São três anos de atuação e muita história para contar. Desde que foi criada em 2019, a Brigada Voluntária Indígena da Terra Indígena Rio Pindaré – MA, vem contabilizando o impacto positivo do seu trabalho mesmo sem apoio governamental. Atuando numa das terras indígenas mais degradadas da Amazônia maranhense, esses brigadistas indígenas exercem um papel estratégico e necessário, enfrentando os mais diversos desafios para garantir a integridade e a recuperação do seu território ancestral.
Demarcada em 1982, a TI Rio Pindaré tem 15,2 mil hectares de extensão e está localizada no noroeste do estado do Maranhão. Sua população é formada por indígenas Guajajara que somam um total de 1,7 mil habitantes. A TI também integra o Mosaico Gurupi, um conjunto de áreas protegidas formado por seis terras indígenas e uma unidade de conservação, extremamente importante para a conservação ambiental nesta porção do bioma Amazônia. É banhada pelo rio Pindaré que é uma das principais fontes de sustento para as famílias indígenas.
Há anos, a TI Rio Pindaré vem sofrendo com o desmatamento e a degradação ambiental resultantes das pressões ocasionadas pelas invasões praticadas pelos não indígenas. Eles adentram ao território ilegalmente para retirar madeira, caçar e pescar, as consequências desses transpasses é o constante estado de tensão entre os Guajajara e a população do entorno da TI. Além disso, a TI Rio Pindaré é impactada pela proximidade com os centros urbanos e pela BR 316 que corta o território ao meio. A rodovia também favorece o acesso de pessoas má intencionadas para dentro do território que comumente geram incêndios criminosos. Muitas vezes, o fogo é colocado de forma descuidada para limpar a vegetação que cresce na margem da rodovia, pois o mato acaba estreitando e dificultando a visibilidade da pista. Porém, esta vegetação (mato) é altamente inflamável e a queima rapidamente evolui para um incêndio de grandes proporções. Além disso, principalmente na seca, os invasores acendem fogueiras durante as pescarias e ateiam fogo na vegetação para facilitar a captura de animais de caça. Com a vegetação extremamente seca, o fogo se alastra facilmente provocando incêndios que comprometem grandes extensões de áreas dentro do território.
A complexidade em torno da questão do fogo na TI Rio Pindaré demonstra o cuidado que os próprios indígenas têm em distinguir o uso tradicional, do uso criminoso e irregular. No manejo das roças, por exemplo, se faz o uso do fogo, contudo há regras a serem respeitadas para que este recurso não se transforme num problema, especialmente em relação à época em condições climáticas. Já o uso criminoso acontece intencionalmente, geralmente associado às invasões e às investidas dos não indígenas. Essas práticas alteraram bastante o meio ambiente, o que resta hoje são pouquíssimos remanescentes de mata nativa e animais silvestres. Sem floresta, não tem caça, não tem roça, não tem alimento, por isso muitas famílias da região se encontram em situação de muita insegurança alimentar.
Um ofício muito além de apagar o fogo

Articulados com sua organização representativa, a Associação Indígena Comunitária Mainumy, os indígenas empreenderam diversas estratégias para o enfrentamento desses problemas. Criaram o grupo de agentes ambientais, formado por homens e mulheres que estão à frente das ações de restauração florestal e vigilância do território. Trata-se de uma verdadeira força tarefa que se amplificou com a criação da Brigada Voluntária Indígena. O grupo nasceu da necessidade de se ter um trabalho específico e especializado no combate aos incêndios florestais, especialmente naquelas áreas que estavam em recuperação.
Para que exercessem o trabalho de brigadistas de forma adequada, os indígenas entraram em contato com o Prevfogo/Ibama/Maranhão a fim de receberem treinamentos. Vale ressaltar que o Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) é o órgão responsável, dentro da estrutura do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pela atuação na prevenção e combate aos incêndios em todo país, incluindo atividades relacionadas com campanhas educativas, treinamento e capacitação de brigadistas, monitoramento e pesquisa. Após o treinamento, já estavam aptos para iniciar as suas atividades.
Com pouco tempo de criação, a importância do trabalho dos brigadistas se mostrou fundamental. Os incêndios diminuíram bastante na região e isso permitiu o crescimento da mata, o ressurgimento de nascentes e a volta das caças. “Antes tinha muito pasto apenas com babaçu, mas hoje durante o monitoramento do território e com auxílio do drone vemos que as árvores estão dominando as palmeiras, por isso temos três grupos para a proteção: o grupo de mulheres que fazem a conversa com os parentes e com povoados do entorno, os agentes ambientais que cuidam da proteção territorial e nós os brigadistas que fazemos o controle do fogo”, disse Richardson Caragiu, chefe de esquadrão da Brigada Voluntária da TI Rio Pindaré.
Além de observarem os impactos das mudanças climáticas sobre o território que vem alterando os ciclos das chuvas, os brigadistas alegam que o fogo é uma dádiva que não pode ser usada de forma incorreta. “Nossos Maíra (criadores) colocaram o fogo como algo bom, por isso não pode ser usado de forma incorreta, quando apagamos os incêndios estamos dando vida aos animais, às florestas e aos encantados”, Taynara Caragiu, coordenadora Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão-Amima.

Mas este trabalho vai muito além do combate aos incêndios. Os brigadistas também atuam na conscientização da destinação correta do lixo, dentro e fora do território. Orientam as aldeias no manejo do fogo durante o preparo das roças. “Conversamos com os parentes, ensinamos a fazer aceiros, queimamos a roça junto com eles, tudo isso para evitar o surgimento de focos de incêndio nessas atividades tradicionais. Somos treinados e fazemos a queima prescrita (fogo controlado) para queimar apenas o necessário. Quando vamos queimar o mato ao longo da BR 316, comunicamos o Ibama e a Polícia Rodoviária, que fazem uma barreira e sinalização devido a fumaça, para não causar acidentes. Mas às vezes falta combustível para a brigada colocar nos transportes e chegar no local de queima, sobretudo quando o deslocamento é pelo rio”, afirmou Rogério Nonato, chefe de esquadrão.
É justamente neste ponto que mora um dos maiores desafios para a Brigada Voluntária da TI Rio Pindaré: a falta de recursos. Embora seja reconhecida enquanto uma Brigada Voluntária, o grupo não conseguiu se federalizar por decisão do próprio Prevfogo. Isso implica na não remuneração dos brigadistas e na falta de aporte financeiro para organizar operações e a logística necessária. “Tem uma interpretação muito errada a nosso respeito, há argumentos de que a nossa terra é muito pequena e não tem floresta suficiente para combater incêndios. Mas nós queremos a nossa mata de volta e estamos trabalhando para isso. Mesmo sem EPI (equipamentos de proteção individual) conseguimos colocar os brigadistas em campo. Conseguimos alguns equipamentos com apoio do WWF, mas precisamos de mais insumos. O fogo criminoso está diminuindo no nosso território, isso é visível, por isso, precisamos urgentemente de apoio para continuarmos a fazer este trabalho”, alegou Arlety Viana, presidente da Associação Mainumy.
Atualmente o grupo de brigadistas conta com 15 voluntários. Todas as suas decisões são tomadas em conjunto com lideranças e comunidades. As ações da brigada são mais focadas no combate direto aos incêndios, mas com a ajuda da comunidade, atividades preventivas como conscientização e educação ambiental são também desenvolvidas. Devido a pandemia as mulheres não puderam fazer a sensibilização nas escolas e entornos. Desde sua criação a brigada já apagou incêndio na aldeia Piçarra Preta, Areinha, Tabocal e no lago da Bolívia. Fizeram o reflorestamento no lago da Bolívia, coleta de mudas e de sementes na T.I Araribóia. Recentemente iniciaram a construção da sua base de operações, com espaço para estruturação de viveiro para produção de mudas.
Mais floresta, mais cultura

Junto com os agentes ambientais, o trabalho dos brigadistas também potencializam as práticas rituais do povo Guajajara da TI Rio Pindaré. Os efeitos deste ofício refletem diretamente no aumento da área florestal recuperada, na volta de nascentes que antes haviam secado e ainda no retorno de muitas espécies de animais importantes para a segurança alimentar das comunidades. Dessa forma, muitos rituais que dependem da caça também são fortalecidos. É o caso da festa do Moqueado, ou o Ritual da Menina Moça, momento que marca a passagem da adolescência para a vida adulta das jovens Guajajara. O moqueado é símbolo da comensalidade e a partilha desse alimento celebra a ancestralidade Tenetehara no que tange à saúde e à proteção do corpo físico e espiritual. Anteriormente, os indígenas da TI Rio Pindaré tinham que se deslocar para outros territórios com mais floresta, e com a permissão dos parentes desses locais, caçavam para a festa. Mas já faz algum tempo que a caça para esse momento é feita na própria TI Rio Pindaré.
Um outro ritual que foi afetado pela degradação ambiental foi a Festa da Mandiocaba. “O fogo devastou a mata ciliar e acabou com um caranguejo muito importante utilizado no ritual da Madiocaba, que é um dos principais da nossa cultura”, conta Cosme Alves. No entanto, complementa José Domingues Neto, “com esse trabalho pretendemos conscientizar as futuras gerações, diminuir essas queimadas, recuperar a floresta e fortalecer a cultura. Nosso principal objetivo é proteger e preservar o território, pois precisamos da floresta e dos animais para sobreviver e manter nossa cultura viva, para o bem viver das nossas comunidades”.
Como o ISPN vem apoiando a questão
O Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN, por meio dos seus projetos Paisagens Indígenas (Nicfi/CTI/ISPN) e Gestão Ambiental e Territorial Integrada de Terras Indígenas na Amazônia Oriental (USAID/CTI/ISPN), está buscando apoio para contribuir e fortalecer o trabalho dos brigadistas indígenas da TI Rio Pindaré. Além disso, a formação de brigadas comunitárias ou agentes de manejo do fogo também tem sido incentivada dentro da estratégia de promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS) do ISPN. O manejo integrado do fogo (MIF) é a abordagem que orienta os brigadistas e gestores para atuar em todo o território brasileiro, e abrange desde o planejamento das atividades até a avaliação de seus resultados. Esta abordagem está sendo trabalhada por diferentes comunidades e parceiros do ISPN, e atualmente está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei (PL 1818/2022), que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Saiba mais AQUI.