a dia”, acrescentou a secretária-executiva da RAMA, Ariana Gomes.
Durante a audiência pública, representantes das comunidades fizeram relatos do sofrimento causado pela utilização do veneno como arma química para expulsá-los de seus territórios.

“Lá, no meu território, quem conhece, sabe que é muito bonito o território que eu moro, mas o avião começa a passar a partir do dia 25 de janeiro até 6 de fevereiro com o veneno em 100 hectares de terra – e o riacho que recebe e outras águas – e isso mata peixe, mata gente, mata caça e causa o maior racismo ambiental naquela região, que é a destruição total e em massa do bioma Cerrado. É onde estão as águas que vêm aqui para São Luís”, afirmou Valdivino Silva, liderança do Quilombo São Benedito dos Colocados, em Codó, cidade a 300 quilômetros de São Luís.
O quilombola denunciou o derramamento de veneno nos afluentes do Rio Itapecuru, responsável por cerca de 60% do abastecimento de água da capital maranhense que é captada pelo Sistema Italuís, na Cidade de Bacabeiras, já a 60 quilômetros da Ilha do Maranhão.
Entre representantes do Poder Público, integram o Fórum Estadual de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, além do MPMA, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária (AGED), o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA-MA), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (AGERP), Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (SAF), Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Em sua manifestação, a procuradora da República, Anne Caroline Aguiar Andrade Neitzke, ressaltou que a base de toda a injustiça sobre as comunidades do campo no Maranhão é a falta de regularização fundiária.
“Povos e comunidades tradicionais de nosso país não têm, pelo Estado Brasileiro e pelo Estado do Maranhão, seus territórios respeitados. Essa é a verdade e é a base de todos os problemas. A pulverização de agrotóxicos, seja por via aérea ou terrestre tem causado morte, mas a falta de respeito ao território é a origem de todos os problemas. A manifestação do Ministério Público Federal é no sentido da necessidade de criação do Fórum e já passamos até da hora”, afirmou.
A primeira reunião do Fórum Estadual de Combate aos Impactos do Agrotóxicos está marcada para 22 de janeiro de 2025, às 14h, no auditório do Centro Cultural do Ministério Público do Maranhão (MPMA), em São Luís. A audiência pública para a criação do Fórum foi conduzida pelo promotor de Justiça Cláudio Rebêlo Correia Alencar, da 2ª Promotoria Especializada na Defesa do Meio Ambiente de São Luís.
Assessoria de Comunicação do ISPN / Cássio Bezerra