Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva e ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com lideranças indígenas do Mosaico Gurupi, durante o 3o Workshop Nacional de Mosaicos de Áreas Protegidas. Foto: Andreza Baré/Acervo ISPN

Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva e ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com lideranças indígenas do Mosaico Gurupi, durante o 3o Workshop Nacional de Mosaicos de Áreas Protegidas. Foto: Andreza Baré/Acervo ISPN

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Encontro nacional debate ampliação de territórios tradicionais em mosaicos de áreas protegidas

O evento marcou a formalização do Mosaico do Baixo Rio Madeira, no Amazonas, e a garantia de apoio das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara para a oficialização do Mosaico Gurupi, localizado no Maranhão e leste do Pará

Entre os dias 18 e 20 de fevereiro, Brasília (DF) sediou o 3º Workshop da Rede Nacional de Mosaicos de Áreas Protegidas. O encontro ocorreu no auditório Rômulo Melo, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), reunindo especialistas, gestores públicos, sociedade civil e representantes de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais para debater a gestão integrada de áreas protegidas. Participaram cerca de 600 pessoas, entre presenciais e online.

O evento contou com a participação de aproximadamente 600 pessoas, tanto presencialmente em Brasília quanto em formato remoto. Foto: Maria Eduarda/ ICMBio

O evento foi promovido pela Rede de Mosaicos de Áreas Protegidas (Remap), em parceria com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ), Fundação Pró-Natureza (Funatura), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Instituto Biotrópicos, Instituto Rosa e Sertão, Wildlife Conservation Society Brasil (WCS Brasil), ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). 

Representantes do Mosaico Gurupi durante a abertura do evento. Foto: Andreza Baré/Acervo ISPN

O ISPN, integrante da coordenação da Remap, participou do workshop ao lado de 22 lideranças indígenas do Mosaico Gurupi, que compartilharam suas experiências na defesa desse conjunto de territórios, atualmente em processo de formalização.

O que são os Mosaicos de Áreas Protegidas?

Os Mosaicos de Áreas Protegidas são conjuntos de territórios que englobam diferentes categorias de unidades de conservação, como parques nacionais, reservas extrativistas, reservas biológicas,  dentre outras áreas protegidas, como terras indígenas, territórios quilombolas e áreas públicas ou privadas com compromisso para a conservação ambiental. Essas áreas, situadas próximas umas das outras, demandam uma gestão integrada para garantir a proteção da biodiversidade e dos modos de vida das comunidades que nelas habitam ou interagem, respeitando suas especificidades culturais e ecológicas.

Previstos no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) – Lei nº 9.985/2000 –, os mosaicos representam um instrumento essencial para a governança ambiental. Atualmente, existem 27 mosaicos oficializados no Brasil, sendo 18 reconhecidos em nível federal e nove em âmbito estadual.

A importância das terras Indígenas, quilombolas e outros territórios tradicionais na composição dos mosaicos

A necessidade de ampliar e fortalecer os instrumentos de proteção e gestão ambiental foi um dos principais temas debatidos no encontro em Brasília, com ênfase na interlocução dos territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais com as políticas de conservação. Essa integração é essencial para o reconhecimento desses territórios e sua consolidação como áreas protegidas no contexto dos mosaicos.

O procurador federal do ICMBio, Ricardo Cavalcante Barroso, convidado para uma das mesas do evento, apresentou diversas normativas e marcos legais que asseguram esse reconhecimento, ampliando o entendimento sobre áreas protegidas para além da categoria de unidades de conservação. Entre os exemplos citados, destacam-se: a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB); a definição de áreas protegidas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN); o Plano Estratégico Nacional de Áreas protegidas (PNAP); a Política Nacional da Biodiversidade (PNBio); Resolução da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio); bem como a Lei 9.985/2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em seu Artigo 26 .

Já o representante do Mosaico da Amazônia Oriental  – o primeiro mosaico reconhecido que inclui uma Terra Indígena, Demétrio Tiriyó,  reforçou a importância do diálogo com as comunidades para a aceitação da proposta de mosaico, destacando que o respeito às autonomias territoriais e aos modos de tomadas de decisão dos povos indígenas . O debate também evidenciou que os mosaicos fortalecem as culturas e os modos de vida indígena e garantem a continuidade da relação ancestral desses povos com as florestas.

Proteção compartilhada nos mosaicos

João Guilherme Nunes Cruz (ISPN), Cacique Antônio Wilson Guajajara, secretário executivo do Conselho do Mosaico Gurupi, Decio Yokota, Demétrio Tiriyó e Luana Almeida (Funai), na mesa que discutiu proteção territorial nos mosaicos. Foto: Maria Eduarda/ICMBio

 

Se os mosaicos são aliados dos modos de vida indígena, sua proteção deve ser compartilhada, especialmente em regiões que sofrem pressão de desmatamento e invasões ilegais, como o Mosaico Gurupi, que está em fase de formalização.

Com aproximadamente 46 mil km², distribuídos entre Maranhão e Pará, o Mosaico Gurupi abrange diversas Terras Indígenas, incluindo: Araribóia, Caru, Rio Pindaré, Alto Turiaçu, Awá e Alto Rio Guamá; e Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi.

Esse território abriga espécies endêmicas e ecossistemas de grande relevância, além de ser lar dos povos Guajajara, Ka’apor, Tembé e Awá Guajá – este último incluindo grupos em isolamento voluntário.

O Cacique Antônio Wilson Guajajara, secretário executivo do Conselho Gestor do Mosaico Gurupi, destacou a atuação dos Guardiões da Floresta, Guerreiras da Floresta, brigadistas, jovens e outros coletivos na defesa do último remanescente de Floresta Amazônica no Maranhão e no leste do Pará.

“A união dos territórios e das instituições em torno do Mosaico é o que vai garantir a vida nas nossas comunidades e ainda manter o equilíbrio climático”, destacou o cacique Antônio Wilson Guajajara.

Desafios e Potenciais dos Mosaicos de Áreas Protegidas

A gestão compartilhada dos mosaicos enfrenta ainda outros desafios, especialmente diante do avanço de grandes empreendimentos que ameaçam ecossistemas sensíveis. Um exemplo é o Mosaico Mico-Leão-Dourado (RJ), relatado pela Associação Mico Leão Dourado, que, durante o encontro, compartilhou sua experiência na restauração de áreas críticas para a sobrevivência da espécie, incluindo a construção do primeiro viaduto vegetado em uma rodovia federal. No entanto, esse esforço está sob ameaça devido à construção de uma ferrovia que pode comprometer a fauna e a vegetação local.

Já o Mosaico do Extremo Sul da Bahia, por meio do Instituto Ciclos de Sustentabilidade e Cidadania, alertou sobre os impactos do turismo descontrolado sobre os últimos remanescentes da Mata Atlântica na região, ressaltando a necessidade urgente de políticas públicas que conciliem conservação e desenvolvimento sustentável.

Além de seu papel na proteção ambiental, os mosaicos também são espaços de reivindicação de direitos e valorização dos saberes dos povos que ali vivem. Eles atuam na difusão do conhecimento por meio de campanhas de educação ambiental, promovendo o diálogo entre políticas ambientais e culturais. Um exemplo inspirador mostrado pelo Instituto Biotrópicos, foi o do Mosaico do Espinhaço (MG), que desenvolve materiais educativos para sensibilizar a sociedade sobre a importância do Cerrado na preservação das águas, da biodiversidade e das culturas regionais.

Consolidação do evento: a carta final

Por meio de Grupos de Trabalho (GTs) temáticos, o evento coletou recomendações estratégicas para aprimorar a gestão dos mosaicos. Entre os pontos destacados na Carta da Rede de Mosaicos de Áreas Protegidas 2025, estão:

  • Apoio à criação e consolidação de novos mosaicos para garantir sua efetividade na proteção ambiental e social;
  • Fortalecimento do protagonismo de povos indígenas e comunidades tradicionais na governança dos mosaicos;
  • Diversificação dos modelos de gestão, respeitando as especificidades de cada mosaico e garantindo autonomia;
  • Elaboração de propostas para a COP 30, ampliando o debate sobre conservação em âmbito global.

Acesse a íntegra do documento [aqui].

Formalização do Mosaico do Baixo Rio Madeira

Ministra Marina Silva (ao centro) assinando a portaria de formalização do Mosaico do Baixo Rio Madeira, ao lado da ministra. Sônia Guajajara (à direita), e do presidente do ICMBio, Mauro Pires (à esquerda). Foto: Fernando Donasci/MMA

O encerramento do evento foi marcado por um momento histórico: a formalização do Mosaico do Baixo Rio Madeira, localizado no Amazonas. O novo mosaico reúne cinco Unidades de Conservação estaduais, uma federal e duas Terras Indígenas, totalizando aproximadamente 2,4 milhões de hectares de áreas protegidas.

A cerimônia de oficialização contou com a presença das ministras Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas (MPI). Também compuseram a mesa de cerimônia o presidente do ICMBio, Mauro Pires, a secretária da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais (MMA), Rita Mesquita, e o coordenador da Remap, Marcos Pinheiro.

Durante a cerimônia, Sônia Guajajara destacou a importância do reconhecimento dos mosaicos para a proteção ambiental e cultural:

“Estamos diante de mais um instrumento para garantir a proteção do meio ambiente, dos territórios e, principalmente, das culturas e dos modos de vida. O que de fato assegura a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas é a forma como as pessoas interagem com esses espaços. O reconhecimento dos mosaicos valoriza esses modos de vida, protegendo indígenas, quilombolas, extrativistas e outros povos que dependem dessa terra”, declarou a ministra dos Povos Indígenas. 

Já Marina Silva enfatizou a inovação que os mosaicos representam na gestão de áreas protegidas, ampliando a governança integrada desses territórios:

“Os mosaicos trazem uma inteligência social, cultural e de gestão que reconhece que os melhores equipamentos de conservação do mundo são aqueles criados pela própria natureza. São esses espaços que garantem a manutenção dos rios e o equilíbrio climático”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. 

O coordenador da Remap, Marcos Pinheiro, destacou que, antes do Baixo Rio Madeira, entre os 26 mosaicos reconhecidos no Brasil, apenas um – o Mosaico da Amazônia Oriental – incluía uma terra indígena. Com a formalização do novo mosaico, que abrange duas terras indígenas, esse cenário começa a mudar, marcando um avanço significativo na inclusão dos povos tradicionais na governança dos mosaicos.

“Isso demonstra um novo ciclo virtuoso que estamos vivendo, com uma vontade política crescente de reconhecer mosaicos de áreas protegidas, indo além das unidades de conservação. Nesse contexto, há uma grande esperança de que o Mosaico Gurupi seja o próximo a ser formalizado”, ressaltou Marcos Pinheiro da Remap.

O coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN, João Guilherme Nunes Cruz, considerou o ato uma vitória de diversos segmentos que compartilham da mesma causa, destacando o papel da sociedade civil nesses processos. 

“O papel da sociedade civil organizada na concepção, implementação e governança dos mosaicos de áreas protegidas é fundamental, um ponto amplamente destacado ao longo do evento, tanto por representantes de organizações sociais quanto por autoridades governamentais. Pelo ISPN, estamos dedicados à formalização do Mosaico Gurupi, pois acreditamos que os povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais são centrais na proteção da biodiversidade e no equilíbrio climático”, considerou João Guilherme Nunes Cruz do ISPN. 

Mosaico Gurupi: um passo mais próximo da formalização

Cacique Antônio Wilson Guajajara entrega o Informativo sobre o Mosaico Gurupi para a ministra Marina Silva. Foto: Andreza Baré/Acervo ISPN

Foi durante a mesa de oficialização do Mosaico do Baixo Rio Madeira, que as 22 lideranças indígenas do Mosaico Gurupi receberam uma importante sinalização de avanço para a formalização. As ministras Marina Silva e Sônia Guajajara reafirmaram o compromisso de apoiar o processo, gerando otimismo entre as lideranças presentes.

Na ocasião, o cacique Antônio Wilson entregou à ministra Marina Silva o Informativo sobre o Mosaico Gurupi, e ouviu dela a garantia de que assinará a formalização assim que o processo for concluído. Marina ainda incentivou os representantes a se empenharem para acelerar os trâmites burocráticos.

Lideranças do Mosaico Gurupi, equipe ISPN e Remap com o presidente do ICMBio, Mauro Pires, e o coordenador da Coordenação Geral de Gestão Socioambiental do ICMBio, Daniel Castro. Foto: Acervo ISPN
Lideranças do Mosaico Gurupi, equipe ISPN e Remap com a ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Foto: mre_gavião/AscomMPI

Além da participação no evento, as lideranças indígenas do Mosaico Gurupi aproveitaram a estadia em Brasília para avançar em agendas estratégicas voltadas à formalização do mosaico.

  • Reunião com a ministra Sônia Guajajara – A ministra reafirmou seu apoio ao processo e se comprometeu a intermediar o diálogo com Marina Silva, reforçando a importância do mosaico. 
  • Encontro com o presidente do ICMBio, Mauro Pires – O dirigente destacou a importância da integração entre as terras indígenas e a Reserva Biológica do Gurupi, comprometendo-se a oferecer apoio técnico e político para a formalização. Além disso, propôs uma agenda conjunta para fortalecer a proteção territorial e promover ações de restauração ambiental compartilhada.

Estavam presentes no encontro as seguintes lideranças indígenas: Antônio Wilson Guajajara, João Reis Guajajara, Cícera Guajajara, Ytaxti Guajá e Majakatya Awá Guajá da TI Caru; Akadjurixan Ka’apor, Meranhu Ka’apor e Raimundo Filho Tembé, da TI Alto Turiaçu; Walber Tembé, Maria Clarice Tembé e Silvio Tembé da TI Alto Rio Guamá; Jacirene Guajajara, Edson Gomes Guajajara, Olímpio Guajajara, , Auro Guajajara, Terezuma Guajajara, Alciane Guajajara e Suluene Guajajara da TI Araribóia, além de Lucimar Carvalho (assessora jurídica dos Guardiões da Floresta); Pita Guajajara, Marisa Caragiu Guajajara e Francisco Viana Guajajara, da TI Rio Pindaré.

A participação de parte da delegação das lideranças indígenas no evento foi viabilizada pelo projeto Paisagens Indígenas, executado pelo ISPN, em parceria com Centro de Trabalho Indigenista e Instituto Nupef. A iniciativa conta com apoio financeiro da Iniciativa Internacional da Noruega para o Clima e Florestas (Nicfi).

 

Autoria: Andreza Baré / Assessoria de Comunicação ISPN

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