O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) manifesta profunda preocupação em relação ao recente adiamento da implementação da Regulação da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). A decisão da Comissão Europeia de postergar em um ano a entrada em vigor dessa legislação não apenas ameaça o impacto que a regulação teria sobre o controle do desmatamento, mas também põe em risco a proteção dos direitos humanos em áreas vulneráveis, como as terras indígenas e comunidades tradicionais no Brasil e em outras regiões.
Desde sua aprovação, a EUDR foi celebrada como uma das legislações mais inovadoras e ambiciosas do mundo no combate ao desmatamento associado a cadeias de commodities, como soja, carne bovina, óleo de palma, café, entre outros. No entanto, o adiamento traz o risco iminente de enfraquecimento dessa regulação, abrindo espaço para pressões do lobby agropecuário e outras indústrias que se opõem a medidas mais rigorosas de rastreabilidade e transparência.
É crucial que a União Europeia mantenha o escopo e o potencial máximo da EUDR. A rastreabilidade robusta nas cadeias de commodities, conforme sugerido em relatórios recentes, pode ter um impacto transformador no combate ao desmatamento e na promoção de condições mais justas para pequenos agricultores. No Brasil, a rastreabilidade já está em prática em diversas cadeias produtivas e iniciativas públicas e privadas (a exemplo do CAR 2.0 no Pará, o Sifma no Maranhão, e Boi na Linha, do Imaflora) e demonstram que o país está preparado para cumprir os requisitos da EUDR.
A posição do ISPN, em consonância com outras organizações da sociedade civil brasileira e internacional, é de que a Comissão Europeia deve assegurar que a legislação não sofra alterações substantivas que diluam seu propósito original. A EUDR não deve ser usada como moeda de troca em negociações comerciais, e sim como um pilar na luta contra o desmatamento e as violações de direitos humanos.
Um país que tem compromisso com o desmatamento zero até 2030, como o Brasil, jamais deveria se opor aos requisitos de transparência, rastreabilidade e conformidade legal que a normativa europeia determina. É preciso fazer a lição de casa e avançar na construção de um sistema público de rastreabilidade confiável: com dados robustos e verificados, acessibilidade pública ao sistema, e com transparência para que a sociedade civil possa monitorar, exercendo controle social. . São desejáveis, ainda: participação multissetorial, auditorias independentes periódicas, estabelecimento de mecanismos de reclamação, ligados a ações de fiscalização e remediação, com informações relevantes para todos os interessados, além de incentivos positivos para produtores sustentáveis.
A proteção dos biomas florestais e não florestais, de onde provêm as commodities destinadas à Europa, não deve ser colocada em espera. A implementação efetiva da EUDR é uma responsabilidade compartilhada que exige ação imediata e firme. Essa medida deve ser vista como uma oportunidade para promover cadeias produtivas sustentáveis e apoiar pequenos produtores, sem deixar de lado a necessidade de responsabilização e fiscalização rigorosa.
Pedimos à Comissão Europeia e aos estados-membros que reafirmem seu compromisso com o combate ao desmatamento e garantam a implementação efetiva da EUDR, sem concessões a interesses que coloquem em risco o futuro de nossos ecossistemas e das populações tradicionais, evitando qualquer espaço para retrocessos.