Encontro do Conselho Gestor reuniu lideranças indígenas, representantes da sociedade civil e órgãos governamentais, em Santa Inês (MA). Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Encontro do Conselho Gestor reuniu lideranças indígenas, representantes da sociedade civil e órgãos governamentais, em Santa Inês (MA). Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

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Formalização do Mosaico Gurupi reforça protagonismo indígena na agenda climática

Primeira reunião do Conselho Gestor após o reconhecimento oficial reuniu lideranças indígenas, instituições e órgãos para empossar membros e eleger nova diretoria.

“Acredito que o Mosaico Gurupi vai despertar a humanidade, inspirando as pessoas a reflorestar mais e a proteger as florestas que ainda existem em nosso país”. 

A afirmação do presidente eleito do Conselho Gestor do Mosaico Gurupi, o cacique Antônio Wilson Guajajara, da Terra Indígena Caru, no Maranhão, revela a profunda esperança no conjunto de áreas protegidas nesse chamado para o engajamento em defesa das florestas da Amazônia Oriental e de tudo o que elas significam para o futuro do planeta.

Em sua visão, a união entre povos indígenas e os não-indígenas fortalece o trabalho de preservação empenhado nos territórios em prol do mosaico, principalmente com a oficialização ocorrida em julho deste ano pelo Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). 

A primeira reunião do Conselho Gestor, após esse reconhecimento, reuniu, entre 7 e 8 de outubro, em Santa Inês (MA), lideranças indígenas, representantes da sociedade civil e órgãos governamentais, para empossar membros e eleger a nova diretoria, além de planejar ações estratégicas da gestão colaborativa. 

Mosaico Gurupi é o primeiro no país a ter na presidência de seu conselho consultivo uma liderança indígena, o cacique Antônio Wilson Guajajara. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

O Mosaico Gurupi se destaca pela dimensão e relevância socioambiental. Com cerca de 46 mil km² entre Maranhão e Pará, integra a Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi e as terras indígenas (TIs) Araribóia, Caru, Rio Pindaré, Alto Turiaçu, Awá, no Maranhão, e Alto Rio Guamá, no Pará. É lar dos povos Tembé, Guajajara, Ka’apor e Awá Guajá, este último de contato recente, com parte da população em isolamento voluntário. E, ao redor dessas áreas protegidas, estão diversos territórios de populações tradicionais como quilombolas e agricultores familiares. 

Ao ser oficializado, passa a ter uma governança institucionalizada, fortalecendo as ações estratégicas integradas entre territórios e instituições, potencializando meios para implementar iniciativas de fortalecimento das áreas protegidas que compõem o mosaico. O presidente da Associação Indígena Mainumy, que representa os Guajajara da TI Rio Pindaré, Fabrício Guajajara, reforça o Mosaico Gurupi como um instrumento de proteção efetiva. 

“Nosso território é rodeado por cidades e povoados, sofremos invasões de pescadores, caçadores e fazendeiros que colocam gado na área. As políticas públicas que surgem com a formalização nos ajudam a combater ainda mais esses ilícitos”, afirma Fabrício. 

Os esforços para criar o Mosaico Gurupi começaram em 2014, sendo um antigo desejo para conter o avanço do desmatamento. É composto por massivos blocos de floresta Amazônica que abrigam espécies únicas e ecossistemas complexos, mas que estão pressionados por grandes áreas degradadas no entorno dos territórios. A floresta que ainda existe está cercada por um espaço muito impactado.

A oficialização fortalece a governança e integra ações entre territórios e instituições para impulsionar o fortalecimento das áreas protegidas. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Há dois anos, a Alto Rio Guamá teve um processo de desintrusão. Segundo o cacique Valdeci Tembé, seu povo está em um movimento de retomada, criando novas aldeias, sobretudo nas áreas desintrusadas. 

“A inclusão do nosso território no Mosaico Gurupi fortalece essa nossa luta. Também concretiza a aliança entre os povos indígenas do Pará e Maranhão, principalmente em defesa dos nossos modos de vida e da biodiversidade”, explica Valdeci. 

E é nesse local de integração em que diferentes políticas e ações se articulam, como ressalta a secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do MMA, Rita Mesquita. 

“O Mosaico Gurupi se conecta com macroações centrais para o enfrentamento da mudança do clima. Ali, existem recursos naturais essenciais para o bem-estar de todos — povos tradicionais ou não, indígenas ou não — como, por exemplo, a garantia das bacias hidrográficas, a proteção dos solos e o cuidado com o manejo do fogo, especialmente o manejo integrado do fogo”, comenta Mesquita.  

Os esforços para formalização do Mosaico Gurupi começaram em 2014, sendo um antigo desejo para conter o avanço do desmatamento e preservar territórios. Imagem: documentário “A força do Mosaico Gurupi pela vida na Amazônia Oriental”/Acervo ISPN

Novo Conselho Gestor do Mosaico Gurupi

Oficialmente, são 28 mosaicos de áreas protegidas no Brasil. O Gurupi tem uma lógica diferente das demais, por ser composto em sua maior parte de terras indígenas, sendo seis, e somente uma Unidade de Conservação, a Rebio Gurupi. Também, é a primeira no país a ter na presidência de seu conselho consultivo uma liderança indígena. 

A reunião em Santa Inês (MA) marcou esse momento histórico, com a eleição do cacique Antônio Wilson Guajajara para presidir e, na vice-presidência, a representante da TI Araribóia, a liderança Marina Cintia Guajajara. 

“Estar no Conselho e ver o território Araribóia fazendo parte do Mosaico Gurupi é a continuação de uma luta coletiva, que começou há muito tempo e segue viva. É a certeza de que estamos no caminho certo, aprendendo com os mais velhos, somando forças e garantindo que o nosso povo continue se fortalecendo”, declara Marina. 

Após a deliberação dos conselheiros empossados na ocasião, previamente indicados por suas respectivas instituições e/ou territórios, conforme preconizado pela portaria de reconhecimento do Mosaico, o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) passa a exercer a Secretaria Executiva, em parceria com a Associação Indígena Ka’apor Ta Hury da TI Alto Turiaçu. Segundo o coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN e também conselheiro empossado, João Guilherme Nunes Cruz, esse é um desafio revigorante para o Instituto. 

“Nosso papel será de auxiliar na organização dos trabalhos, na articulação entre instituições e territórios e na construção de estratégias de gestão ambiental e territorial integrada nessa parcela da Amazônia maranhense e do leste do Pará”, explica Cruz. 

O representante da Ta Hury, Akadjurechã Ka’apor, ressalta que o processo de integração da associação nesse espaço do Conselho é um momento histórico para o seu território. 

“A formalização do Mosaico melhora nosso trabalho de proteção e as ações estratégicas, principalmente de monitoramento. Vamos fiscalizar melhor o território, com o apoio institucional que vem com mais intensidade a partir da oficialização”, completa Akadjurechã. 

Conselheiros empossados e diretoria eleita na reunião. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Gestão Compartilhada 

Conforme o diretor de Gestão Ambiental Territorial e Promoção ao Bem-Viver Indígena do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Bruno Potiguara, a singularidade na composição majoritariamente indígena do conjunto de áreas protegidas amplia a expressão da governança conjunta. 

“Essa integração reforça a política de gestão ambiental e territorial das terras indígenas, reconhecendo o papel histórico desses povos na preservação da floresta e na proteção da biodiversidade”, ressalta o diretor.  

Para o técnico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Miro Cavalcante, o Mosaico fortalece a atuação integrada de órgãos ambientais, organizações indígenas e entidades da sociedade civil.

“A iniciativa contribui para proteger espécies nativas, nascentes hidrográficas e povos isolados, funcionando como um corredor ecológico essencial entre os rios Gurupi e Pindaré. Com respaldo legal e ampla participação social, se consolida como um espaço de cooperação, resolução de conflitos e fortalecimento das políticas públicas”, declara Cavalcante. 

Grupos de trabalho discutiram o regimento interno e as ações estratégicas do Mosaico Gurupi. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

COP30

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) que acontece em novembro, em Belém, coloca o Brasil no centro das discussões sobre o clima e destaca a importância de iniciativas como o Mosaico Gurupi. A proteção dessa área contribui diretamente para as metas climáticas que o país deve apresentar na conferência.

Com a proximidade da Conferência, o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Kleber Karipuna, comenta que a formalização do Mosaico Gurupi é uma resposta importante para a sociedade, não só a brasileira, mas também para a comunidade internacional. 

“Estamos falando para o mundo que os povos indígenas e as comunidades tradicionais são os principais protetores da biodiversidade do planeta. A formalização só concretiza essa resposta de que são eles que protegem a biodiversidade, mas precisam da proteção dos seus territórios para garantir sua sobrevivência física e cultural, e também o bem-viver para toda a humanidade”, explica o coordenador executivo da APIB. 

O Mosaico Gurupi vai inspirar debates no evento internacional, que tem como um dos temas centrais o financiamento para a ação climática — recursos que podem apoiar mecanismos locais de gestão ambiental participativa e comunitária, como mosaicos de áreas protegidas. Fortalecer o Mosaico Gurupi significa colocar em prática os compromissos globais de clima e biodiversidade, mostrando como ações locais têm impacto global.

Celebração 

Após os dois dias de reunião do Conselho, as lideranças indígenas e demais representantes das instituições seguiram no dia 9 de outubro para a Aldeia Maçaranduba, comunidade onde o presidente Antônio Wilson Guajajara é cacique. A celebração feita no local foi um momento histórico para marcar o reconhecimento oficial do Mosaico Gurupi e a união dos diferentes territórios e comunidades nessa frente de proteção. 

“Há anos lutamos para que as últimas florestas das terras indígenas permaneçam de pé. A união fortalece esse trabalho e nos dá esperança de que, nos próximos anos, continuaremos protegendo a floresta e todas as vidas que dependem dela. Estamos muito felizes por fazer parte desse momento”, declarou o cacique. 

A festa reafirma também o propósito comum: fortalecer a gestão compartilhada desse território que é símbolo de resistência ancestral em uma das últimas grandes porções contínuas de floresta amazônica do Maranhão e leste do Pará. A celebração reconhece o protagonismo indígena na proteção da biodiversidade e na construção de políticas que unem conservação e modos de vida tradicionais. 

Celebração na Aldeia Maçaranduba/TI Caru marcou a oficialização do Mosaico Gurupi e a união dos diferentes territórios e comunidades. Foto: Caroline Yoshida/Acervo ISPN

Autoria: Ariel Rocha/Assessoria de Comunicação do ISPN

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