É a primeira vez que o Cerrado é mais devastado que a Amazônia, desde o início da publicação do RAD, em 2019. Foto: Adriano Gambarini/WWF Brasil

É a primeira vez que o Cerrado é mais devastado que a Amazônia, desde o início da publicação do RAD, em 2019. Foto: Adriano Gambarini/WWF Brasil

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Cerrado foi o bioma mais desmatado do Brasil em 2023

Relatório Anual do Desmatamento (RAD), do MapBiomas, aponta aumento de 67,7% no Cerrado, em relação a 2022, com mais de um milhão de hectares devastados. Maranhão lidera o ranking dos estados que mais desmataram ano passado. 

 

O Cerrado foi o bioma mais desmatado em 2023, com perda de 1.110.326 hectares de vegetação nativa, uma área do tamanho de dois Distritos Federais e que representa aumento de 67,7%, em relação a 2022. O dado foi apresentado nesta terça-feira (28), durante lançamento do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) 2023, do MapBiomas, em Brasília. 

É a primeira vez que o Cerrado é mais devastado que a Amazônia, desde o início da publicação do RAD, em 2019. O quinto relatório revelou esta mudança: ao invés de o desmatamento ocorrer predominantemente em áreas florestais – como foi atestado nos quatro primeiros anos do levantamento – desta vez concentrou-se, principalmente, em áreas com formações savânicas: representando 54,8% da área convertida. Já as áreas de formações florestais tiveram redução de desmatamento, com 38,5%.

Para a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo, contribui para este cenário uma grave questão na política brasileira: a deficiência da governança desempenhada pelos governos federal e estaduais em relação à conservação do Cerrado, apesar dos esforços da elaboração da quarta fase (2023-2027) do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado). 

“Autorizações de supressão de vegetação têm sido dadas aos montes pelos governos estaduais sem a observância dos critérios devidos, inclusive para propriedades onde o Cadastro Ambiental Rural ainda não está validado. As propriedades estão armazenando autorizações. É urgente haver uma suspensão total de novas autorizações até que o Cadastro Ambiental Rural seja validado devidamente”, defende Isabel.

Além disso, os índices de desmatamento no Cerrado contribuem para que se torne mais difícil alcançar metas internacionais, como as do Acordo de Paris, tratado global firmado em 2015 pelos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que busca limitar o aumento da temperatura média da Terra em 1,5 °C. O governo brasileiro comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025, com subsequente redução de 43% em 2030, em relação aos níveis de emissões de 2005, mas os dados mostram que o Brasil caminha em outra direção.

“Se não forem implementadas ações mais concretas que reduzam o desmatamento no Cerrado, as metas e os compromissos internacionais de clima não serão alcançados. Os governos precisam se atentar que o desmatamento acelerado do Cerrado vai agravar ainda mais a crise climática e hídrica que o Brasil já vive”, analisou Isabel Figueiredo.



Matopiba

O desmatamento na savana brasileira ocorreu, sobretudo, na região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), devido às atividades de expansão agropecuária, como plantação de soja e outras commodities. O Maranhão, igualmente pela primeira vez, foi o estado mais desmatado em 2023, com uma área devastada de 331.225 hectares, o que representa aumento de 95,1% de perda de vegetação nativa no estado, em comparação ao ano passado. Na análise, apenas o Piauí teve área desmatada reduzida. 

Muitas das áreas desmatadas são terras griladas e usurpadas de territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Comunidades que têm um papel central na conservação da biodiversidade estão sendo pressionadas a abandonar seus territórios e dar lugar a imensos campos de soja com todo apoio das instituições públicas. 

Com isso, os quatro estados do Matopiba juntos ultrapassaram a área desmatada nos estados da Amazônia e somam quase metade (47%) de toda a perda de vegetação nativa no Brasil, no ano passado. Foram 858.952 hectares devastados – um aumento de 59% em relação ao ano de 2022, que já havia registrado aumento (36%) em relação a 2021. 

“Está claro que a governança e a capacidade de gestão ambiental do Governo Federal na agenda de controle do desmatamento do Cerrado estão à mercê dos estados, ficando sem força e sem capacidade de atuação operacional interinstitucional. É preciso reverter isso urgentemente, pois o bioma é guardião de biodiversidade e modos de vida únicos”, alerta o coordenador de políticas públicas do ISPN, Guilherme Eidt.  

O município mais desmatado do país também está no Cerrado, é São Desidério, na Bahia, com 40.052 hectares devastados. São Desidério figura há diversos anos entre os municípios que mais desmatam no Cerrado, o que vem afetando a disponibilidade de água nos rios que vertem desta região para a importante bacia do Rio São Francisco. E o segundo município é Balsas, no Maranhão, com mais de 37 mil hectares derrubados, um aumento de 33% no comparativo entre 2022 e 2023.

“Diante da grave situação de desmatamento no Cerrado, são necessárias ações políticas que protejam o bioma, como intensificar o controle do desmatamento e do uso de água para irrigação em propriedades privadas,  avançar com o reconhecimento e proteção dos territórios de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais e com a criação de mais áreas protegidas “, propõe Isabel Figueiredo

Os que mais conservam são os mais ameaçados

As regiões menos desmatadas em 2023 foram os Territórios Indígenas (TI’s). Apenas 1,1% do desmatamento ocorreu em terras habitadas por essas populações, uma diminuição de 27% comparado ao ano anterior. No entanto, dentre as TI’s, a mais desmatada em 2023 também está localizada no Cerrado, no estado do Maranhão: é a TI Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, com perda de cerca de 2.750 hectares. O território enfrenta há anos ameaças relacionadas às pressões sobre seus recursos florestais, especialmente madeireiros. Ao todo, foram perdidos 7.048 hectares de vegetação nativa em TIs no Cerrado, um aumento de 188% em relação a 2022. Em todo o Brasil, ao contrário, houve queda no desmatamento em TIs. 

Desmatamento no Brasil

Em 2023, foi registrada no Brasil uma queda de 11,6% na área desmatada, com 1.829.597 hectares de vegetação nativa suprimidos; em 2022, esse total foi de 2.069.695 hectares.  Em 2023, o Cerrado correspondeu a 61% da área desmatada em todo o país e a Amazônia por 25%. Quase todo o desmatamento do país (97%) teve a expansão agropecuária como vetor. 

O que é o RAD 2023?

O RAD2023 é o quinto Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, elaborado pelo MapBiomas e apresentou um panorama abrangente do desmatamento em todos os biomas brasileiros entre 2019 e 2023, com foco em 2023 e para diferentes categorias territoriais e fundiárias. O relatório consolida e analisa os alertas de desmatamento validados e refinados com imagens de alta resolução pelo MapBiomas Alerta (https://alerta.mapbiomas.org/) a partir de múltiplos sistemas de deteção de de desmatamento, avalia indícios de irregularidade ou ilegalidade e examina ações de combate ao desmatamento por órgãos governamentais e instituições financeiras.

 

 

Texto: Dominik Giusti e Méle Dornelas/asssessoria de comunicação do ISPN, com informações do MapBiomas

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