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Instrumentos de gestão ambiental e água foram temas do terceiro módulo da Formação em Agroflorestas, Restauração e Gestão Integrada no Mosaico Gurupi – “Do Quintal à Paisagem”

Cursistas e convidados debateram temáticas relacionadas aos instrumentos de gestão integrada de paisagens e gestão de águas no Mosaico Gurupi.

 Dando continuidade ao exercício de olhar o conceito de paisagem de forma mais integrada, o terceiro módulo do curso “Do Quintal à Paisagem: Formação em Agroflorestas, Restauração e Gestão Integrada no Mosaico Gurupi“, trouxe como temática os instrumentos de gestão ambiental e territorial, que são muito importantes para elaboração de estratégias de cuidados, uso e proteção dos territórios e seus recursos naturais. A gestão de águas teve destaque nas discussões, com foco especial à bacia do rio Pindaré, importante curso d´água para o contexto maranhense, que conecta os biomas Cerrado, com sua nascente na Terra Indígena Krikati, e Amazônia, sendo sua foz em outro importante rio do estado, o Mearim. O módulo ocorreu em Santa Inês (MA), durante os dias 29/08 a 02/09 e teve como participantes cursistas representantes das seis terras indígenas que compõem o Mosaico Gurupi, da Reserva Biológica do Gurupi, da Escola Casa Família Rural, do Movimento Sem Terra e do Quilombo do Onça. A iniciativa é do projeto Paisagens Indígenas, uma parceria do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o Instituto Nupef e apoio da Iniciativa Internacional Climática e Florestal da Noruega (Nicfi).

Restaurar para recuperar e/ou manter as fontes de água

A gestão e cuidados com a água apareceu logo no primeiro dia de atividades. O tema foi comum nas apresentações dos trabalhos entre módulos que os cursistas realizam a cada etapa da formação. Por meio de vídeos e fotografias, os participantes trouxeram um panorama de áreas nos seus territórios que necessitam de ações de restauração, em muitos casos ligado à manutenção das fontes de águas nas suas aldeias e comunidades. Isso demonstra uma grande preocupação com a escassez deste recurso que está desaparecendo nos territórios indígenas, bem como em assentamentos e outros contextos territoriais. No caso das Terras Indígenas, tal situação se agrava ainda mais com o desmatamento causado pelas invasões dos não indígenas, em conjunto com os efeitos das mudanças climáticas que vêm afetando os ciclos das chuvas.

Mariana Krikati, da Terra Indígena Krikati, destacou na sua apresentação que após o curso ficou muito interessada em investigar o que aconteceu com o “Olho d’água”, um local na sua aldeia que era usado como área de banho e fonte de abastecimento.

“Era um tipo de açude que foi degradado, todo mundo tem memória de brincar nesse local”, afirmou.

Mariana Krikati relatando seu desejo em recuperar um local importante da sua comunidade. Foto: Andreza Andrade/ISPN

 

As áreas identificadas para restauração muitas vezes são ligadas às memórias afetivas dos cursistas, se tratando de paisagens e recursos de uso cotidiano dos seus antepassados, mas que hoje se encontram alteradas ou degradadas. As preocupações também se estendem para o bem-estar de futuras gerações, quanto ao usufruto dos benefícios de uma floresta, como para Antônio Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, que pretende restaurar 2 hectares.

“Estamos pensando nos nossos netos, para que eles vejam e conheçam os animais que viviam naquele lugar, para que eles vejam aquela mata que existia antes”, disse.

Antônio Guajajara durante apresentação dos trabalhos entre módulos. Foto: Andreza Andrade/ISPN

Marina Cíntia Guajajara, também da Terra Indígena Araribóia, falou da Lagoa Quieta, um local sagrado para que foi degradado ao longo dos anos, mas que agora as mulheres da sua família estão cuidando para que se recupere. “Essa área tem muito significado, foi onde minha avó morou. Lá tem muitos mistérios, por isso não mostramos o lugar para qualquer pessoa. Estamos plantando mudas ao redor da lagoa e vemos a vida retornar, com pássaros e animais”, relatou.

Marina Cíntia Guajajara apresentando a área em recuperação na sua aldeia. Foto: Andreza Andrade/ISPN

Beatriz Guadalupe, da Escola Família Rural, falou de uma área 2.5 hectares na sua escola que precisa de recuperação. “Precisamos inicialmente corrigir o solo que é muito arenoso para assim recuperá-lo, e logo depois implantar um SAF (Sistema Agroflorestal) para produzirmos alimentos para a nossa escola. A jovem também destacou que tal ação vai envolver toda a comunidade a comunidade escolar, pois servirá como aulas de educação ambiental.

A gestão do rio Pindaré 

A água foi tema principal do painel “Diálogo sobre a bacia do Rio Pindaré”, que teve como objetivo discutir a gestão ambiental para a conservação da Bacia do Rio Pindaré. O local de realização da discussão foi o Centro Cultural do Engenho em Pindaré-Mirim, município vizinho à Santa Inês que é banhado pelo rio. A mesa do painel contou com representantes da academia, do comitê de bacia do Pindaré, da gestão pública e da sociedade civil organizada.  

Por meio de dados de pesquisa com sensoriamento remoto, o professor Walter Mueda, da Universidade Federal do Maranhão, trouxe informações sobre as pressões que a bacia hidrográfica do Pindaré vem sofrendo ao longo dos anos. Conforme o professor, as imagens de satélite mostram claramente as diversas causas do aumento do desmatamento ao longo do Pindaré, tais como: construções das estradas, áreas abertas para agropecuária, grandes obras como a construção da Estrada de Ferro Carajás, dentre outras. A série histórica apresentada pelo professor Mueda deixou evidente que as Terras Indígenas são as principais responsáveis pela manutenção da cobertura florestal em todo o estado e que, sem elas, e no ritmo do desmatamento em curso na região ao longo das últimas décadas, muito provavelmente a situação estaria bem mais grave.

“Precisamos restaurar toda essa região ao longo da bacia do Pindaré para criar corredores que ligam as áreas que ainda estão conservadas”, afirmou Mueda.

Nonato Moraes, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica (CDB) do Rio Pindaré, fez uma fala ressaltando a importância dos comitês para a conservação dos rios no Brasil. Tratam-se de colegiados que reúnem atores tanto da sociedade civil, quanto de órgãos de governo, para pensar e definir políticas para gestão das águas nas bacias. “É necessário instrumentos que agreguem pessoas e instituições que buscam a conservação das nossas águas, e o Comitê é um desses instrumentos”, destacou Moraes. O presidente também ressaltou que a conservação das florestas não se desassocia da preservação das águas. “Sem floresta não tem água, precisamos da floresta em pé porque 90% das águas dos rios são abastecidas por águas subterrâneas e são as árvores que levam as águas para o subsolo”, afirmou. Por fim, convocou todos a se engajar mais ativamente nas discussões acerca da recuperação da bacia do Rio Pindaré, tendo em vista sua relevância social, cultural e ecológica para dezenas de povos e comunidades ao longo de seu curso.

Painelistas convidados. Da esquerda para direita: Walter Mueda, Nonato Moraes, Amadeus dos Santos, Nilton Carlos e Celso Barros.

Outros assuntos debatidos foram as ações de reflorestamento das margens do rio Pindaré pela parte da prefeitura de Pindaré Mirim, e das nascentes deste mesmo rio, localizadas na Terra Indígena Krikati. Nilton Carlos assessor da Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura de Pindaré Mirim, apresentou a iniciativa “Rio Pindaré Fonte da Vida”, que desde 2018 vem realizando ações de educação ambiental e reflorestamento das margens do rio. “Precisamos deixar esse manancial para as futuras gerações”, disse o assessor.

Amadeu dos Santos, do Centro de Trabalho Indigenista, e Celso Barros, do ISPN, destacaram a importância das ações de recuperação serem de acordo com as demandas locais, com processos de escuta e de construção conjunta entre parceiros e povos indígenas. 

Instrumentos para pensar a gestão ambiental e territorial

Da esquerda para direita: Ana Paula Nascimento do ICMBio/Rebio Gurupi, João da Cruz Vieira e Shirley Vieira do Quilombo do Onça e Regina da Costa do Assentamento Cristina Alves relatando os instrumentos de gestão dos seus territórios. Foto: Andreza Andrade/ISPN

Outro destaque no terceiro módulo foi o tema “Instrumentos de gestão ambiental e territorial”. A facilitação foi feita por João Guilherme Nunes Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN, que abordou conceitos de instrumentos de gestão e seus principais objetivos. Dentre os pontos centrais levantados foi a importância de pensar os cuidados do território, analisando o passado, o presente a fim de identificar as mudanças e ainda planejar o futuro por meio de estratégias coletivas e da elaboração das ferramentas participativas adequadas a cada realidade para a gestão territorial e ambiental.

O facilitador também abordou e promoveu uma discussão coletiva sobre os diferentes tipos de instrumentos de gestão, conforme o contexto sociocultural e categoria territorial, como no caso das terras indígenas que nas últimas décadas passaram a elaborar seus  etnomapeamentos, etnozoneamentos, planos de gestão ambiental e territorial (PGTAs), protocolos de consulta, dentre outros, influenciando diretamente a elaboração da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial, a PNGATI. Também se discutiu sobre instrumentos de gestão de unidades de conservação, como planos de manejo, corredores ecológicos e mosaico de áreas protegidas, bem como sobre regimentos internos de assentamentos da reforma agrária e projetos políticos pedagógicos das Casas Família Rural.

 Saiba mais sobre o curso

 “Do Quintal a Paisagem: Formação em Agroflorestas, Restauração e Gestão Integrada no Mosaico Gurupi” é uma iniciativa realizada pelo ISPN, com o objetivo de discutir os benefícios da restauração ambiental em diferentes escalas de paisagem, começando com as práticas agroflorestais que consorciam árvores com culturas alimentares e promovem a segurança alimentar, a geração de renda e o bem viver comunitário. A formação engloba temas diretamente relacionados à governança territorial do nível local às macropaisagens, contribuindo assim para a formação de lideranças, visando uma participação mais qualificada em instâncias de políticas públicas, como conselhos de meio ambiente, comitês de bacia e mosaicos de áreas protegidas, entre outras, ajudando na consolidação e ampliação dos ganhos conseguidos em relação à proteção e gestão de seus territórios.

 

Autoria: Andreza Baré / Assessoria de Comunicação ISPN

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