Brasília amanheceu coberta pela fumaça de incêndios nesta segunda-feira (26/08)

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Artigo: Cidades tomadas por fumaça – como evitar?

Ao fazer uma queima prescrita em área estratégica, os incêndios acabam “morrendo de fome” por falta de combustível (vegetação seca) para alimentá-lo

 

Por Lívia Carvalho Moura, doutora em Ecologia e assessora técnica do ISPN

Nesta semana, várias cidades do interior de São Paulo reportaram estado de alerta com focos de calor e incêndios de grandes proporções no meio rural. O deslocamento dessa fumaça, somada a incêndios locais, fez com que cidades como Brasília, Belo Horizonte e Goiânia amanhecessem cobertas por um ar denso e cinza.

O Governo Federal se posicionou e declarou o fato como uma nova crise climática no país. A Polícia Federal foi acionada para investigar as causas dos incêndios, que indicam ter origens criminosas.

A grande questão é: como podemos evitar crises como essa? Sabemos que, uma vez instalado um incêndio de grandes proporções, dificilmente o combatemos com eficiência e sem prejuízos. Por isso, precisamos usar técnicas e ações de prevenção.

A prevenção, neste caso, conta primeiramente com o manejo adequado, feito para cada tipo de vegetação, considerando a situação de uso e ocupação em cada local. Com o manejo das áreas rurais, realizado de maneira planejada, é possível reduzir a ocorrência de incêndios (fogo descontrolado e indesejado) e, consequentemente, a fumaça, além de preservar a saúde das pessoas e contribuir com a biodiversidade.

O Manejo Integrado do Fogo (MIF) envolve um conjunto de ações preventivas para evitar incêndios. A recém-sancionada Política Nacional do MIF (Lei n.14.944/2024) indica a implementação de queimas prescritas planejadas, em áreas estratégicas de campos e savanas, onde a vegetação é adaptada ou dependente do fogo. Estas queimas ajudam a proteger as matas e florestas que sofrem com a passagem de qualquer fogo. Isso porque, quando se queima uma área, o combustível de uma faixa é eliminado e, se um incêndio vier a ocorrer posteriormente, ele não consegue se propagar.

Com mudanças e fenômenos climáticos cada vez mais comuns, não podemos contar com a sorte de não haver nenhuma fonte de ignição. Ao fazer uma queima prescrita em área estratégica, os incêndios acabam “morrendo de fome” por falta de combustível (vegetação seca) para alimentá-lo. Com áreas menores sendo queimadas de maneira controlada, a quantidade de fumaça diminui.

As populações que vivem no meio rural precisam ser envolvidas em ações de educação ambiental relacionadas ao tema fogo, monitoramento de suas áreas e entorno e recuperação de áreas degradadas. A população urbana também tem um papel fundamental a desempenhar por meio de denúncias, vigílias e conscientização.

Essas ações são parte essencial do MIF. Diferente do que se fala, MIF não é queima prescrita, e sim uma abordagem com várias ações e atividades, inclusive o combate e a prevenção de incêndios, todas com foco em reduzir os incêndios e os problemas associados.

No geral, os incêndios criminosos devem continuar, enquanto não houver conscientização e fiscalização adequada. Porém, estudos apontam que ao se
fazer o manejo de um território, conforme previsto no MIF, a ocorrência de grandes incêndios irá diminuir. Isso ocorre por conta, também, das áreas menores atingidas por incêndios após a aplicação de queimas prescritas, aceiros e recuperação de áreas degradadas. Com áreas menores sendo queimadas, a fumaça e a poluição geradas também são reduzidas.

A população local estando mais amparada, informada e empoderada, com ferramentas para melhorar o monitoramento e registrar ocorrências ou
denunciar crimes envolvendo o fogo, se espera uma diminuição na ocorrência de incêndios criminosos. Esta é uma combinação de fatores que o MIF tem como pressuposto e diretriz, que vai ajudar a diminuir e prevenir crises climáticas.

Precisamos celebrar a aprovação da Lei 14.944/2024, que cria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF), pois contamos com ela para melhorar o nosso entendimento sobre o fogo, enquanto cidadãos, e para lidar melhor com ele, manejando-o. A política é uma das maiores respostas às crescentes necessidades de adaptação e mitigação dos impactos dos incêndios, especialmente em tempos de mudanças climáticas.

Com a nova Política do MIF, as coisas podem mudar. O conhecimento tradicional, de povos e comunidades do Cerrado, já dizia há muito tempo que com o manejo adequado do fogo a probabilidade desses incidentes serem tão grandes e desastrosos é muito pequena.

Na última década, as instituições brasileiras reconheceram este valioso conhecimento e incorporaram o fogo como instrumento de manejo. Agora, o planejamento e o monitoramento participativo e adaptativo indicam que este é o melhor caminho a seguir para cuidar bem da natureza, da sociobiodiversidade e das pessoas.

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense.

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