Abertura oficial do XI ENEI na Universidade de Brasília. Foto: Levi Tapuia/Divulgação ENEI
Abertura oficial do XI ENEI na Universidade de Brasília. Foto: Levi Tapuia/Divulgação ENEI
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Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas celebra 20 anos de resistência e luta por permanência nas universidades
O XI Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI), realizado na Universidade de Brasília (UnB) entre os dias 16 e 19 de setembro, marcou 20 anos de resistência e luta dos estudantes indígenas por seu espaço nas universidades brasileiras. O evento reuniu centenas de participantes de diversas etnias e regiões do país, reforçando a importância da permanência dos indígenas no ensino superior e promovendo discussões essenciais sobre os direitos dos povos originários, políticas públicas educacionais e desafios ambientais que afetam diretamente suas comunidades.
Organizado pela Associação dos Acadêmicos Indígenas da UnB (AAiUnB), o encontro contou com o apoio de várias entidades, incluindo o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Bancada do Cocar, a Secretaria de Esportes e Lazer do Governo do Distrito Federal, a World-Transforming Technologies (WTT),a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Desde sua criação, o ENEI se consolidou como um espaço de resistência e afirmação da identidade indígena dentro do ambiente acadêmico. Nesta 11ª edição, os estudantes celebraram as conquistas das últimas duas décadas, mas também destacaram os desafios que persistem, especialmente no que diz respeito às políticas de permanência e apoio estudantil.
Luta pela permanência, audiências públicas e protesto contra as queimadas
Oficina sobre saúde mental, durante o XI ENEI. Foto: Levi Tapuia/Divulgação ENEI
A permanência dos estudantes indígenas foi um dos principais temas debatidos durante o encontro. Com o aumento da entrada de indígenas nas universidades, impulsionado pelas políticas de ação afirmativa, cresceu a necessidade urgente de garantir que esses alunos concluam seus cursos. Dificuldades econômicas, culturais, preconceito e infraestrutura inadequada são alguns dos obstáculos enfrentados. Os participantes cobraram maior suporte institucional, incluindo bolsas de estudo, moradia, acolhimento e apoio psicológico.
Entrega da carta de reivindicações dos estudantes indígenas durante audiência pública na Câmara dos Deputados. Foto: Rodrigo Duarte/Divulgação ENEI
Essas demandas foram levadas ao Congresso Nacional em três audiências públicas organizadas em parceria com a deputada federal Célia Xakriabá e o Ministério dos Povos Indígenas. As audiências trataram de temas como a inclusão no serviço público, a criação de uma universidade específica para povos indígenas e o impacto das ciências indígenas na academia. Uma carta de reivindicações dos estudantes indígenas foi entregue aos representantes governamentais que estavam presentes nas audiências.
Com uniformes dos seus times de esportes, estudantes indígenas realizam ato simbólico contra as queimadas e a destruição do meio ambiente. Foto: Nari Kariri/Divulgação ENEI
Apesar da importância das discussões, uma marcha que seria realizada na Esplanada dos Ministérios teve de ser cancelada devido à fumaça provocada pelas queimadas que atingiram Brasília e outras regiões do país. Os jogos universitários, previstos para integrar o evento, também foram suspensos. Em resposta, a organização do XI ENEI promoveu um ato simbólico contra as queimadas, destacando os impactos devastadores nas terras indígenas.
“É doloroso ver nossa mãe Terra sofrer dessa forma”, lamentou Dinei Arapium, estudante da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Apresentações científicas, premiação e fortalecimento do movimento estudantil indígena
Estudantes indígenas que apresentaram trabalhos científicos durante o XI ENEI. Foto: Rodrigo Duarte/Divulgação ENEI
O XI ENEI foi encerrado com apresentações científicas que reforçaram a importância das pesquisas realizadas por estudantes indígenas, tanto para a academia quanto para as comunidades de origem. Os trabalhos evidenciaram o compromisso dos pesquisadores com a valorização de suas culturas, territórios e saberes ancestrais.
Ao todo, 85 trabalhos foram inscritos e apresentados no formato de banner, seguindo o modelo estabelecido pela organização. As pesquisas abordaram temas essenciais para o movimento indígena e o ensino superior, incluindo educação escolar indígena, questões de gênero, saúde, meio ambiente, entre outros.
Um dos destaques do evento foi a premiação Ornaldo Sena, uma homenagem ao ativista e médico indígena falecido este ano. Trinta trabalhos de maior relevância receberam o prêmio, reconhecendo o impacto dessas pesquisas para suas comunidades e para a sociedade.
Nos momentos finais, foi feita a leitura da carta oficial do XI ENEI, que consolidou as discussões e demandas levantadas durante o encontro. Em seguida, as coordenadoras do XI ENEI, Braulina Baniwa e Manuele Tuyuka, realizaram a entrega simbólica do bastão da coordenação aos organizadores do próximo ENEI, que ocorrerá em Manaus, em 2025, com os estudantes do Amazonas como anfitriões.
Manuele Tuyuka, que também é presidente da AAinUnB fez um balanço da realização do ENEI e acredita que os objetivos foram alcançados:
“Realizamos o ENEI em um novo formato, adequado ao atual contexto das políticas de ações afirmativas e à crescente presença indígena nas universidades. A escolha de Brasília, centro do poder político, foi estratégica, e a realização de duas audiências, no Congresso e no Senado, permitiu que as pautas do movimento fossem amplamente discutidas.
Manuela Tuyuka na mesa final do XI ENEI. Foto: Kaue Terena/Divulgação ENEI
Em termos de desafios futuros, Manuele aponta a necessidade de melhorar a qualidade das políticas de permanência estudantil para indígenas, uma demanda recorrente durante o evento.
“A questão do acesso às universidades avançou nos últimos 20 anos, mas a qualidade das condições de permanência ainda precisa ser discutida e aprimorada. Além disso, a inserção de mais profissionais indígenas nas instituições públicas e o fortalecimento das políticas de ações afirmativas foram temas recorrentes nas discussões”, destacou.
Participação do PIPOU no XI ENEI
Equipe ISPN com bolsistas PIPOU participantes do XI ENEI. Foto: Acervo ISPNO Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU), coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em parceria com a Vale, prestou apoio à realização do evento. Além de fornecer suporte à infraestrutura, o PIPOU contribuiu com sua equipe técnica na organização do ENEI e facilitou a participação dos bolsistas, por meio de um edital interno que custeou o deslocamento até Brasília e a impressão de banners.
Apresentação de bolsistas PIPOU: Jopeptyti Gavião (à esquerda), Daniel Terena (à direita e acima) e Eurilaine Terena (à direita e abaixo). Foto: Andreza Baré/Acervo ISPN
Entre os beneficiados pelo apoio, destaca-se Jopeptyti Gavião, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que apresentou trabalho científico e foi uma das premiadas.
“Estou muito feliz por participar pela primeira vez do ENEI e receber o certificado de premiação. Sou muito grata às pessoas que me apoiaram. Meu trabalho foi sobre a importância dos cânticos do meu povo e como ensinar as futuras gerações a preservar esse conhecimento. Essa é uma forma de resistir e continuar defendendo nosso território e direitos”, declarou Jopeptyti.
Outro destaque foi Daniel Terena, acadêmico de Medicina da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), que participou pela primeira vez do encontro e elogiou as discussões e a convivência com estudantes de outros povos indígenas.
“Estar no ENEI reforça nosso pertencimento e fortalece nossas identidades, para que outros reconheçam a força do estudante indígena”, afirmou Daniel.
Erilaine Terena, estudante de Enfermagem da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), também ressaltou o impacto da experiência, tanto no aspecto acadêmico quanto pessoal.
“A convivência com pessoas de outros povos foi marcante para mim, por isso agradeço muito ao PIPOU por proporcionar essa vivência”, comentou Erilaine.
O coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN, João Guilherme Nunes Cruz, participou de uma das mesas temáticas do evento, cujo tema foi “Meio Ambiente – Reflorestar a Universidade: Oportunidades e Contribuições das Pesquisas Indígenas para a Gestão Ambiental e Territorial à luz da PNGATI”. Ele destacou a necessidade de maior incentivo à pesquisa acadêmica indígena, tanto na graduação quanto na pós-graduação, e que essas iniciativas estejam alinhadas com as realidades e demandas dos povos indígenas.
João Guilherme (ISPN), Deputada Célia Xakriabá, Vanessa Apurinã (Coiab), Ceiça Pitaguari (MPI) e Suliete Baré (MPI), na mesa “Meio Ambiente – Reflorestar a Universidade: Oportunidades e Contribuições das Pesquisas Indígenas para a Gestão Ambiental e Territorial à luz da PNGATI”. Foto: Levi Tapuia/Divulgação ENEI
“O PIPOU, por exemplo, é uma ferramenta importante para garantir a permanência dos estudantes indígenas na universidade, mas é fundamental que esses apoios se multipliquem. As ciências indígenas, que sustentam os projetos de vida dos povos e que a PNGATI contempla, são contribuições cruciais para enfrentar a crise climática que estamos vivendo”, afirmou o coordenador, reforçando a importância de políticas que unam permanência acadêmica, protagonismo indígena na pesquisa, diálogo entre ciências e gestão territorial e ambiental.
Autoria: Andreza Baré / Assessoria de Comunicação ISPN