O agricultor Márcio Nascimento em meio as pimentas e babaçus. Ele ressalta que o trabalho na unidade produtiva da família é baseado na conservação do meio ambiente. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

O agricultor Márcio Nascimento em meio as pimentas e babaçus. Ele ressalta que o trabalho na unidade produtiva da família é baseado na conservação do meio ambiente. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

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Agricultura familiar: força que protege a biodiversidade e garante soberania alimentar

No Dia Internacional da Agricultura Familiar (25/07), iniciativas agroecológicas mostram que é possível produzir alimentos saudáveis, gerar renda e conservar a natureza

Após uma tentativa frustrada de formar pastagem para o gado, o agricultor familiar e assentado da reforma agrária, Roque Tomé, decidiu mudar totalmente a paisagem de sua unidade produtiva na comunidade Fala Cantando, no município de Bacabal (MA), a 250 km da capital São Luís. O que ele chama de “ouro verde” é a diversidade de espécies frutíferas que cobrem a propriedade há cerca de cinco anos, com um trabalho baseado na agricultura agroecológica e na implementação gradativa de áreas de Sistemas Agroflorestais (SAFs). 

No lote do agricultor, encontramos cajá, manga, pupunha, graviola, acerola, limão, caju, açaí, bacuri, pimenta e mais de dez variedades de banana. No período da chuva, ele planta  milho, feijão e melancia. Em meio aos desafios do campo e de manter essa diversidade de cultivo orgânico, o agricultor conta com o apoio de dois filhos e um genro para tocar o trabalho. O carro-chefe é a banana, colhida pelo menos quatro vezes ao mês, que garante um bom investimento na continuidade de melhorias na propriedade.  

“Tentamos fazer pastagem e não deu certo. Quando eu olhava essa terra descoberta, ficava sempre pensando em como recuperar. Eu plantava milho e feijão, colhia e acabava ali, na colheita. Plantar árvores frutíferas se apresentou como uma vantagem a partir de uma visita de um técnico e da assessoria que recebemos continuamente da Assema [Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão], que me mostrou possibilidades. A variedade cobre o solo e pode ser combinada com os cultivos tradicionais. Assim a gente tem colheita o ano todo”, comenta Roque. 

O agricultor familiar Roque Tomé enquanto planta uma muda de açaí em janeiro deste ano. A expansão de sua área de SAF na propriedade contou com apoio da comunidade e de técnicos da Assema e do ISPN. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Márcio do Nascimento, genro de Roque, também trabalha no sistema agroflorestal da propriedade. “Gostamos de trabalhar com o SAF e essa diversidade de árvores. Quando estamos dentro do sistema, é sombreado porque temos as árvores e também deixamos as palmeiras de babaçu, que são nativas dessa terra. Buscamos aliar o nosso trabalho com a conservação do meio ambiente”. 

Nas mãos da agricultura familiar, os SAFs transformam áreas degradadas em espaços produtivos, vivos e capazes de guardar carbono — ao invés de liberá-lo na atmosfera. Isso significa capturar e manter o carbono presente na atmosfera em forma de matéria orgânica, principalmente no solo e na vegetação, reduzindo a quantidade de dióxido de carbono (CO₂) livre, um dos principais gases responsáveis pelo aquecimento global. 

A diversidade de espécies — frutíferas, madeireiras, nativas e cultivos tradicionais — combinada ao uso de insumos orgânicos ativa a vida do solo, melhorando sua estrutura, fertilidade e capacidade de reter água. Esses arranjos de múltiplos níveis criam sombra, reduzem a temperatura do solo e da atmosfera e diminuem perdas — em outras palavras, fortalecem a resiliência climática. 

“Olho para tudo e penso: cheguei quase onde eu queria. Ainda não está tudo coberto, mas continuamos plantando e apostando no SAF para seguir melhorando. Além da renda, estamos recuperando o solo da propriedade, porque um solo descoberto não traz nada de bom. Tenho a grande satisfação de ter minha família junto comigo nessa aposta e queria muito mostrar para todos que vale a pena produzir dessa forma. É um ouro verde e tenho muito orgulho de tudo que estamos realizando aqui”, diz Roque Tomé.

Roque Tomé mostra o cajá colhido em sua unidade produtiva. O que ele chama de “ouro verde” é o resultado de um trabalho agroecológico feito ao longo de cinco anos. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Como produzem para mercados locais e autoconsumo, as famílias geram renda diversificada e conservam biodiversidade, sementes e conhecimento tradicional. Por integrar produção de alimentos, restauração ecológica e cuidado intergeracional com a terra, a agricultura familiar, que em sua maioria trabalha com base em práticas agroecológicas, é parte essencial das soluções para enfrentar a crise climática. Experiências como essas da comunidade de Fala Cantando em Bacabal (MA) demonstram que a agricultura familiar é peça central na transição para sistemas mais resilientes e justos, capazes de produzir alimentos saudáveis, gerar renda e preservar a natureza. 

Números

Se fosse um país, a agricultura familiar brasileira seria a oitava maior produtora de alimentos do mundo. O setor representa 3,9 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, o que equivale a 77% do total, ocupando apenas 23% da área agrícola. Empregando 67% da mão de obra da agropecuária (10,1 milhões de pessoas), responde por 23% do valor bruto da produção nacional (R$ 107 bilhões), é fonte de renda para 40% da população economicamente ativa e entre os municípios com até 20 mil habitantes (que representam 68% do total de municípios brasileiros), 90% têm sua economia dinamizada pela agricultura familiar (Dados do Anuário da Agricultura Familiar de 2023 e Censo Agropecuário de 2017 do IBGE). 

Mas, diante dos impactos cada vez mais severos ao campo, é essencial investir em ações de fomento à agricultura familiar. Os mercados institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são ferramentas estratégicas. Eles oferecem renda estável e garantem a comercialização da produção familiar, ao mesmo tempo em que asseguram uma alimentação adequada em escolas e outras instituições públicas. Ao conectar quem produz de forma sustentável com políticas de abastecimento, essas iniciativas promovem segurança alimentar, saúde coletiva e desenvolvimento sustentável.

Aquisição de alimentos pelas escolas

Na Terra Indígena Rio Pindaré, no norte do Maranhão, o povo Guajajara conduz uma experiência de sucesso para escoar a produção além do autoconsumo das famílias. Liderança indígena do território e agricultora familiar, Vanussa Guajajara, da aldeia Piçarra Preta, comenta que a comercialização era uma grande dificuldade para a produção dos agricultores indígenas. “Trabalhamos com agricultura familiar no território e a venda era uma problemática. Quando surge a oportunidade do PAA para os povos e comunidades tradicionais em 2023, temos a garantia de um preço justo e mais segurança para continuar produzindo”, diz. 

A liderança indígena e agricultora familiar, Vanussa Guajajara colhe milho fornecido para o PAA. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

A oferta de frutas e verduras é ampla e sazonal, garantindo uma alimentação equilibrada e diversificada. Para Vanussa, o grande ganho da comercialização do PAA é a variedade e qualidade da alimentação das crianças nas escolas, pois abastece as instituições no território com comida saudável. “O aluno consome algo produzido dentro da sua própria comunidade e, sobretudo, é algo orgânico, sem nenhum tipo de aditivo químico. É uma valorização da forma de trabalho dos povos indígenas, nos baseamos na conservação da biodiversidade e adotamos práticas que preservam a riqueza do nosso território”, declara. 

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), ao longo de 35 anos de trabalho, vem fornecendo assistência técnica para Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares (PIPCTAFs) no cultivo sustentável de alimentos e na criação de animais de pequeno porte nos estados em que atua, como o Maranhão. Produtores como Roque Tomé e Vanussa Guajajara, que recebem esse apoio técnico, aliam saberes tradicionais e inovação para seguir com um trabalho que fortalece seus sistemas produtivos tradicionais, potencializa a produção comunitária e contribui para a mitigação climática, em tempos de crise do clima. 

O Dia Internacional da Agricultura Familiar, 25 de julho, é um marco que reforça que sem agricultura familiar não há soberania alimentar e nem biodiversidade protegida. São essas famílias que mantêm variedades de alimentos, recuperam solos, manejam sistemas agroecológicos e ajudam a frear a degradação ambiental. Apoiar essas famílias é também investir em biodiversidade e na produção sustentável.

Como produzem para mercados locais e autoconsumo, as famílias geram renda diversificada e conservam biodiversidade, sementes e conhecimento tradicional. Foto: Ariel Rocha/Acervo ISPN

Autoria: Ariel Rocha/Assessoria de Comunicação do ISPN

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