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Alta no desmatamento no Cerrado pede urgência de atualização das políticas ambientais

Sistema de monitoramento precoce do Inpe, o Deter, registra recorde no mês de fevereiro, com quase o dobro na taxa de desmate do bioma Cerrado em relação a 2020

Dados do sistema de alerta mensal do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Deter, divulgados na sexta-feira, 10 de março, revelam um aumento no desmatamento no Cerrado em 97% no mês de fevereiro em relação ao último recorde registrado no mesmo período de 2020. Foram 557,8 km², um aumento impressionante em relação aos 282,8 km² de três anos atrás.

Segundo avaliação da coordenadora do programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo, o aumento da supressão de vegetação nativa, num mês chuvoso como fevereiro, está relacionado ao receio dos desmatadores em relação às novas políticas ambientais no Brasil.

“A chegada do atual governo, que garante mais compromissos com as pautas socioambientais, fez com que a corrida ruralista se acirrasse nos últimos meses, antes das novas políticas serem colocadas em prática¨, analisa Isabel.

Para ela, a expectativa com o governo Lula é que a presença do Estado consiga reprimir ilegalidades e implementar novas políticas ambientais, a começar pela atualização e implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado).

O PPCerrado prevê fomento às atividades sustentáveis; monitoramento e controle do desmatamento e das queimadas; criação e consolidação de Unidades de Conservação; e demarcação e homologação de Terras Indígenas. O Plano, criado em 2016, está em processo de revisão e atualização no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) sob o comando da ministra Marina Silva.

O MMA, em nota, afirmou que tomará medidas de fiscalização e controle, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e administrativas, para bloquear o acesso de imóveis com desmatamento ilegal ao crédito e à cadeia de compradores do agronegócio.

Neste aspecto, o assessor de Políticas do ISPN, Guilherme Eidt, lembra que o fato da União Europeia não ter incluído o termo “other wooded lands” ou “outras áreas arborizadas”, na legislação que regula as importações de commodities como soja, milho e algodão, terá efeito negativo sobre o bioma.

¨Ao não contemplar “outras áreas arborizadas” em sua normativa sobre devidas diligências e conformidade para evitar compra de commodities advindas de áreas recém desmatadas, a União Europeia deu sinal verde para o avanço do desmatamento em 74% do Cerrado”, destaca Guilherme. Segundo estudo do Mapbiomas para o WWF,  apenas 26% do Cerrado se enquadra no conceito de floresta, que considera altura e cobertura de dossel, elaborado pela Organização das Nações Unidas pela Alimentação e Agricultura (FAO).

“E, mesmo que haja a sinalização de que podem rever essa orientação nos próximos dois anos, a mensagem que eles estão passando é que está franqueado o avanço desmedido do agronegócio sobre sua vegetação nativa, com o acesso garantido ao mercado europeu para os produtores que desmatarem o Cerrado, reforçando o estigma de bioma de sacrifício derivado da baixa proteção que lhe confere a legislação florestal brasileira”, pontua Guilherme Eidt.  Em dois anos, podemos perder cerca de 20 mil km² de Cerrado, se o ritmo seguir acelerado.

Responsabilidade estadual

Responsáveis pela emissão das licenças ambientais em áreas de jurisdição estadual, os governos dos estados brasileiros também deverão se adequar à nova política ambiental nacional se quiserem estar em dia com a lei e com exportações no âmbito do comércio sustentável. Estudo realizado pelo Instituto Imaterra e a Universidade Federal da Bahia, mostrou que, no estado baiano, as autorizações para desmate apresentam muitas ilegalidades.

Uma série de irregularidades, incluindo conflitos com povos e comunidades tradicionais, uso de técnicas para captura de fauna que podem ser fatais e pareceres assinados por servidores sem qualificação técnica estão entre os achados do estudo, que analisou 16 processos do Instituto de Meio Ambiente da Bahia.

As autorizações em desconformidade com a lei ambiental resultaram na supressão de mais de 60 mil hectares de vegetação nativa nas Bacias do Rio Corrente e Rio Grande, no oeste baiano, região que abastece o Rio São Francisco. A Bahia faz parte da região do Matopiba, junto com Maranhão, Tocantins e Piauí, maior fronteira agrícola em expansão sobre o Cerrado.

O estudo foi lançado em julho do ano passado e está disponível aqui. Foi realizado em parceria com o ISPN e o WWF, no âmbito da iniciativa Tamo de Olho e do Projeto Ceres (Cerrado Resiliente), com financiamento da União Europeia. Entenda mais nesta matéria. 

Conservação

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ocupa 24% do território nacional e é considerado a savana mais biodiversa do mundo, concentrando 5% de toda a biodiversidade do planeta. Os três dos principais aquíferos do país, Bambuí, Urucuia e Guarani, correm nos subterrâneos do solo cerratense.

Nele, vivem cerca de 25 milhões de pessoas, distribuídas em 1.330 municípios de 11 estados brasileiros: Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, São Paulo, Paraná, Rondônia, além do Distrito Federal.

Entre essas pessoas, estão os povos e comunidades tradicionais como geraizeiros, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, indígenas e outros que contribuem para a conservação da sociobiodiversidade.

¨É urgente o reconhecimento dos territórios tradicionais como forma de garantir os direitos desses povos à terra e aos seus modos de vida, que representam uma grande contribuição para a conservação do Cerrado por meio do uso sustentável da biodiversidade ¨, destacou Isabel Figueiredo do ISPN.

O Cerrado presta um importante serviço para a regulação do clima, concentrando importantes sumidouros e estoques de carbono, especialmente abaixo do solo. O estoque de carbono do Cerrado ultrapassa 13 bilhões de toneladas.

Iniciativas em defesa do bioma vem sendo empreendidas por organizações da sociedade civil como o ISPN, em parceria com cerca de 50 organizações da Rede Cerrado, incluindo a recente campanha Vote Pelo Cerrado, que cobrou de políticos atitudes em defesa do “berço das águas do Brasil”. No portal cerrado.org.br, é possível conhecer algumas das importantes iniciativas em curso.

Entre elas, está o aplicativo para povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares (PCTAFs) brasileiros realizarem o automapeamento de seus territórios, o Tô no Mapa; e a iniciativa Tamo de Olho, que tem o objetivo de identificar casos emblemáticos de desmatamento e de violações de direitos territoriais de PCTAFs para a incidência junto aos órgãos públicos.

Também o Projeto CERES, por meio de uma parceria do ISPN com o WWF Brasil, WW Paraguai e WWF Holanda, com financiamento da União Europeia, atua para proteger a savana brasileira.  Seu objetivo é fortalecer a conservação da paisagem do Cerrado de forma inclusiva, valorizando um modelo econômico mais sustentável e integrado ao fortalecimento daqueles e daquelas que são os guardiões ancestrais do bioma.

 

Texto por Letícia Verdi/Assessoria de Comunicação do ISPN.

Foto do acervo ISPN/André Dib. Salto de 120 metros do Rio Preto, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

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