Em meio a pressões externas e invasões, ações de grupos organizados por indígenas em monitoramento e sensibilização ambiental fortalecem a proteção territorial
Durante a 3ª Campanha de Sensibilização da Terra Indígena (TI) Rio Pindaré no Maranhão, realizada entre os dias 5 e 8 de maio em aldeias do território, a proteção territorial como uma estratégia crucial foi debatida pelo povo Tentehar (Guajajara). A TI, que é “imprensada” por alguns municípios e transpassada pela BR-316, enfrenta invasões para a caça e pesca predatórias e a extração ilegal de madeira, além de ser impactado pelo desmatamento para a pecuária extensiva nos arredores que nem sempre respeitam — de maneira intencional — os limites da demarcação.
Composta por 15 mil hectares de terra, a TI Rio Pindaré está localizada no município de Bom Jardim, tendo seus limites acercados também pelas cidades de Santa Inês, Pindaré-Mirim e Alto Alegre do Pindaré. É neste cenário de ameaças que os grupos de vigilância e monitoramento atuam para proteger o território, sendo entre os principais o de mulheres Wiriri Kuzà Wà; os Guardiões da Floresta e a Brigada Voluntária de Incêndio. Na Campanha de Sensibilização, esses grupos e a comunidade discutiram temas ligados à relação do povo Guajajara com o seu território, o que engloba proteção, reflorestamento, crise climática e saúde indígena.
Integrados por indígenas Guajajara que vivem na TI, esses grupos são responsáveis por enfrentar os impactos externos causados pelas invasões e outras atividades ilícitas em um dos últimos fragmentos da Floresta Amazônica no Maranhão. São 100 mulheres da Wiriri Kuzan Wa, 24 Guardiões da Floresta e 15 brigadistas voluntários. Apesar dos conflitos ainda existentes, o combate à exploração ilegal e predatória de recursos naturais e o reflorestamento feito nas áreas degradas e na recuperação de nascentes destacam-se entre as ações dos grupos.

“Quando a gente olha para a floresta no nosso território, vemos que ela está sendo recuperada onde precisa e preservada onde se tem, mas a nossa terra ainda sofre com a invasão de madeireiros, de pescadores e caçadores ilegais, mas combatemos tudo isso com o monitoramento. Sem a caça, sem a natureza, a gente não é nada, e através do trabalho dos três grupos e também da comunidade do nosso território, estamos conseguindo recuperar espécies de árvores, trazer de volta os animais, cuidar das nascentes”, diz um dos membros dos Guardiões da Floresta, Francisco Guajajara.
Além de dar nome ao território, os indígenas são responsáveis por conservar efetivamente a floresta que protege o Rio Pindaré. Um estudo que analisa por satélite o desmatamento da Floresta Amazônica na bacia ao longo de 30 anos mostra que restam menos 20% da floresta nativa às margens do rio. A mata remanescente está nos territórios indígenas em blocos isolados nas TIs Rio Pindaré, Alto Turiaçu, Awá, Caru, Araribóia, Governador e Krikati.
Mas o trabalho desses grupos vai além da proteção territorial, o impacto é também na preservação cultural. “Nossos grupos não trabalham só com a vigilância, monitoramento e reflorestamento, também desenvolvem ações que fortalecem as práticas culturais, que necessitam dos elementos específicos no território, como as caças, o peixe, a água, a mata de pé. Eles fortalecem os rituais, impactam nosso contexto cultural, pois tudo isso é a preservação do território em si”, explica a coordenadora de base da Wiriri Kuzan Wa, Vanussa Guajajara.

Se antes a caça e pesca para o moqueado da Festa da Menina Moça e de outros rituais precisavam ser recolhidas em territórios distantes, o trabalho de preservação e reflorestamento trouxe de volta para a TI Rio Pindaré a realização de todas as etapas dos rituais Tentehar, nos últimos cinco anos. Como parte do trabalho de fortalecimento cultural feito pelos grupos, atividades são desenvolvidas para a recuperação de espécies de árvores que contém elementos utilizados na produção do artesanato ancestral e também das árvores frutíferas nativas que são base da alimentação do povo.
Os coletivos também fazem a sensibilização das comunidades do entorno do território sobre a importância da preservação ambiental, com o propósito de agregar mais gente na missão de manter a mata em pé, na busca de estabelecer aliados. “Quando o indígena preserva uma faixa de mata e conserva aquela área, com o uso equilibrado e harmonioso dos recursos naturais, impacta diretamente quem vive no entorno, pois existem vidas diferentes no ecossistema. A gente sabe os efeitos das mudanças climáticas, o quanto isso tem sido prejudicial, principalmente na produção dos alimentos, o quanto isso tem mudado o cotidiano de um povo, mas a gente preserva não só para nós, mas também para os outros, para o não-indígena.”, completa Vanussa Guajajara.
Nova geração
A valorização do território e da cultura indígena ganham novos contornos no engajamento dos jovens indígenas, que passam a assumir um papel cada vez mais central na continuidade das práticas sustentáveis e no fortalecimento cultural. A comunicadora, líder de jovens na TI Rio Pindaré e integrante da Wiriri Kuzan Wa, Djelma Guajajara, destaca que o engajamento das novas gerações em espaços de construção coletiva é essencial para fortalecer o vínculo com a ancestralidade do povo Guajajara e combater o enfraquecimento cultural causado pelas influências externas.
“Não dá para falar do território como se a gente fosse uma parte separada, porque nos entendemos como parte do território, da natureza, das árvores, de tudo o que chamamos de território, de tudo que ele tem. E é nesses espaços coletivos que nós jovens entendemos ainda mais o porquê precisamos cuidar e preservar, é para ainda ter daqui a 10, 20, ou daqui a 100 anos. É para que o nosso povo, a nossa cultura, os nossos modos de vida, a nossa prática cultural, nunca acabem”, comenta Djelma Guajajara.

Essa mobilização interna organizada em grupos de proteção territorial trouxe melhorias nas estratégias de defesa do território e incorporou algumas tecnologias que auxiliam em uma melhor execução das ações estratégicas. Mas o monitoramento e a vigilância da TI são atividades feitas há muito tempo, como recorda a liderança e gestor da Associação Indígena Wirapuru, Arismar Guajajara, que quando criança, acompanhou diversas atividades com seus pais e avós.
“Hoje, a gente tem em mãos uma ferramenta que os nossos pais, que os nossos guerreiros antepassados não tinham, que é a evolução da tecnologia. Lá atrás, eles lutaram com arco e flecha, reivindicando os nossos direitos, fazendo a proteção e tirando os invasores do território. Hoje, a maioria dos nossos jovens e lideranças é formada, e esse conhecimento que eles reaprenderam nos espaços do homem branco se tornou uma ferramenta valiosa, que agora fortalece a luta e a vida dentro do nosso território”, conta Arismar Guajajara.

Lago da Bolívia
Os indígenas da TI Rio Pindaré lutam para preservar a mata ciliar em uma área de conflito no território, onde está localizado o grande Lago da Bolívia. Ainda de acordo com Arismar Guajajara, a situação se agravou em 2014, quando se descobriu que terras na área do lago foram registradas em cartório e vendidas a pessoas de comunidades vizinhas. Ele destaca que o conflito é oriundo das disputas territoriais com posseiros e criadores de gado de assentamentos vizinhos.
Apesar da Justiça reconhecer que a área é Terra Indígena, “no período do verão, o conflito é mais intenso porque eles encontram pasto dentro do território, porque eles alegam que boa parte do território no Lago da Bolívia é de propriedade deles, do assentamento”, explica Arismar.
Subprograma de Proteção Territorial
O Subprograma de Proteção Territorial tem como objetivo central fortalecer ações de defesa e preservação dos territórios indígenas, por meio do apoio a iniciativas comunitárias que atuam diretamente na proteção ambiental e na valorização dos modos de vida tradicionais. A iniciativa é implementada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) no âmbito do Plano Básico Ambiental — Componente Indígena (PBACI) da Vale S.A.
“O subprograma reconhece que a proteção dos biomas está diretamente relacionada à permanência e ao protagonismo dos povos indígenas em seus territórios. Por isso, atua em parceria com grupos já organizados nas comunidades, como Wiriri Kuzan Wa, os Guardiões da Floresta e os brigadistas voluntários”, explica o coordenador do subprograma, Pedro Maciel.

As principais atividades apoiadas são a realização de expedições anuais de monitoramento e vigilância territorial; a promoção de ações de sensibilização junto às comunidades dentro do território e no entorno, com foco na educação ambiental e na construção de estratégias de convivência; capacitação, formação e fornecimento de equipamentos, garantindo as condições adequadas para a realização das atividades de proteção e monitoramento; apoio logístico, incluindo veículos e insumos, que viabilizam a atuação contínua e eficaz das equipes comunitárias.
Ariel Rocha / Assessoria de Comunicação do ISPN