Lideranças de povos e comunidades tradicionais do Cerrado, Caatinga e Amazônia trocam experiências em Oficina entre Mulheres sobre meios de vida sustentáveis e inclusão social
A Oficina Entre Mulheres: Soluções para Inclusão e Protagonismo em Projetos Socioambientais reuniu 70 representantes da agricultura familiar, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais, de 16 a 18 de maio, em Brasília (DF). Promovida pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a oficina teve o objetivo de fortalecer o protagonismo das mulheres e a troca de saberes e soluções, com respeito à dignidade e permanência delas nos territórios de origem.
O evento proporcionou um espaço para reflexão sobre os desafios vivenciados pelas mulheres e as estratégias e soluções encontradas para a execução de projetos socioambientais, em contextos rurais e territórios tradicionais. A diretora superintendente do ISPN, Cristiane Azevedo, citou a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, na abertura do evento, quando falou sobre a necessidade de maior democratização do acesso a recursos para o protagonismo das mulheres em projetos socioambientais e sobre desenvolvimento.
“Falamos tanto de desenvolvimento, quando o que precisamos é termos mais envolvimento. Quem está nos territórios conhece a realidade. Estamos aqui nos fortalecendo a partir de uma cultura de saberes”, destacou, representando bem a forma de atuação do ISPN com cada projeto
Participaram 34 organizações comunitárias de oito estados (MT, TO, MA, PE, BA, MG, MS e PI) dos biomas Amazônia, Cerrado e Caatinga. A maioria compartilhou experiências com os projetos executados e apoiados por meio do Fundo para a Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS). “A gente não quer só resistir. A gente quer existir e ser protagonista da nossa história”, disse Elizete Carvalho Barreto, assistente social, pertencente à comunidade de Fundo e Fecho de Pasto de Correntina (BA).
“Os projetos PPP-ECOS são, há anos, fonte de soluções e inovações para a sustentabilidade e a conservação, e o ISPN sabe disso. Onde atuam, fazem a diferença, deixam legados sociais, econômicos e ambientais fundamentais”, comentou a assessora técnica do ISPN, Isabella Ferreira.

Segundo ela, a oficina colaborou para promover a qualificação das mulheres e pensar cursos e formações continuadas. Isabella também destacou a urgência na ampliação das formas de financiamento que respeitem as especificidades de atuação das mulheres e a capacidade delas de executar projetos.
“Muitas mulheres já têm experiências exitosas e soluções para os desafios políticos, sociais e produtivos que são comuns a todas. Para aprimorar, os fundos de apoio devem estar atentos e abertos a financiar atividades que envolvam autocuidado, promoção à proteção contra a violência doméstica e a divisão justa do trabalho doméstico”, destacou. “Em tempos de emergência climática, é também essencial dar visibilidade aos serviços ecossistêmicos prestados por essas mulheres”.
A oficial nacional para temas de gênero e raça do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Ismália Afonso, reafirmou que, após 20 anos de parceria com o ISPN, o Pnud busca apoiar projetos que coloquem as mulheres como protagonistas da transformação social.
“Cerca de 70% dos recursos do Pnud geram algum impacto no processo de promoção da igualdade de gênero. Isso não é só um resultado que se busca, mas um desafio para a construção de uma nova sociedade. No PPP-ECOS, é perceptível a busca por esses resultados, tanto na questão de gênero, quanto no protagonismo das juventudes e de povo e comunidades tradicionais. E isso não vem de uma decisão de um escritório fora do Brasil, mas de termos incorporado tudo o que as mulheres da base nos indicam”, disse Ismália Afonso.
Participação do governo

A representante da secretaria nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Claudia de Pinho, mulher pantaneira, destacou, na mesa de abertura, que é preciso avançar muito na questão de gênero.
“Sou de uma comunidade em que as mulheres são protagonistas. Mas, às vezes, não são elas que apresentam seus projetos. É preciso virar essa chave que determina o protagonismo das mulheres, cujo papel é tão importante na conservação e manutenção da vida nos territórios. A valorização dos territórios passa pela valorização dos povos e comunidades tradicionais que neles habitam e as mulheres têm um papel importantíssimo nisso”, afirmou Claudia de Pinho.
A coordenadora-geral da subsecretaria de Mulheres Rurais da Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Patrícia Mourão, falou sobre a importância dos pequenos projetos para alavancar a condição das mulheres que ainda não acessam as políticas públicas.
“Esses projetos apoiam as experiências das mulheres e criam condições para que essas mulheres, em algum momento, consigam acessar essas políticas. É importante inserir esses pequenos projetos no ciclo de políticas públicas, que podem garantir, mais adiante, a continuidade dos projetos. Tal combinação permite que esses empreendimentos possam acessar políticas como as de crédito, por exemplo, que têm uma disponibilidade importante de recursos para a produção de alimentos. E a gente sabe que as mulheres agricultoras exercem um protagonismo importante na produção de alimentos, no manejo dos recursos naturais. Por isso é fundamental apoiá-las nesse processo”, ressaltou Patrícia Mourão do MDA.
Também participaram da abertura da Oficina outros parceiros e financiadores dos projetos, como a secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, e a chefe do departamento de gestão do Fundo Amazônia no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fernanda Garavini.
No segundo dia de Oficina, a chamada mesa inspiradora recebeu Poliana Guajajara, do movimento das Guerreiras da Floresta; Sara Rufino, da Casa da Mulher do Nordeste; Elizete Carvalho Barreto, da Associação Fecho de Pasto de Clemente (MG), entre outras, com as falas mediadas pela presidente do ISPN, Andrea Lobo. No terceiro dia, as mulheres se reuniram em mesas temáticas para diálogos e troca de saberes e também para a construção coletiva de propostas para editais.
Protagonistas

A extrativista de açaí Elcilene Alencar, moradora do Povoado Km 1700, zona rural do município de Imperatriz (MA) e presidente da Associação Agroextrativistas Familiares Solidários – entidade selecionada em edital do Fundo PPP-ECOS, contou que o projeto deu reconhecimento ao trabalho das mulheres na comunidade.
“Recebemos um apoio do Fundo Amazônia para a construção da agroindústria de beneficiamento do açaí e hoje giramos um capital de R$ 4 milhões com o açaí no Maranhão. Somos a prova viva de que um projeto assim muda as vidas. Muito obrigada, ISPN, por ser motivador e inspirador”, comemorou Elcilene Alencar.
A quilombola Márcia Alvez Varanda, de Praia Norte, Bico do Papagaio, no Tocantins, relatou que um investimento de R$ 124 mil, por meio do PPP-ECOS, foi fundamental para estruturar os grupos produtivos das quebradeiras de coco babaçu e movimentar milhões. “Em 2020, recebemos esse apoio para alavancar o trabalho de 120 mulheres quebradeiras de babaçu. Hoje, somos 1.200 e captamos mais de três milhões a partir do projeto PPP-ECOS”, contou. “Minha formação política se deu na execução dos projetos.”
A também quebradeira de coco babaçu e representante do Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS), Maria do Socorro Lima, também de Praia Norte, Bico do Papagaio (TO), é uma liderança ativa há 50 anos. “Eu defendo as mulheres da floresta: nós somos protagonistas dos nossos atos e do nosso viver, do nosso trabalho na busca por uma melhor vida. Não está certo a mulher trabalhar e só o homem aparecer. É preciso fortalecer nossas ações. Somos extrativistas, produtoras de diferentes biomas, mulheres negras, quilombolas, indígenas. Nós precisamos desses biomas vivos e em pé. Morto não adianta. Por isso é tão importante a capacitação continuada, assim como o desenvolvimento de tecnologias sociais e os investimentos em infraestrutura”, afirmou.
Entre os principais desafios enfrentados pelas mulheres na elaboração e execução de projetos, foram citados: inclusão digital (informática); formação de lideranças; prestação de contas; distribuição de tarefas; investimento em comunicação; estrutura para o trabalho político das organizações; remuneração pelo trabalho de militância e mobilização política.
Sobre o Fundo PPP-ECOS

É um mecanismo de apoio a projetos para a Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais. Democratiza o acesso a recursos para associações sem fins lucrativos e cooperativas constituídas que tenham caráter não governamental ou sejam de base comunitária para a implementação de ações que gerem benefícios socioambientais.
Desde 1994, o PPP-ECOS recebe o apoio do Small Grants Programme (SGP), programa do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), implementado por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e, a partir de 2012, de outros doadores como o Fundo Amazônia, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Laudes Foundation, União Europeia e USAID.
Ao entender a importância do papel dos diferentes e diversos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares, o PPP-ECOS investe na conservação ambiental por meio do uso sustentável dos recursos naturais. A iniciativa já apoiou cerca de 900 projetos no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia, e repassou um valor total de aproximadamente 25 milhões de dólares.
Texto por Assessoria de Comunicação do ISPN/ Letícia Verdi
Fotos do Acervo ISPN/ Letícia Verdi, Méle Dornelas, Camila Araujo, Andreza Andrade e Iogo Chirola