“Estar na Universidade é uma conquista coletiva. Não estamos sozinhos: levamos conosco as histórias de nossos ancestrais, os ensinamentos dos mais velhos, os sonhos das novas gerações”. Com essas palavras, a estudante de Letras, Elizete Kambeba, do povo Kambeba, abriu o 1º Encontro de Discentes Indígenas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), realizado nos dias 30 de junho e 1º de julho, em Marabá (PA).
O evento marcou um momento inédito na trajetória da instituição: foi a primeira vez que estudantes indígenas se reuniram para refletir coletivamente sobre a presença indígena no ensino superior. A atividade foi promovida pelo projeto (Re)existências: Programa de Permanência Indígena na Unifesspa, iniciativa construída pelo Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (Nuade), Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis (Proex) e representantes do Coletivo de Estudantes Indígenas, com apoio do Programa Indígena de Permanência e Oportunidades na Universidade (PIPOU) — uma parceria entre o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e a Vale, que contou com apoio empresa Double Arrow, por meio do Programa Partilhar.
Sob o tema da Educação Superior Indígena, o evento acadêmico e cultural foi pautado por saberes e demandas dos estudantes indígenas, de diferentes cursos de graduação e pós-graduação da Unifesspa, dos campi de Marabá, Parauapebas, São Félix do Xingu, Cumaru do Norte e Santana do Araguaia. Com foco na educação superior indígena, o encontro foi marcado por mesas de debate, apresentações culturais com cantos, danças e pinturas corporais.
Presença indígena transforma a universidade

Atualmente, a Unifesspa conta com cerca de 290 discentes de diversos povos indígenas, são eles: Amanayé, Atikun, Awaeté-Parakanã, Anambé, Aparai, Arapium, Asurini do Tocantins, Galibi-Marworno, Gavião Akrãtikatêjê, Gavião Kyikatêjê, Gavião Parkatêjê, Guajajara, Guarani, Guarani-Mbya, Karajá, Kayapó Mebêngôkre, Munduruku, Panará, Suruí-Aikewara, Tikuna e Xikrin.
Bolsista do PIPOU, Elizete Kambeba reforçou na sua fala de abertura a força, a luta e a resiliência histórica dos povos indígenas e também a conquista e os desafios do coletivo nessa Universidade. O seu discurso resume ainda muitas falas de demais estudantes e educadores indígenas durante o evento:
“Chegar à universidade não foi simples e continua sendo um desafio. Temos que, constantemente, romper os muros da exclusão, resistir aos preconceitos e lidar com políticas públicas que ainda não nos atendem adequadamente. Mas continuamos resistindo, lutando por nossos direitos. Estamos aqui não só para aprender, mas também para ensinar. Levar nossos saberes, nossas cosmovisões, nossos modos próprios de existir e de pensar o mundo. A presença indígena nas universidades transforma o espaço acadêmico, descoloniza saberes, amplia horizontes”.
Para Takak Xikrin, representante do coletivo de estudantes indígenas, o evento foi mais que simbólico: “É um momento histórico. Hoje, somos muitas etnias ocupando esse espaço. Apesar dos desafios, mostramos que somos capazes e que seguimos o legado de nossos ancestrais.”
Desafios e compromissos
As mesas redondas abordaram temas como políticas de permanência, diversidade cultural, racismo institucional e o papel da universidade na valorização dos saberes indígenas. Entre os principais problemas relatados pelos estudantes estão a falta de políticas específicas, a precariedade da infraestrutura — como moradia estudantil — e o difícil acesso a bolsas e materiais didáticos.
O reitor da Unifesspa, Francisco Ribeiro, anunciou que a universidade está em processo de criação de uma Pró-Reitoria de Ações Afirmativas, que incluirá políticas voltadas a indígenas e quilombolas. “Este encontro passa a integrar a agenda institucional da Unifesspa. Reconhecemos a importância dos povos originários para nossa universidade e para a sociedade brasileira”, afirmou.
Já o secretário adjunto dos Povos Indígenas do Pará, Wyratan Sompré, enfatizou o evento como espaço de compromisso mútuo: “Não é apenas um encontro, mas uma afirmação da nossa capacidade de ocupar e transformar espaços que também são nossos.”
A coordenadora do Nuade, professora Karla Rascke, resumiu o significado do momento: “Este encontro é a expressão concreta da presença, da sabedoria e da resistência indígena no território universitário.”
Encaminhamentos

Ao final do evento, foram elaboradas propostas de ações, como o fortalecimento do coletivo indígena na Unifesspa; a criação de um plano participativo de permanência; a formação de servidores em interculturalidade, antirracismo e direitos indígenas; além da realização de novos fóruns e encontros e do incentivo a intercâmbios com outras universidades.
Para Francisco Tukano, assessor técnico do ISPN no PIPOU, o encontro se consolidou como um espaço potente de escuta, articulação e construção coletiva em defesa de uma universidade que reforça e valoriza a presença indígena.
“São fundamentais parcerias com as universidades, pois a formação e a permanência de estudantes indígenas precisam ser plenas e verdadeiramente inclusivas, em todos os sentidos e espaços. E são os próprios estudantes que, com suas iniciativas, demonstram o protagonismo na construção de um diálogo legítimo dentro da universidade. Ações como esse encontro contribuem para tornar o ambiente acadêmico mais aberto, diverso e enriquecedor”, afirmou.
Apoio às universidades
Criado em 2021, o PIPOU tem se consolidado como uma importante iniciativa para apoiar estudantes indígenas no ensino superior brasileiro. Coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o programa atua em duas frentes principais: apoio direto a estudantes e incentivo a projetos institucionais.
A primeira frente é voltada ao apoio individual, por meio da concessão de bolsas de estudo e doação de notebooks a estudantes indígenas de graduação. Os beneficiários também participam de atividades formativas, como oficinas de escrita acadêmica e rodas de conversa sobre direitos indígenas e formação política.
A segunda linha de ação envolve o fomento a projetos desenvolvidos por Instituições de Ensino Superior (IES) e coletivos de estudantes indígenas, e são voltados à criação de ambientes mais acolhedores e à construção de políticas efetivas de permanência universitária. Essa é uma estratégia que visa ampliar o número de estudantes que são beneficiados pelo programa, ao fortalecer as políticas públicas de permanência e os diálogos entre gestores e coletivos indígenas.