Produtos comercializados pela Central do Cerrado, utilizados nas refeições servidas no restaurante da sociobio na COP30. Foto: Joaquim Cantanhêde

Produtos comercializados pela Central do Cerrado, utilizados nas refeições servidas no restaurante da sociobio na COP30. Foto: Joaquim Cantanhêde

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Sociobiodiversidade no prato, territórios tradicionais conservados e protegidos: o clima agradece

Você já parou para pensar o quanto os eventos climáticos extremos afetarão a sua segurança alimentar e nutricional?

Ainda pouco falado, o aumento da insegurança alimentar no mundo como efeito do aquecimento global é um importante tema e requer ações imediatas para prevenir o caos nos sistemas alimentares, que mais uma vez vai afetar primeiro e mais intensamente as populações vulnerabilizadas. Cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) alertam sobre os riscos crescentes de escassez de alimentos gerados pelas quebras de safra devido a secas, inundações, estresse térmico em plantas e animais, aumento de pragas e doenças, além da perda de qualidade nutricional.

Esses impactos ganham mais potência ao encontrar o sistema alimentar mundial baseado na produção de poucas espécies em escala industrial – segundo estudo da FAO, apenas nove espécies de plantas cultivadas respondem por 66% da produção agrícola total e por mais de 90% das calorias consumidas.

Você pode estar se perguntando: essa monotonia alimentar é necessária? A resposta é não! Os agricultores tradicionais conhecem e cultivam mais de 6mil espécies alimentares, que estão presentes nos sistemas agroecológicos de produção e também na biodiversidade manejada nos territórios conservados por essas populações. Mas, por que essa diversidade não está em nosso prato todos os dias?

Quando analisamos o Brasil, esse quebra-cabeças ganha peças difíceis de encaixar. Nosso país é o quarto maior produtor mundial de alimentos, gerando importante divisas para a economia. A agricultura, por ser uma atividade dependente de um regime climático equilibrado e de outros fatores naturais de produção, a sustentabilidade ambiental deveria ser prioridade e compreendida como condição essencial pelos agricultores e pelas políticas agrícolas. No entanto, os estudos demonstram o contrário: a produção agropecuária, o desmatamento e os incêndios florestais respondem por 70% das emissões brasileiras de gases causadores do aquecimento global, retroalimentando os riscos de sustentabilidade da agricultura, ou seja, ao mesmo tempo que afeta, a agricultura brasileira é afetada pelas mudanças do clima.

A boa notícia é que um outro caminho é possível, ladrilhado por sistemas alimentares biodiversos, inclusivos e sustentáveis, embora as políticas públicas ainda estão distantes de apontar para essa direção. Basta analisar a aplicação dos recursos do Plano Safra, principal política de crédito para a produção de alimentos do país, destina menos de 1% dos recursos disponíveis para as cadeias de valor e economias da sociobiodiversidade.

E como esse caminho é possível?

O Brasil é campeão em diversidade de espécies vegetais e animais do mundo e também é a terra de diversos povos originários e comunidades tradicionais. Diversidade, conhecimento tradicional e modos de vida sustentáveis juntos resultam na imensa sociobiodiversidade brasileira. Essa riqueza presente na diversidade de produtos, saberes, sabores e na alta qualidade nutricional é desconhecida por grande parte dos brasileiros, é pouco presente no mercado, ou ainda, possui preços inacessíveis. Tudo isso são barreiras transponíveis e a potência do Brasil nos convida a debater e a exigir o direito à alimentação adequada proveniente de um novo sistema alimentar que valoriza e viabiliza a chegada dos alimentos da sociobiodiversidade em nossa mesa.

Aos poucos alguns desses produtos vem ganhando seu lugar à mesa, como a castanha do Brasil e o açaí, mas ainda temos um universo alimentar a descobrir e inserir em nossas refeições alimentos como pequi, bacaba, mangaba, cagaita, murici, bacuri, uxi, uvaia, pinhão, babaçu, baru, jatobá, umbu… ter pães fabricados com farinhas jatobá, macaúba, baru, babaçu, licuri… tudo produzido em sistemas agrícolas agroecológicos e extrativistas, produtores também de conservação da biodiversidade, das águas e de outros serviços da natureza.

As economias da sociobiodiversidade oferecem ao mundo respostas, produtos e serviços para a transformação dos sistemas alimentares, com mais biodiversidade e qualidade nutricional no prato, mais resistentes aos riscos climáticos e maior capacidade adaptativa aos impactos do clima na produção de alimentos, descritos acima. Além disso, a sociobioeconomia reconhece a importância dos modos de vida sustentáveis de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais na luta em defesa de direitos e proteção dos seus territórios, na inclusão socioprodutiva de famílias vulnerabilizadas, no reconhecimento do protagonismo das mulheres nas cadeias de valor e no engajamento das juventudes junto aos seus territórios.

Como uma chama de esperança, a experiência do restaurante da Sociobiodiversidade na Conferência do Clima em Belém comprova que esse caminho é possível. Estruturado na Zona Azul, área oficial da conferência, o restaurante da Central do Cerrado em consórcio com a Rede Bragantina de Agroecologia, forneceu quatro mil refeições diárias, durante os 13 dias da COP30 a um preço de R$ 40,00, incluindo um copo de suco de frutas nativas e uma sobremesa.

Refeições elaboradas com alimentos produzidos de forma agroecológica ou provenientes do extrativismo sustentável dos biomas brasileiros, adquiridos de mais de 80 associações e cooperativas comunitárias de todo o país. No prato, arroz e feijão, hortaliças, frutas dos biomas, carnes e peixes de manejo tradicional, doces artesanais, farinhas, molhos, pimentas…A sociobiodiversidade na prática, nutrindo quem discutia justamente soluções para a superação da crise climática e o futuro do planeta.

Essa experiência deixou um legado: demonstrou, na prática, que o Brasil pode e deve ser referência mundial em sistemas alimentares mais sustentáveis e ricos em sociobiodiversidade.
O Instituto Sociedade, População e Natureza se orgulha em fazer parte dessa história: apoia o processo de fortalecimento organizacional da Central do Cerrado, desde a sua fundação, e de centenas de organizações agroextrativistas que diariamente trabalham na esperança de serem reconhecidas pela sociedade e pelo Estado brasileiro como agentes de transformação e soluções climáticas, fundamentais, para a revolução necessária do sistema alimentar mundial.

Artigo publicado orginalmente no Brasil de Fato.

Autoria: Silvana Bastos / coordenadora do Programa Sociobiodiversidade do ISPN

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