Organizações ambientalistas e movimentos sociais lançam observatório ÓSocioBio; objetivo é ampliar políticas públicas para fortalecer a economia praticada por povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, como alternativa aos modos de produção da monocultura nociva ao meio ambiente
Um conjunto de organizações ambientalistas e movimentos sociais reuniram-se com parlamentares na Câmara dos Deputados na quarta-feira, 1º de junho, para o lançamento do Observatório da Economia da Sociobiodiversidade, batizado de ÓSocioBio. Especialistas defenderam a necessidade de promoção de uma economia do cuidado com a biodiversidade, cujo conhecimento vem das práticas ancestrais das comunidades tradicionais. O evento que ocupou o auditório Freitas Nobre teve parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, Frente Parlamentar pela Segurança Alimentar e Nutricional, e Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. O evento foi transmitido pela TV Câmara [assista a gravação aqui]. O encerramento da atividade foi marcado com a leitura da carta-manifesto de criação do coletivo [veja íntegra aqui].
Entre os palestrantes, Jeferson Straatmann, Coordenador Técnico de Cadeias de Valor do Instituto Socioambiental (ISA), destacou presentes que o extrativismo sustentável dos seringueiros tradicionais, por exemplo, coexiste com a floresta em pé e se opõe ao modelo de extração da monocultura mecanizada, que perde conhecimento associado.
“A seringueira está perto de alta biodiversidade. São formas de fazer e produzir que geram impactos distintos. Essas economias distintas competem de igual para igual no mercado, as políticas públicas promovem a competição sem onerar as cadeias de maior impacto ambiental. O futuro é a monocultura?”, questionou Straatmann.
Diante da realidade das mudanças climáticas em nível global, especialistas e lideranças comunitárias pontuaram que repensar os modos de produção de renda e riqueza no Brasil é urgente, considerando que as consequências geradas pelo desmatamento em ascensão são insustentáveis. Para as organizações e movimentos que integram o ÓSocioBio, o caminho é pelo incentivo e proteção de atividades econômicas sustentáveis praticadas por povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.
“O consumo de produtos oriundos da sociobiodiversidade é um consumo consciente porque contribui com a conservação por meio do uso sustentável e com a justiça social no país, garantindo manutenção de territórios e serviços socioambientais, renda e segurança alimentar para a sociedade”, explicou Guilherme Eidt, assessor de políticas públicas do ISPN que acompanhou a atividade na casa legislativa.
Da mesa de abertura, a deputada federal Joênia Wapichana apontou a clareza da Constituição Federal ao afirmar a obrigação do Estado brasileiro com o meio ambiente, e destacou os efeitos atuais das mudanças climáticas nos estados de Pernambuco e Roraima. “A questão econômica dos indígenas é ter segurança alimentar, algo que está ameaçado pelas mudanças climáticas. A pergunta que deve ser feita aos candidatos nas eleições é: qual vai ser o seu plano para o clima e para a economia da sociobiodiversidade?”, registrou.
Entre os deputados, participaram também o vice presidente nacional do PT, Marcio Macedo (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Erika Kokay (PT/DF), Talíria Petrone (Psol/RJ), Alessandro Molon (PSB/RJ) e Padre João (PT/MG). Pela sociedade civil, representantes do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), do WWF-Brasil, do Observatório do Clima, do Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), da Fian-Brasil, da ACT Promoção da Saúde, entre outras entidades.
É preciso olhar para o social
Dione Torquato, secretário-geral do CNS, falou sobre a relação intrínseca que compreende os modos de vida das comunidades tradicionais e o cuidado com o meio ambiente. “Hoje é um dia especial, histórico, sobretudo para nós, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e movimentos do campo. [Este dia] Representa um ato de resistência no contexto político tão difícil como este, com tantos ataques às comunidades. É um momento de afirmação e de posição. Queremos que o Parlamento esteja envolvido e engajado com a agenda da culturalidade, da multiplicidade e da diversidade que esse país representa. Este Congresso tem uma dívida histórica com essa agenda”, declarou.
Secretária de meio ambiente da Contag, Sandra Bonetti destacou a importância da representatividade dos agricultores familiares nos debates do Parlamento. “Compreendemos o quanto é importante nós, agricultores familiares, termos protagonismo no debate sobre sociobiodiversidade. Para além da biodiversidade, temos que olhar também para o social. Por isso é ‘sociobiodiversidade’. São os povos tradicionais, do campo e da floresta que de fato cuidam do nosso meio ambiente”, ressaltou.
Por um Brasil carbono zero
Suely Araújo, especialista sênior do Observatório do Clima, lembrou a meta do Brasil ser carbono zero até 2045 e ressaltou a necessidade de proliferar no país um tipo de agricultura diferente da que está posta pela monocultura. Seu argumento reforçou a análise de seus colegas de mesa, como Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA.
“Essa economia da sociobiodiversidade, também chamada de economia da floresta, é inimiga da monocultura. Apoiar esse tipo de economia não é a mesma coisa que fomentar a monocultura, uma cadeia econômica isolada. É preciso ter propostas e soluções que garantam a diversidade e sobrevivência dos ecossistemas naturais, para construção de um horizonte sustentável”, disse Santilli.
O Observatório lançado planeja duas atividades: a entrega de uma carta de recomendações aos presidenciáveis e a realização de uma audiência pública sobre economia da sociobiodiversidade que será realizada no dia 22 de junho. As ações podem ser acompanhadas pelos perfis de Twitter das organizações.
Sobre o ÓSocioBio
O Observatório da Economia da Sociobiodiversidade reúne ONGs ambientalistas, movimentos sociais do campo e populações indígenas e tradicionais no Brasil, como ISA, ISPN, WWF-Brasil, Contag, CNS, Memorial Chico Mendes, Articulação Pacari e outras (veja lista completa na carta de criação). A iniciativa ancora-se sobre um tripé que alia Economia, Pessoas e Biodiversidade. O objetivo é influenciar projetos no Congresso Nacional e no Poder Executivo, para garantir a sustentabilidade no desenvolvimento econômico e social brasileiro, com valorização dos povos e comunidades tradicionais.