(Acervo ISPN/Raisa Pina)

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Balanço: ATL 2022 pede eleição de indígenas para o Congresso Nacional

Em ano eleitoral, ocupar espaços de decisão política é um dos principais encaminhamentos dos povos originários na maior mobilização indígena do Brasil. Igualdade de gênero e educação indígena também foram destaque nos debates desta edição

Foram duas semanas intensas de programação da maior mobilização  indígena do Brasil. Com diversas mesas temáticas, ampla expressão da diversidade cultural do país, visitas de aliados políticos e articulações entre cerca de sete mil indígenas, o Acampamento Terra Livre (ATL) chegou ao fim destacando a necessidade de indígenas ocuparem espaços de decisão na política brasileira. A mobilização foi realizada em Brasília entre 4 e 14 de abril de 2022, na área externa da Fundação Nacional da Arte (Funarte). O lema deste ano foi “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”.

O principal marco desta edição foi o retorno do Acampamento à Brasília depois de dois anos sem encontro presencial por conta da pandemia de Covid-19, que tirou a vida de 1.297 indígenas, segundo contagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). A retomada coincidiu com o aniversário de maioridade do ATL, que completou dezoito anos neste 2022. Com quase duas décadas de mobilizações e mais de cinco séculos de repressão, os povos indígenas testemunharam a eleição de apenas dois representantes políticos para o Congresso Nacional. A mais recente, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), chegou à casa na última legislatura, eleita em 2018. Antes dela, só um indígena havia passado por ali, trinta anos antes: o deputado Mário Juruna (PDT-RJ), que legislou entre 1983-1987. O Senado nunca elegeu nenhum indígena na história da República.

Marcha pela demarcação de terras indígenas, no 18º ATL (Acervo ISPN/Raisa Pina)
Marcha pela demarcação de terras indígenas, no 18º ATL (Acervo ISPN/Raisa Pina)

Aldear a política

A ausência de representatividade indígena nas instituições políticas brasileiras prejudicam e ameaçam os direitos dos povos originários ao longo dos anos. No Congresso Nacional, atualmente há pelo menos sete matérias em tramitação que tentam retroceder a política ambiental e indigenista brasileira. Entre as iniciativas, pode-se destacar o Projeto de Lei (PL)  490/2007, do Marco Temporal; o PL 191/2020, da Mineração em Terras Indígenas; o PL 6299/2002, do Pacote do Veneno; o PL 2633/2020 e PL 510/2021, da grilagem de Terras públicas; o PL 3729/2004 (agora PL 2159/2021, sob análise do Senado) do Licenciamento ambiental; e o PL 2699, do Estatuto do desarmamento e porte de armas.

No campo do Judiciário, a tese do Marco Temporal na pauta de junho do Supremo Tribunal Federal (STF) é a que mais assusta e, caso seja aprovada pela Corte, terá efeito prejudicial para todos os territórios indígenas, os já demarcados e os a demarcar. “Precisamos interromper esses processos de destruição e morte. Nossa luta é por nossos povos, sim, mas também pelo futuro de todos e todas as brasileiras e pela humanidade inteira”, afirma o documento final do ATL.

“Proclamamos a nossa determinação de continuar vigilantes, conectados política e espiritualmente, sem dar nenhum passo atrás em nossa ampla aliança e no compromisso intransponível de defender os nossos direitos fundamentais”, diz o documento [veja aqui o texto na íntegra]. Sônia Guajajara, coordenadora da Apib que leu a carta final na mesa de encerramento do ATL, expressou a necessidade de derrotar a bancada ruralista nas matérias em disputa no Congresso Nacional. “Nosso Acampamento vai continuar de pé, com uma bancada indígena eleita”, deseja.

 

A força do movimento

Entre as demais reivindicações finais do Acampamento, foi reiterada a  urgência de se retomar os processos de demarcação e proteção dos territórios indígenas, completamente parados na gestão Bolsonaro; a retomada dos espaços de participação social indígena (como o Conselho Nacional de Política Indigenista-CNPI, Conselho de Segurança Alimentar-Consea, Conselho Nacional de Meio Ambiente-Conama e Conselho Nacional de Direitos Humanos-CNDH); a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI); a reestruturação e o fortalecimento de políticas e instituições indigenistas; a interrupção da agenda anti-indígena no Congresso Nacional e, por último, a aposta em uma agenda ambiental para o Brasil.

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) acredita que o Acampamento representa a resiliência do movimento indígena em um momento dos mais difíceis do Brasil. “O ATL é uma manifestação histórica que a cada ano coloca a questão indígena no centro da política nacional e demonstra a maturidade construída pelo movimento indígena na defesa de seus direitos ao longo dos anos. É uma verdadeira lição para toda a sociedade brasileira de como se faz mobilização”, comenta João Guilherme Nunes Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN.

“O país possui um déficit com a demarcação dos territórios indígenas e com a implementação de seus direitos mais fundamentais. Demarcar os territórios, bem como avançar nas estratégias para a gestão ambiental desses territórios, de acordo com os meios de vida dos povos indígenas, têm sido uma pauta relevante do movimento, com a qual o ISPN está bastante alinhado”, reforça Nunes Cruz. A fim de somar forças à parceria com o movimento indígena, o ISPN apoiou a viagem de delegações indígenas do Maranhão e do Mato Grosso, além de contribuir com a infraestrutura do Acampamento.

(Acervo ISPN/Raisa Pina)
(Acervo ISPN/Raisa Pina)

Diversidade de gênero

Samantha Ro’otsitsina Xavante, da Terra Indígena São Marcos, participa do Acampamento desde 2008 e percebe hoje mais presença de mulheres do que havia no passado. Das dez pessoas que vieram em sua delegação, oito eram mulheres. Sua história de envolvimento no movimento indígena está diretamente envolvida com o ATL.  Filha do histórico deputado Mário Juruna, sua formação ativista ganhou muita força vivenciando os anos de Acampamento durante seu período universitário em Brasília e aprendendo com os/as parentes. “Nós mulheres indígenas também temos direito ao local de fala, também temos capacidade e potencialidade [de articulação política]”, afirma.

Delegação Xavante no ATL, composta majoritariamente por mulheres(Acervo ISPN/Raisa Pina)
Delegação Xavante no ATL, composta majoritariamente por mulheres(Acervo ISPN/Raisa Pina)

Tsitsina é uma das várias lideranças mulheres que fazem política indígena no Brasil, como Edilena Krikati, Célia Xakriabá, Josi Kaingang, Nara Baré, Angela Kaxuyana, Puyr Tembé, Sônia Guajajara, Kerexu Guarani e tantas outras que coordenaram grande parte das atividades do Acampamento. Por isso, a diversidade de gênero deixou sua marca histórica neste evento, especialmente pela realização da primeira plenária LGBTQIA+ do ATL. Durante a reunião, Erisvan Guajajara, mediador da mesa, pediu o fim do preconceito. “Estamos nas aldeias, nos campos, na rua, na cidade e vamos continuar ocupando todos os espaços pois o nosso colorido da resistência está aqui para afirmar que nossa luta é pela vida, pelos nossos direitos. Basta de racismo, basta de transfobia, basta de violência”, reivindica.

 

Educação nas aldeias e nas cidades

A educação escolar  indígena foi discutida no Acampamento com especialistas. Professores e estudantes indígenas fizeram um balanço dos últimos anos das políticas e investimentos na educação escolar para povos indígenas e apontaram retrocessos e enfraquecimentos. “Não temos mais investimentos e não temos a presença de indígenas do Ministério da Educação”, afirma o professor e antropólogo Gersem Baniwa.

O Programa Bolsa Permanência também esteve na pauta. Estudantes indígenas trouxeram relatos das dificuldades que enfrentam atualmente. Rotokwy Gavião, graduando do curso de direito da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) afirmou que o ambiente universitário não está preparado para receber os povos indígenas. “É muito difícil se manter na faculdade, por isso precisamos lutar para tornar o Bolsa Permanência em lei, assim vamos amenizar as dificuldades que enfrentamos”, declarou.

Enquanto a lei permanente não chega, estudantes têm como alternativa acompanhar os editais do Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade – PIPOU, iniciativa da Vale e do ISPN. A última chamada selecionou 50 estudantes de cinco povos diferentes. O próximo edital será divulgado no segundo semestre deste ano. As novidades são publicadas no site do ISPN: www.ispn.org.br.

Autoria: Assessoria de Comunicação ISPN, com informações da APIB

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