Em abril de 2025, o ISPN completa 35 anos, e temos orgulho de celebrar essa trajetória, escrita com o protagonismo de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares
Conhecendo os personagens: a diversidade de povos e saberes
O sol mal havia despontado no céu azul da paisagem que mescla Cerrado, Pantanal e Amazônia quando chegamos à casa de Seu Carlos. Indígena do povo Chiquitano, ele vive na comunidade de Bocaina, na divisa entre Mato Grosso e Bolívia. Nos recebeu com um café coado caprichado e logo conduziu um passeio entre as plantações de milho, feijão e banana, além de mostrar, orgulhoso, sua criação de galinhas e porcos. Cada palavra sua era uma lição de sabedoria sobre aquela terra e tudo o que ela oferece em sustento e vida para sua família e comunidade.
Um pouco distante dali, quando fomos visitar o Sertão de Pernambuco, conhecemos agricultoras que, assim como Seu Carlos, nutriam pela rica biodiversidade local uma admiração e conexão profunda. Dona Maria Celeste, uma dessas mulheres, nos contou que, apesar das chuvas teimosas e irregulares, conseguiu brotar vida com a água que aprendeu a gerir para as plantações das mais variadas culturas sertanejas: macaxeira, inhame, acerola, maracujá, caju. Ali, no município de Solidão, Dona Celeste nos ensinou que, para plantar, é preciso entender o tempo e o ritmo da terra, das chuvas e do solo.
As comunidades de Seu Carlos e de Dona Maria Celeste fazem parte das mais de seis mil já apoiadas pelo ISPN ao longo dos nossos 35 anos de história. São comunidades quilombolas, como os Kalunga, em Goiás, e as quebradeiras de coco babaçu, com forte presença das mulheres do Bico do Papagaio, no Tocantins. São também povos indígenas, como os Guajajara, no Maranhão, entre tantos outros povos e comunidades que, com suas vivências, ajudam a escrever essa história.
Construindo o enredo: 35 anos com justiça social e equilíbrio climático
Há mais de três décadas, o ISPN desempenha um papel crucial na promoção do desenvolvimento sustentável e na conservação ambiental no Brasil. Desde 1990, nos dedicamos a fortalecer iniciativas que geram segurança alimentar, manejo sustentável dos recursos naturais e possibilidades de geração, com a valorização cultural de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIPCATFs) do Cerrado, da Amazônia e da Caatinga.
Esse apoio não apenas resgata e valoriza práticas ancestrais de convivência com a natureza, mas também contribui para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A conservação dos biomas está ligada à proteção dos recursos hídricos e ao equilíbrio do clima, algo que comunidades como a de Dona Celeste e Seu Carlos compreendem há muito tempo. O protagonismo desses povos e comunidades mostra que é possível construir um modelo de desenvolvimento sustentável pautado no respeito à sociobiodiversidade, promovendo bem-estar social e garantindo um futuro com justiça socioambiental e climática.
Fortalecendo a trama: a pauta socioambiental também é política
Além de promover a resiliência ambiental com inclusão social e respeito às culturas locais, nossa história também é marcada pela incidência política em defesa dos biomas e de seus guardiões. Ao longo desses 35 anos, com o apoio de lideranças comunitárias, atuamos junto aos governos federal, estaduais e municipais para pautar questões essenciais. Entre elas, destacam-se as ameaças à proteção dos territórios tradicionais, o avanço do desmatamento, especialmente no maltratado Cerrado, e a importância da inclusão socioprodutiva nos mercados. Essas e outras frentes de atuação refletem nosso modo político de agir.
Atuamos em fóruns, articulações, colegiados e frentes, sempre incentivando que PIPCATFs assumam o protagonismo na incidência política em seus territórios. Entendemos que nossa atuação socioambiental está diretamente ligada a conquistas como a demarcação territorial e a redução da devastação dos ecossistemas. Essa incidência, no entanto, só é possível com escuta ativa, diálogo e compreensão das realidades locais. Comunidades como a de Seu Carlos, Dona Celeste e tantas outras nos mostram, na prática, a importância de ouvir os povos.
Desenhando o futuro: que também é o começo
Nossa atuação mostra como organizações não governamentais podem ser agentes de transformação na promoção do bem-estar social e ambiental. Por meio da articulação de recursos, incidência política, compartilhamento de conhecimentos e parcerias, fortalecemos as bases para um desenvolvimento mais justo e sustentável, no qual PIPCATFs protagonizam a construção de soluções para os desafios climáticos atuais.
Ao longo de 35 anos, construímos uma trajetória que não seria possível sem a contribuição e confiança dos povos indígenas, dos povos e das comunidades tradicionais e dos agricultores familiares, que são protagonistas desse enredo socioambiental. Nossa história foi e sempre será narrada por essas vozes, que nos ensinam que, para colher o futuro, é preciso cultivar as sabedorias ancestrais.