Região do MATOPIBA concentra o desmatamento do país, por pressão da agropecuária, e estado do Maranhão lidera o ranking
O lançamento do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, o RAD 2024, pelo MapBiomas Alerta, chama atenção para a continuidade da liderança da região chamada MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), fronteira de expansão agrícola no Brasil, na supressão de vegetação nativa dos biomas, em particular do Cerrado.
Pelo segundo ano consecutivo e apesar da redução de 41% em relação a 2023, o Cerrado permanece com a maior área desmatada entre todos os biomas, com mais da metade do total da área desmatada do país (52,5%), totalizando 652.197 hectares. Segundo o relatório, a agropecuária é o principal vetor de pressão, com mais de 97% da perda de vegetação nativa nos últimos seis anos.
“A partir de 2023, o Cerrado passou a figurar como o bioma brasileiro com maior área desmatada. Houve uma mudança de padrão do desmatamento, saindo da Amazônia e se concentrando mais ainda no MATOPIBA. Então, mesmo com a redução, a gente teve um aumento da concentração do desmatamento nesses quatro estados”, observa a ecóloga e coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo. O Programa Cerrado do ISPN é dedicado à ampliação da proteção desse bioma, principalmente, por meio do apoio às comunidades que tradicionalmente ocupam e conservam áreas de Cerrado nativo.
Isabel Figueiredo avalia que é preciso compromisso dos estados que compõem o MATOPIBA para a revisão dos procedimentos de autorização de desmatamento.
“Muitas vezes os dados são insuficientes e os procedimentos não atendem aos critérios mais adequados. Então, a gente encontra muitas autorizações que não informam o número do Cadastro Ambiental Rural [CAR] das propriedades, que não têm um polígono da área. Assim, fica muito difícil o monitoramento, a transparência, o controle social sobre essas autorizações de desmatamento”, explica.
O RAD 2024 mostra que o desmatamento em imóveis rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) corresponde a 81,4% dos alertas do país, sendo que apenas 0,8% dos imóveis cadastrados têm registro de desmatamento, ou seja: existe uma concentração da supressão de vegetação nativa em poucas e grandes propriedades rurais.
A publicação do RAD 2024 ocorre em um momento decisivo para a agenda ambiental brasileira. O país busca recuperar credibilidade internacional e cumprir metas de redução do desmatamento. Apesar da queda na área desmatada registrada pelo relatório, Isabel Figueiredo ressalta que a meta de desmatamento zero até 2030 está muito longe de ser alcançada.
“Tem um ponto para se comemorar, mas a gente quer muito mais, porque o nosso alvo é o desmatamento zero. Temos que continuar dialogando com os estados sobre como eles irão se comprometer para seguir controlando esse desmatamento”, afirma.
Desmatamento no Maranhão
O Maranhão voltou a liderar o ranking nacional de desmatamento segundo o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD 2024), divulgado no dia 15 de maio pela iniciativa MapBiomas. Apesar da queda de 34% em relação ao ano anterior, o estado registrou perda de 218,3 mil hectares de vegetação nativa, quase uma vez e meia a área da Ilha de São Luís, que tem 141 mil hectares e abriga, além da capital, mais três cidades.
O desmatamento no Maranhão concentrou-se quase totalmente no Cerrado, bioma que cobre 66% do estado e que, apesar de abrigar as nascentes dos rios mais importantes para a população, sofreu com 95,4% do desmatamento registrado em 2024, o que equivale à perda de 208 mil hectares de vegetação nativa.

A velocidade média de desmatamento no Maranhão foi de 598 hectares por dia, ou 837 campos de futebol desmatados a cada 24 horas. Essa destruição do Cerrado maranhense é impulsionada, principalmente, pelo avanço da monocultura em larga escala, com soja e milho, além da pecuária e mineração, investimentos que possuem o governo estadual como importante aliado e incentivador. Balsas, na região sul, maior produtor de soja do estado, manteve a posição de segundo município do Brasil que mais desmatou, com a perda de 16,2 mil hectares de vegetação nativa no ano passado.
Enquanto o RAD 2024 era divulgado, no dia 15, em Balsas, acontecia a 21ª Agrobalsas – “maior evento do agronegócio no Maranhão” –, realizada entre os dias 12 e 16. No dia 13, o governador Carlos Brandão anunciou, pessoalmente, durante a feira, a isenção por seis meses para produtores rurais da contribuição especial de grãos (CEG), que incide sobre a produção, armazenamento ou transporte de grãos como soja e milho no território maranhense com destino à exportação.
Conforme o anúncio, no fim da isenção, a partir de agosto será cobrado 0,5% sobre o valor da tonelada de grãos e, em 2026, a alíquota fica reduzida a 1% do valor da tonelada de grãos. A CEG foi instituída com o percentual de 1,8 % sobre o valor da tonelada de grãos. Desde 2017, os produtores de soja, milho, milheto, arroz e sorgo também gozam de redução na alíquota do ICMS de 12% para 2%, determinada pelo Decreto 33.110/2017.
“Observa que existe uma clara escolha de sacrificar o Cerrado para os grandes investimentos do agronegócio. “O Maranhão, pelo segundo ano seguido, se coloca como o estado que mais desmatou sua vegetação nativa, que mais desmatou o Cerrado. É uma posição incômoda, que o Estado insiste em permanecer pelos incentivos que ele vem dando ao agronegócio”, afirma o antropólogo e coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Jaime Siqueira,
Falta de transparência
O RAD Biomas 2024 informa que o Estado do Maranhão não disponibiliza bases públicas de autorizações de supressão vegetal ou ações de fiscalização, mas, diferentemente do que ocorreu em 2023, enviou dados ao MapBiomas para o relatório de 2024: dados de autorizações e de ações de fiscalização, mas com restrição ao uso da base de autorizações por questões técnicas.
Em nota, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA) afirmou que a redução de 34,3% nos índices de desmatamento “foi resultado de ações como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDQ/MA), os programas Maranhão Sem Queimadas e Floresta Viva Maranhão, além do fortalecimento da fiscalização e da regularização fundiária e ambiental”.
A nota também diz que “as autorizações de uso alternativo do solo são emitidas e registradas por meio da Plataforma Sinaflor/Ibama. Sempre que há solicitações relacionadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal, ou a queimadas, as informações são repassadas com base em dados técnicos ou por meio de boletins oficiais. E que as autorizações concedidas passam por um monitoramento rigoroso, com o objetivo de assegurar que a execução ocorra conforme o projeto previamente aprovado”.
A SEMA defende que as ações atualmente em curso têm gerado resultados concretos, e que “o Governo do Estado do Maranhão mantém compromisso de continuar reduzindo os índices de desmatamento, aliando a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico responsável”.
Para os ambientalistas, os números do Maranhão são um sinal de que o combate ao desmatamento ainda precisa ser muito intensificado, especificamente, com fiscalização, e que a transparência e o controle fundiário estão longe do ideal.
“Já fizemos várias incidências junto à SEMA, encaminhamos documentos para a Secretaria questionando os critérios para a emissão dessas autorizações. Nunca tivemos resposta em relação a isso, e esses critérios continuam driblando, digamos assim, preceitos importantes para na hora de você autorizar uma supressão de vegetação”, complementa Jaime Siqueira, que também representa a ‘Coalizão Cerrado em Pé’, que reúne diversas organizações da sociedade civil, como o ISPN, a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), o CTI, o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), entre outros. A Coalizão se formou a partir dos números alarmantes divulgados a cada ano pelo MapBiomas sobre o tamanho das áreas desmatadas no Cerrado.
Entre os principais problemas identificados pelas organizações nas autorizações de supressão vegetal emitidas pela SEMA estão o fatiamento das autorizações, isto é, a emissão de várias autorizações menores para evitar um processo de licenciamento mais complexo; e a falta de avaliação do impacto conjunto da emissão de várias autorizações de supressão vegetal, quer dizer, não há avaliação sobre qual o prejuízo total do desmatamento associado de várias áreas diferentes.
A 1ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís vai realizar audiência pública no próximo dia 4 de junho com o objetivo de debater a transparência ativa dos dados e informações ambientais da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA). O encontro tem a finalidade de analisar a conformidade dessas informações com a Lei Federal nº 10.650/2003, os princípios do Acordo de Escazú e decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Cássio Bezerra / Assessoria de Comunicação do ISPN