Milhares de consumidores buscaram pelos produtos da agroecologia comercializados durante os dias de evento na capital maranhense.

Milhares de consumidores buscaram pelos produtos da agroecologia comercializados durante os dias de evento na capital maranhense.

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Feira Estadual da Reforma Agrária celebra a luta da Agricultura Familiar no Maranhão

Evento do MST aproxima campo da cidade, com o foco nos produtos orgânicos produzidos por agricultores familiares

Comercialização de alimentos da agroecologia, artesanatos, rodas de conversa, apresentações culturais e muitas trocas de saberes definiram a Feira Estadual da Reforma Agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em São Luís. O evento reuniu mais de 100 agricultores e agricultoras familiares comercializando seus produtos, ao lado de aliados da luta camponesa e milhares de visitantes na Praça Deodoro, no centro histórico da capital, de 12 a 14 de setembro. 

Em um só lugar, quem passou pela praça durante os três dias de feira encontrou nas barraquinhas uma variedade de mais de 200 tipos de produtos livres de agrotóxicos, cultivados pelos acampamentos e assentamentos maranhenses e de outros estados. Com o principal objetivo de aproximar a cidade da produção feita no campo, o evento foi uma ótima oportunidade para expor as mais variadas iniciativas agroecológicas que são desenvolvidas na agricultura familiar em diversos territórios e, principalmente, mostrar a luta do povo camponês. 

A quebradeira de coco babaçu, Eline Silva Sousa, participou pela primeira vez de uma feira promovida pelo MST como feirante e representou a Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (COPPALJ), do município do Lago do Junco (MA), da qual faz parte. “Uma feira como essa é interessante, pois os pequenos produtores podem mostrar o trabalho que empreendem nas comunidades. Podemos trazer para quem aqui passa a nossa visão do interior, do que acontece na nossa realidade”, diz. 

Óleo, azeite, sabonete, mesocarpo e tudo mais que é derivado da cadeia produtiva do babaçu, produzidos pelas quebradeiras de coco da COPPALJ, foi comercializado na feira, trazendo a organização para um espaço significativo de visibilidade, principalmente diante das dificuldades que as quebradeiras têm enfrentado localmente. A produção orgânica da cooperativa, e da comunidade como um todo, tem sido constantemente ameaçada pelo avanço do agronegócio.  

A quebradeira de coco babaçu Eline Silva Sousa expõe na feira do MST os produtos da cooperativa da qual faz parte. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

“Na nossa região, a nossa luta é pelo babaçu, pois 90% da população do Lago do Junco vive do babaçu, da quebra de coco. O que está acontecendo é que os fazendeiros estão colocando veneno nas pindovas, envenenando os cocais. Mas a nossa luta é constante, sempre existem os conflitos. Tem pouco tempo que nós, quebradeiras, conseguimos impedir que um fazendeiro continuasse derrubando as palmeiras saudáveis na propriedade. Mesmo com a Lei do Babaçu Livre, fazendeiros cometem esse crime da derrubada”, explica Eline Silva Sousa com revolta sobre a situação dos conflitos em seu território, ao mesmo tempo que celebra as conquistas empenhadas pela luta das quebradeiras de coco babaçu. 

A Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), da qual a COPPALJ faz parte, e a Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa) estiveram presentes na feira, representando as agricultoras e agricultores familiares sócios, com seus produtos comercializados. Ambas as organizações são parceiras do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) na execução do Programa Agricultura Regenerativa para a Conservação da Amazônia (ARCA), que tem financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

 

Soluções Baseadas na Natureza

O ARCA no Maranhão promove Soluções Baseadas na Natureza (SbN) em zonas no entorno de assentamentos da reforma agrária no Mosaico Gurupi, Médio Mearim e Vale do Itapecuru, zonas localizadas na parte leste do Arco do Desmatamento na Amazônia. A Assema e Acesa são parcerias na atuação do programa em comunidades localizadas em municípios que formam a região maranhense do Médio Mearim. É uma iniciativa que tem foco na capacitação, colaboração e inovação, visando a adoção e disseminação de práticas regenerativas e soluções adaptadas aos contextos das comunidades. 

Representantes da Acesa e Assema, organizações parcerias do ISPN, estiveram presentes no evento para comercializar os produtos dos agricultores sócios. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

O assessor do Programa de Comercialização Solidária da Assema, Ricardo da Conceição Araújo, explica que no processo de educação popular fortalecido pela atuação da associação, há uma busca constante por mostrar o trabalho do campo longe dos estereótipos de atraso que foram popularmente construídos pela sociedade. Para ele, os espaços das feiras em grandes centros urbanos, como da capital São Luís, se consolida como uma vitrine ampla para reafirmar o potencial que a agricultura familiar possui, principalmente no que diz respeito às práticas agroecológicas na busca do equilíbrio entre o econômico e o socioambiental. 

“Em espaços como esse podemos mostrar o potencial que a economia solidária tem, que é essa economia que une pessoas, que trocam, que partilham e que buscam cultivar esse interesse pelo bem comum. A agroecologia é o caminho viável diante desse contexto de mudanças climáticas que estamos vivendo, não é uma utopia: a agroecologia é uma realidade que já está se fazendo. Mas precisa de mais apoio do Poder Público e mais reconhecimento da sociedade, principalmente dos consumidores, pois comer, acima de tudo, é um ato político”, acrescenta Ricardo da Conceição Araújo. 

O desenvolvimento da agroecologia promovido pelas comunidades e povos tradicionais tem sido diretamente impactada pela expansão do agronegócio no Maranhão para o avanço da monocultura, impulsionado pela demanda por commodities como soja e milho. O agronegócio promove o uso intensivo de agrotóxicos, principalmente na fronteira agrícola do MATOPIBA, região formada por áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Esse processo de expansão é predatório, com desmatamento e degradação, afetando diretamente os modos de vida de populações tradicionais que dependem da terra e da biodiversidade local para sua subsistência. Além disso, ocorre a perda de territórios por sobreposições das grandes fazendas, e a contaminação dos recursos naturais pelos agrotóxicos ameaçam a sustentabilidade dessas comunidades. 

A feira debate a luta pela produção agroecológica e o acesso à comida saudável. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Com isso, a auxiliar de Comercialização na Rede de Consumo da Acesa, Marli Gomes dos Santos, reforça sobre a importância de mostrar ao mundo os impactos ambientais, sociais e na saúde dos consumidores causados pelos produtos livres de veneno. “Estamos na Acesa fortalecendo a produção orgânica da agricultura familiar, baseada na agroecologia. Nossa participação em feiras, representando os produtores, não se resume apenas a comercialização: sempre estamos explicando aos consumidores a origem do produto e sua importância. É um trabalho também de levar informação sobre o processo feito lá desde a comunidade”, conclui.  

O responsável pelas estratégias de comercialização e assessor técnico da Acesa, Lucas Casemiro Soares Ferreira, acrescenta que são saberes, culturas e modos de vida que estão embutidos nos produtos levados até a feira do MST e em todas as outras que a organização participa em diferentes níveis para representar seus sócios. “O azeite, o corante, a geleia, a farinha e tudo mais vendido na feira não são produtos por si só. Eles trazem todo um elemento cultural, uma questão de ancestralidade de como produzir até como vai chegar no consumidor. A verdade é que cada território, cada comunidade, tem seu modo de produzir o mesmo produto”, completa. 

Com feirantes de 40 municípios do Maranhão onde há atuação do Movimento e a participação de quatro estados, o espaço fomentado pela Feira Estadual da Reforma Agrária do MST se consolida também como local de debate de políticas públicas da luta pela produção através da agroecologia, o acesso à comida saudável e de fomento a arte. É um debate que deve ser empenhado de maneira coletiva, aproximando o campo da cidade. 

“A nossa feira é a celebração coletiva do campo com a cidade, de tudo o que temos produzido, construído e sonhado no Movimento, apresentando os frutos da luta pela terra, nosso compromisso com a arte e a produção de alimentos saudáveis. Agradecemos de maneira especial aos parceiros que sonham junto um novo modelo de sociedade, a exemplo do ISPN, que trouxe valorosas contribuições”, comenta Júlia Iara, da direção nacional do MST pelo estado.

 

Rodas de Conversa

A troca de saberes e vivências ocorreram durante os três dias de feira, com a promoção de rodas de conversa, seminários e oficinas. O engenheiro agrônomo e assessor técnico do ISPN, Tainan dos Santos Pereira, representou o Instituto nesses espaços de debate colaborativo. Com sua participação na roda de conversa “Políticas públicas para mulheres e jovens no campo”, realizada no dia 12, ele apresentou o 39º Edital do Fundo PPP-ECOS, que está aberto para receber propostas até dia 2 de outubro, com foco em projetos liderados por mulheres. A mesa também contou com a participação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que apresentou o Fundo Babaçu.

O engenheiro agrônomo e assessor técnico, Tainan dos Santos Pereira, representando o ISPN durante o debate sobre políticas públicas para mulheres e jovens no campo. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

“Fizemos o debate do contexto onde se inserem essas categorias sociais de jovens e mulheres rurais, perpassando pelas opressões que eles vivem no campo e localizando a carência de políticas públicas meio rural, assim como a necessidade de mudanças nesse sentido. Compartilhamos o espaço com o MIQCB, que tem o Fundo Babaçu e apoia projetos coletivos de organizações não governamentais e de base comunitária, sendo o mesmo propósito do 39º edital do Fundo PPP-ECOS”, comenta Tainan dos Santos Pereira. 

No dia 14, junto com lideranças da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (Fetaema); MST e MIQCB, Tainan participou da roda de conversa “Agrotóxicos no Maranhão”. “Esse avanço do uso dos agrotóxicos não atinge apenas as comunidades camponesas, ele atinge diretamente também as populações urbanas. Então, essa é uma luta e diálogo que precisam ser feitos continuamente na sociedade, é um debate que precisa ser incentivado além do campo”, declara.

A roda de conversa “Agrotóxicos no Maranhão” discutiu sobre a expansão do agronegócio e o uso de agrotóxicos sobre comunidades tradicionais no estado. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

O ISPN atua há 10 anos no Maranhão, contribuindo com discussões sobre agroecologia, etnodesenvolvimento, desenvolvimento institucional, gênero e regulamentação sanitária para a inserção dos produtos da sociobiodiversidade. Acompanha agendas de políticas públicas e compõe redes de articulação no âmbito da sociedade civil e apoio a organização de povos e comunidades tradicionais, especialmente indígenas e quebradeiras de coco babaçu. 

 

Texto: Ariel Rocha/Assessora de Comunicação do ISPN

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