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Entenda a importância do manejo integrado do fogo para a natureza

Foto: Fernando Tatagiba/ICMBio
‘Manejo integrado do fogo é estratégia ambiental’, diz pesquisador

Conversamos com o professor do departamento de ecologia da Universidade de Brasília, Bráulio Dias, sobre perspectivas e conceitos importantes para compreendermos as dinâmicas do fogo na natureza. Esclarecendo as diferenças entre queimadas controladas e incêndios, Dias ajuda a desmistificar o senso comum de que fogo é apenas destruição e esclarece como este elemento também pode significar vida. 

O professor demonstra ser essencial investir em políticas de manejo do fogo para proteger o meio ambiente e prevenir desastres como o ocorrido no Pantanal. Sem deixar de fora os povos e as comunidades tradicionais e agricultores familiares, Bráulio lembra que as práticas ancestrais destes grupos contribuem com a construção de caminhos que façam do fogo um grande amigo da natureza.  

ISPN: Qual a diferença entre incêndios e queimadas?

Bráulio: Incêndio é um fogo descontrolado, de origem natural – raios, ou antrópica [ação do ser humano], que destrói um patrimônio natural (floresta e outras formas de vegetação) ou construído. Queimada é um fogo de origem antrópica intencional com o objetivo de reduzir a biomassa vegetal: para preparar área para cultivo agrícola ou renovação de pasto, para eliminar restos de cultura agrícola, ou para controlar a biomassa combustível em vegetação natural para reduzir os riscos de um incêndio florestal de grandes proporções, ou para restaurar a dinâmica ecológica de ecossistemas campestres ou savânicos onde o fogo é um agente ecológico presente na história e evolução destes ecossistemas. 

ISPN: De que forma as queimadas podem contribuir com a conservação do meio ambiente e das práticas tradicionais?

Bráulio: As queimadas podem ser benéficas ou maléficas ao meio ambiente dependendo das condições onde ocorrem. O Brasil possui uma grande diversidade de ecossistemas e vegetações nativas, mas podemos agrupá-las em dois grandes grupos em relação ao fogo: de um lado, aqueles ecossistemas e vegetações que evoluíram com a presença do fogo em climas com estação de seca pronunciada onde o fogo pode ter um efeito benéfico na dinâmica e renovação da vegetação favorecendo, por exemplo, as floradas e a dispersão das sementes e a oferta de rebrotas nutritivas para a fauna, e cuja flora e fauna possuem adaptações para resistir e responder ao fogo, ex: casca suberosa das árvores, estruturas subterrâneas bem desenvolvidas, com raízes tuberosas, troncos subterrâneos e gemas protegidas do fogo. E de outro lado, os ecossistemas e vegetações que evoluíram em regiões de clima úmido ao longo do ano todo onde o fogo é um elemento estranho e cuja flora e fauna não possuem adaptações para resistir e responder ao fogo – nestes ecossistemas o fogo é sempre um fator de destruição ambiental.

Ademais, o impacto do fogo depende da época de ano, da sua frequência, extensão, intensidade e velocidade (tempo de residência) e das condições ambientais (temperatura, velocidade do vento e fenologia das plantas e dos animais).

Os povos indígenas, as comunidades tradicionais e os agricultores e pecuaristas tradicionais desenvolveram estratégias adaptativas de uso do fogo controlado que propiciam benefícios para estas comunidades sem causar grandes incêndios – são experiências que devem ser melhor documentadas e resgatadas – na Austrália, por exemplo, o governo faz pagamento por serviço ambiental para estimular as populações aborígines a retomar as tradições de queima controlada em pequenas áreas ao longo do ano desta forma aumentando a heterogeneidade das paisagens e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa com a redução dos grandes incêndios.

ISPN – O que é manejo integrado do fogo? Como essa abordagem pode ajudar a prevenir os incêndios?

Bráulio: O manejo integrado do fogo é uma estratégia de gestão ambiental, adaptada a cada condição local, que visa reduzir as condições para a ocorrência de grandes incêndios florestais, restaurar o papel ecológico do fogo nos ecossistemas e vegetações que evoluíram com o fogo (aceitando os incêndios naturais provocados por raios, dentro de limites, e promovendo queimadas prescritas controladas em ecossistemas e vegetações adaptadas ao fogo para reduzir o acúmulo de biomassa vegetal seca e para promover maior heterogeneidade espacial das paisagens.

 ISPN: De que maneira o manejo integrado do fogo pode funcionar para os diferentes biomas?

Bráulio: O manejo integrado do fogo deve atuar nos ecossistemas úmidos para a prevenção de incêndios florestais orientando e controlando o uso do fogo nas práticas agrícolas e promovendo a construção de aceiros para evitar a propagação do fogo e para facilitar o controle do fogo onde necessário. Já nos ecossistemas adaptados ao fogo, deve promover o uso de queimadas prescritas e controladas onde as condições ecológicas assim permitirem e deve promover a proteção dos ecossistemas e habitats vulneráveis ao fogo nas paisagens campestres e savânicas (como por exemplo as veredas, as matas ribeirinhas e os campos rupestres).

Para anotar na agenda:

Webinário – Política Nacional do Manejo Integrado do Fogo

25 de novembro, quarta-feira, às 10 horas (horário de Brasília)

Transmissão ao vivo pelo canal do Youtube da Frente Parlamentar Ambientalista

Realização: Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); Frente Parlamentar Ambientalista e WWF Brasil

Sobre Bráulio Dias:

Professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília. Trabalha na interface Ciência-Política em Meio Ambiente com ênfase em biodiversidade e serviços ecossistêmicos, polinização, controle de pragas, ecologia do fogo, savanas, monitoramento ambiental, Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CDB).

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