“Temos uma ligação forte com a agricultura familiar, estudar aqui é como estar em uma segunda casa”, afirma o estudante Paulo Lopes sobre a vivência como aluno na Casa Familiar Rural (CFR) de Itapecuru-Mirim (MA), onde cursa o ensino médio. O local faz parte de um contexto de educação voltada para a realidade do campo, no qual os Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) trabalham com a juventude, filhos e filhas da agricultura familiar.
São instituições comunitárias, sem fins lucrativos, que adotam a pedagogia da alternância, na qual estudantes alternam períodos presenciais na escola e aplicação nos espaços familiares ou comunitários no campo. Envolvem um processo de identificação de necessidades locais, construção conjunta de soluções, valorização dos saberes populares, desenvolvimento sustentável e permanência com dignidade no meio rural. Combinam aulas regulares com disciplinas ligadas à agricultura familiar e demais temas sociais relacionados ao território.
Hoje, no Brasil, são mais de 240 CFRs e cerca de 157 Escolas Família Agrícolas (EFAs). No Maranhão, existem 18 CFRs e 19 EFAs, segundo os dados da Federação das Casas Familiares Rurais do Maranhão (Fecafar), do Instituto de Representação, Coordenação e Assessoria das Associações das Casas Familiares Rurais no Maranhão (Ircoa) e da União das Associações das Escolas Famílias Agrícolas do Maranhão (Uaefama).
As CRFs e as EFAs são, em geral, coordenadas por associações comunitárias locais, compostas por representantes das famílias de agricultores, representantes da comunidade local e educadores, mas também podem ser geridas por parceiros institucionais como sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e igrejas. Muitas vezes são mantidas pela doação das famílias de alunos, por convênios com organizações, parcerias com governos e até a captação de recursos de editais públicos ou privados.

Sucessão familiar
O campo enfrenta uma diminuição gradual da população rural. Em 2012, eram 30,2 milhões de pessoas, e em 2024 esse número caiu para 26 milhões. O Maranhão segue como um dos estados mais rurais do país: 2 milhões de pessoas vivem no campo, representando 28% da população total do estado. Esses dados são do Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A monitora da disciplina de agronomia e responsável pela parte prática na CFR do município de Zé Doca, Olga Oliveira dos Anjos, ressalta que o papel do jovem no meio rural está muito ligado à sucessão familiar. O agricultor familiar enfrenta dificuldade para estimular os jovens da família a trabalharem na unidade produtiva e na permanência na propriedade rural.
“O papel dessas instituições é mostrar para o jovem que ele não precisa sair do campo para ter oportunidade de trabalho. Caso seja uma vontade continuar atuando nesse meio, empreendendo como agricultor familiar na sua unidade produtiva ou desenvolvendo outras atividades profissionais que auxiliam no desenvolvimento do meio rural, existem várias possibilidades e os CEFFAs mostram serem possíveis”, explica a monitora.

As iniciativas de educação do campo propiciam o acesso à educação contextualizada para filhos e filhas de agricultores familiares, sem que eles precisem se afastar das famílias. Os jovens se dividem entre o tempo-escola e tempo-comunidade, onde, para além de um conteúdo técnico agrícola, o currículo escolar é orientado pelos princípios da agroecologia.
Alunos como Paulo Lopes possuem uma vivência de trabalho nas unidades produtivas de suas famílias, criando pequenos animais e cultivando alimentos para comercialização e autoconsumo. Esse também é o caso da aluna Jaciele Oliveira, filha de agricultores, que desenvolve na CFR de Zé Doca atividades e adquire conhecimentos com o intuito de continuar melhorando o trabalho que seus pais já realizam.
“Além do aprendizado, a gente adquire a experiência. Botamos a mão na massa e aprendemos novas coisas para podermos aplicar na área da nossa família. O sistema agroflorestal é um desses novos aprendizados que tive aqui na CFR, que é um sistema que posso levar para a minha comunidade e replicar com os meus pais”, comenta Jaciele Oliveira.

Formação para a transição agroecológica
Para fortalecer o movimento de conservação ambiental integrado à geração de renda sustentável para as famílias do campo, o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em parceria com as CFRs de Itapecuru-Mirim e Zé Doca, e também a EFA do município de Cantanhede (MA), promoveu o curso “Fundamentos e Ecologia dos Sistemas Agroflorestais”.
Cerca de 40 jovens estudantes das unidades participaram da formação que ocorreu nos meses de outubro e novembro de 2024. Além da capacitação, que uniu teoria à prática, os alunos puderam vivenciar o processo de implementação de um Sistema Agroflorestal (SAF) nas áreas das instituições em janeiro deste ano. Professores, membros das comunidades locais e representantes de associações e sindicatos participaram do processo de formação.
Foi no curso que a jovem estudante da CFR de Itapecuru-Mirim Ana Clara Rodrigues teve o primeiro contato mais aprofundado com essa forma de trabalhar a terra. O SAF se apresenta como uma alternativa para recuperar áreas degradadas em seu território. “Apesar de ser uma região rural, meu povoado tem muitas áreas degradadas. Acredito que essas áreas podem ser recuperadas com o SAF. É um sistema que tem muito potencial para o nosso território”, afirma.

Filha de agricultores familiares, Ana Clara já atua com a suinocultura para consumo próprio, mas acredita que o SAF pode representar um passo adiante para a sua comunidade. “Foi uma experiência muito enriquecedora participar do curso, tanto por conhecer novas pessoas de outros lugares, quanto pelo conteúdo. Eu não conhecia tanto o SAF e agora vejo o quanto ele pode ajudar o meio ambiente, gerar renda e reflorestar áreas degradadas”, comenta.
E é nessa transição agroecológica — processo gradual de mudança de sistemas convencionais para sistemas baseados em princípios agroecológicos, buscando a sustentabilidade — que os jovens do campo podem ser protagonistas na atuação. É o que defende o coordenador da EFA de Cantanhede, Paulo Henrique Coelho, que vê grande potencial na formação dos jovens para a disseminação da cultura agroflorestal como solução para enfrentar a crise climática.
“Os jovens das famílias camponesas são a nossa sucessão rural, vão assumir as comunidades e as lideranças das associações. São o futuro dessa comunidade, sendo esse futuro com mais acesso à informação e capacidade de implementar Sistemas Agroflorestais nas suas unidades produtivas familiares e também nas comunidades circunvizinhas da sua escola, do seu município e território rural”, explica o coordenador da EFA.

Sistemas Agroflorestais
Apesar de ainda recentes, os SAFs implementados como parte prática do curso “Fundamentos e Ecologia dos Sistemas Agroflorestais” já mudam a paisagem das CFRs e EFA. A experiência de recuperação de uma nascente na área de implementação na EFA de Cantanhede mostra como o SAF é uma importante ferramenta para recuperação de áreas degradadas, que combina árvores frutíferas e madeiras com culturas agrícolas e/ou criação de animais, para otimizar o uso da terra, conciliando produção de alimentos e conservação ambiental.
Além de restaurar, esse sistema representa uma alternativa sustentável e resistente, ajudando a equilibrar o clima local e promovendo mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O consultor do ISPN e engenheiro florestal Luan Harmon, que ministrou o curso e acompanhou a implementação dos SAFs nas escolas, afirma que o impacto dessa educação diferenciada é transformador.
“Os jovens não só se interessam pela parte produtiva, mas também pelo papel do sistema na regeneração do solo, no aumento da biodiversidade e na melhoria da qualidade de vida no campo. Ficam muito motivados quando compreendem a lógica dos estratos florestais e da sucessão ecológica e, mais ainda, quando chega o momento de colocar tudo em prática, participando do plantio e vendo o sistema ganhar forma diante dos próprios olhos”, comenta.
Os CEFFAs buscam fortalecer o senso de comunidade e a vivência coletiva, formando para além de trabalhadores rurais: é uma construção da autonomia, senso crítico e desenvolvimentos de várias habilidades. Um dos principais objetivos dessas instituições é mostrar que é possível viver e trabalhar no campo com dignidade, sem precisar migrar por falta de oportunidades.

Outras iniciativas e apoios
O ISPN lançou em 2024 o Caderno Didático sobre Agroecologia e Sociobiodiversidade do Cerrado, voltado para educadores e estudantes dos CEFFAs e de cursos técnicos ligados à agricultura familiar. O caderno oferece conteúdos contextualizados sobre agroecologia e sociobiodiversidade do Cerrado, alinhados à realidade do campo e aos princípios da Pedagogia da Alternância. Objetivo é apoiar a formação técnica e humana, fortalecendo práticas sustentáveis e a identidade da agricultura familiar na região.
Ainda no âmbito de apoio e fortalecimento de iniciativas comunitárias, os editais 38 e 39 do Fundo Ecos do ISPN, lançados em 2024, tinham como foco a seleção de iniciativas lideradas por mulheres e jovens no contexto da educação do campo. Estão sendo apoiados dez projetos executados por CEFFAs no Maranhão, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Goiás, incluindo um projeto submetido pela CFR de Zé Doca ao Edital 38.
Não é a primeira vez que esta CFR acessa o Fundo Ecos. Em 2019, com recursos do edital, foi possível construir o novo prédio da escola, ampliando significativamente a capacidade de atendimento e melhorando as condições para estudantes e educadores.
“Para a direção da CFR de Zé Doca, ser novamente contemplada pelo Fundo Ecos é motivo de alegria e expectativa, pois permitirá concluir obras e melhorar a infraestrutura, ampliando as oportunidades de formação para jovens do campo e ajudando a reduzir o êxodo rural”, conclui a monitora Olga Oliveira dos Anjos.