Manifestação dos povos indígenas nas ruas de Cali, na Colômbia. Foto: Comunicação/Apib

Manifestação dos povos indígenas nas ruas de Cali, na Colômbia. Foto: Comunicação/Apib

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COP16: Povos indígenas do Brasil e da América Latina fortalecem suas vozes na Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade

A participação dos povos indígenas do Brasil e da América Latina teve como principal foco assegurar o protagonismo indígena nas negociações da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e na condução da COP30, que será realizada no Brasil

As reivindicações do movimento indígena ganharam destaque na COP16, em Cali, Colômbia, com uma manifestação no último sábado, 26 de outubro, reunindo representantes indígenas de toda a América Latina na Zona Verde, centro da cidade-sede da Conferência. A manifestação destacou a luta contra a exploração de combustíveis fósseis na Amazônia e em outros territórios indígenas, clamando por respeito e proteção aos direitos territoriais e ambientais. 

Indígenas do Brasil, mobilizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas oito organizações regionais, participaram do ato com cartazes, entoando cantos tradicionais para chamar a atenção de líderes globais que negociam o futuro da biodiversidade.

Um dos momentos mais marcantes foi o manifesto “Rumo à COP30 (Belém-Brasil, 2025)”, no qual os indígenas leram a carta “A resposta somos nós”. O documento exige a retomada das demarcações de todas as terras indígenas no Brasil como condição para uma política climática efetiva, além de financiamento direto para a proteção dos territórios e dos modos de vida em harmonia com a natureza.

Danilo Guajajara, representando a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão na COP16, declarou: “Acredito que deixamos claro que não aceitaremos projetos predatórios que ameaçam nossos territórios e nossas vidas. No Maranhão, nossos territórios são os que mais protegem a biodiversidade do estado, e lutaremos por isso em todos os espaços, como aqui na COP16”.

 

Ameaças à biodiversidade e aos direitos indígenas

Manifesto: “a resposta somos nós”, nas ruas de Cali. Foto: Comunicação/Apib

O cenário político no Brasil agrava a urgência dessas reivindicações. No próximo 30 de outubro, o Senado Federal fará a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48 , que visa inserir o chamado “marco temporal” nos processos de demarcação de terras indígenas, alterando o parágrafo 1º do Artigo 231 da Constituição. Essa proposta, que ameaça diretamente a proteção dos territórios indígenas, segue na contramão das metas globais de conservação da natureza. 

Mesmo com a pressão internacional durante a COP16 e o apelo de movimentos sociais e da sociedade civil pelo cumprimento do Marco Global da Biodiversidade, o Congresso Nacional brasileiro avança em pautas que colocam os direitos indígenas em risco. No manifesto “A resposta somos nós”, indígenas alertam que o reconhecimento dos territórios como essenciais à conservação da biodiversidade perde sentido se esses direitos continuam sendo atacados. 

Para o coordenador do Programa Povos Indígenas do ISPN, João Guilherme Nunes Cruz, uma das premissas para a existência e manutenção da biodiversidade e dos serviços ambientais são os territórios indígenas. “Uma das questões evidenciadas nessa COP é a necessidade de se avançar no reconhecimento de povos indígenas, afrodescendentes, campesinos e outros povos tradicionais enquanto guardiões da biodiversidade, em virtude de seus modos de vida e relacionamentos com a natureza, para uma agenda política estruturante, que antecede tudo isso, que é a garantia dos direitos territoriais desses povos”, destaca.

Na preparação para a COP30, a Conferência das Nações Unidas para o Clima que ocorrerá no Brasil em 2025, os povos indígenas já sinalizaram ao governo brasileiro que não aceitarão discussões que afetem suas comunidades sem participação direta. Para tanto, exigem que a co-presidência da COP30 esteja com o movimento indígena, para que as demandas dos povos não fiquem à margem das negociações climáticas.

 

Uma coalizão indígena pela bacia Amazônica

Representantes do G9 na ocasião do lançamento da coalizão. Foto: Fernando Morales/360

Outro momento significativo na COP16 foi o lançamento da coalizão “G9 da Amazônia Indígena”, realizada na maloca da Organização dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac), no centro de Cali. Composta por organizações indígenas de nove países amazônicos, o G9 se posiciona como uma força política e técnica internacional equivalente ao G7 e G20, destacando os territórios indígenas como potências mundiais de biodiversidade e do clima.

“O G9 é um espaço técnico e político para unificar o movimento indígena da bacia amazônica. Queremos incidir nas COPs de clima e biodiversidade, principalmente em direção à COP30. Precisamos estar cada vez mais unidos,” destacou Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Os participantes do G9 são:

  • Confederación de Naciones y Pueblos Indígenas del Chaco, Oriente y Amazonía de Bolivia (CIDOB, da Bolívia)
  • Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB, do Brasil)
  • Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana (OPIAC, da Colômbia) 
  • Confederación de Nacionalidades Indígenas de la Amazonía Ecuatoriana (CONFENIAE, do Equador)
  • Asociación de Pueblos Ameríndios de Guyana (APA, Guiana), 
  • Federación de Organizaciones Amerindias de Guyana Francesa (FOAG, da Guiana Francesa) 
  • Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP, do Peru)
  • Organización de los Pueblos Indígenas de Surinam (OIS, do Suriname) 
  • Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA, da Venezuela)

Entre as prioridades do G9 estão a conservação da biodiversidade, o reconhecimento dos direitos territoriais, o financiamento direto, a proteção dos Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial, e a unidade do movimento indígena amazônico.

Clique aqui para assistir ao vídeo de lançamento do G9

Proteção aos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário 

A proteção e o reconhecimento dos povos indígenas em isolamento voluntário (PIACI) também foram destacados durante a participação indígena na COP16. As discussões foram conduzidas pelo Grupo de Trabalho Internacional para a Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (GTI-PIACI), uma coalizão formada por 21 organizações indígenas e parceiras que atuam em defesa dos direitos desses povos na Amazônia e no Gran Chaco.

O GTI-PIACI identificou 189 registros de povos indígenas isolados em oito países da América do Sul. Desses, 128 ainda carecem de reconhecimento oficial dos Estados, deixando essas populações em situação de extrema vulnerabilidade, sem acesso a medidas de proteção. “Os povos indígenas isolados não são vulneráveis, eles são colocados em situação de vulnerabilidade pelos Estados que não protegem os direitos indígenas”, afirmou Angela Kaxuyana, representante da COIAB, durante um dos eventos focados no tema.

Entre as demandas mais urgentes está a inclusão dos PIACI e de seus territórios nas categorias de proteção máxima das Estratégias Nacionais de Biodiversidade e dos Planos de Ação dos países, alinhando-se aos compromissos firmados no Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal.

 

Incidência dos povos indígenas na Conferência

Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Apib, avaliou como positiva a atuação indígena em diversas temáticas durante a conferência. “Estamos nos sentindo em casa, somando nossa luta à de outros povos indígenas, unificando forças com comunidades tradicionais e estabelecendo novos apoios e alianças, apesar dos desmontes, como ocorre no Brasil. Seguimos cada vez mais unidos em defesa da biodiversidade”, afirmou.

Entre as pautas, destaca-se o Artigo 8(j) do Marco Global da Biodiversidade, aprovado em 2022 na COP15, em Montreal, Canadá. Este artigo reconhece e valoriza o papel dos povos indígenas e comunidades locais e dos seus conhecimentos na proteção da biodiversidade.

Na semana passada, os representantes indígenas apresentaram um pedido ao governo brasileiro para que defenda a proposta de transformar o atual Grupo de Trabalho do Artigo 8(j) – que hoje é temporário – em um órgão subsidiário permanente da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Essa mudança permitiria uma participação mais forte e consistente dos povos indígenas e das comunidades locais nas negociações e na implementação da Convenção.

A principal reivindicação em torno do Artigo 8(j) é assegurar o respeito aos direitos dos povos indígenas, especialmente o direito à autodeterminação e ao consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer políticas que afetem seus territórios e modos de vida. Eles também defendem que as políticas de proteção à biodiversidade considerem os conhecimentos tradicionais indígenas, fundamentais para a preservação dos ecossistemas.

Guilherme Eidt, coordenador de Políticas e Advocacy do ISPN, avalia a  criação de um órgão subsidiário permanente como positiva, embora ainda enfrente algumas resistências por parte de alguns países membros da CDB. “Esse órgão permitirá uma integração mais consistente dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais nas negociações e implementação da Convenção. Reflete ainda o compromisso crescente de integrar os direitos, conhecimentos e práticas dessas populações em todas as atividades relacionadas à conservação e uso sustentável da biodiversidade”, destaca.

A COP se encerra na próxima sexta-feira, 1º de novembro. 

Clique aqui para ler na íntegra  o manifesto da APIB “ A resposta somos nós”

 

Autoria: Andreza Baré / Assessoria de Comunicação ISPN

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