O teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, ficou lotado no dia 9 de setembro de 2025 para receber Ropni Mẽtyktire, o cacique Raoni. Pertencente ao povo Mẽbêngôkre, conhecido como Kayapó, ele apresentou sua biografia intitulada Raoni – Memórias de um cacique, obra que percorre sua trajetória de vida, realizações, sonhos e visões de mundo.
Reconhecido mundialmente pela luta em defesa dos direitos indígenas e da paz, Raoni travou sua luta desde o chão do território até as mais altas instâncias de poder no Brasil e no mundo. Sempre defendeu o diálogo como caminho, pedindo respeito aos povos indígenas e aos direitos que lhes cabem.

Falando na língua tradicional, o Mẽbêngôkre, o líder transformou o evento literário numa espécie de ritual. Entre cantos, discursos e emoções, a ocasião se configurou espaço de transmissão de conhecimentos no qual memória, espiritualidade e política se entrelaçaram. E ele, que além de liderança é também pajé, reafirmou a mensagem que orienta a sua trajetória: não há separação entre memória, espiritualidade e política. Tudo converge para o caminho do bem-viver.
“Falo pro meu povo respeitar os brancos e assim como eu falo para as autoridades de vocês respeitarem nosso povo também. Porque só quero que a gente viva bem e em paz um com o outro. Minhas palavras são para o nosso bem-viver. Guardem minhas palavras porque elas são apenas para o nosso bem-viver”, afirmou o cacique.
Oralidade como fio condutor
O livro é resultado de cinco anos de trabalho, coordenado pelo Instituto Raoni em parceria com a Companhia das Letras e apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e do Instituto Socioambiental (ISA). A biografia foi elaborada a partir de sessões de conversa de Raoni com seus netos e familiares, gravadas pelo cineasta Simone Giovine. As transcrições foram feitas pelos netos Beptuk Mẽtyktire, Patxon Mẽtyktire e Paymu Txucarramãe, com edição do antropólogo Fernando Niemeyer. O processo não foi apenas de registro, mas também de tradução cultural, um exercício de fidelidade à fala do avô e, ao mesmo tempo, de passagem de saberes entre gerações.
“Nas entrevistas o vovô contou coisas que nem sabíamos sobre a nossa cultura e sobre os primeiros contatos com os brancos. Contou situações vividas com pessoas que estiveram com ele, como no período da Constituinte”, relatou Patxon Mẽtyktire.
“Esse livro com tantas histórias vai servir para as próximas gerações Kayapó que não terão oportunidade de conhecer nosso avô”, afirmou Paymu.
Já Beptuk resumiu: “O livro se torna um meio de conhecimentos, quando nosso avô se for, nós seremos o museu dele. Leiam com atenção e com carinho, pois é uma lição de viver bem nesse mundo”.
As falas dos netos também revelaram o compromisso de manter vivo o pensamento do avô: “Na tradução, tivemos a preocupação de não perder o sentido original. Foi um aprendizado que também nos aproximou da nossa própria cultura”, completou Patxon.
Espiritualidade e política como uma só voz

Ao narrar sua vida, Raoni não separa espiritualidade e política. Suas visões de pajé, os encontros com espíritos da floresta e a relação com a natureza se integram com a luta pela demarcação das terras indígenas. O antropólogo Fernando Niemeyer, que também acompanhou o lançamento, observou que o cacique nunca deixou de falar a partir de sua cosmovisão Mẽbêngôkre, mesmo quando dialogava com chefes de Estado ou em grandes fóruns internacionais. Para o antropólogo, a força de Raoni é tamanha que o torna uma referência que transcende o tempo.
“Acho que Raoni é eterno, daqui há muitos séculos ele será lembrado. Só de estar perto dele a gente sente a força que ele carrega. O lugar espiritual que ele acessa como pajé é muito importante para a sua atuação política”, disse.
Niemeyer contou ainda que, para Raoni, defender o território é também proteger os seres espirituais que habitam a floresta, os rios e os animais. Trata-se de uma visão cosmológica que vai além do conceito ocidental de “meio ambiente” e aponta para a interdependência e a colaboração entre humanos, espíritos e natureza.
Memória viva para indígenas e não indígenas
Um canto de celebração Mẽbêngôkre entoado pelos netos e familiares presentes marcou o fim do evento. Mais do que um gesto de encerramento, comunicou que a luta indígena é coletiva e ancorada na cultura e na espiritualidade. Entre memórias pessoais e narrativas compartilhadas, a biografia reforça que diálogo, respeito e compreensão do outro são caminhos para a paz. Um ensinamento que ultrapassa fronteiras culturais.

“Temos muito orgulho de ter apoiado a publicação do livro do Raoni. Mais do que um relato pessoal, é um documento de valor coletivo que vai contribuir para o aprendizado e inspiração de futuras gerações, indígenas e não indígenas”, destacou Fábio Vaz, coordenador executivo do ISPN.
Para adquirir um exemplar do livro, acesse o site da Companhia das Letras.