Evento destacou a ampliação dos fundos comunitários e a desburocratização dos acessos a recursos de acordo com as realidades dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais
A discussão sobre fundos comunitários reuniu uma sala cheia no Pavilhão Brasil, na Zona Azul da 16a Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade (COP16), que acontece em Cali, na Colômbia, até 1º de novembro. O evento, intitulado Financiando os Guardiões do Planeta: Fundos Territoriais, Locais e Ativistas, Financiando a Proteção da Natureza a partir de Comunidades nos Territórios, foi uma iniciativa da Alianza Socioambiental Fondos del Sur, e teve como objetivo destacar o papel essencial dos fundos do Sul Global em garantir recursos para comunidades que protegem ecossistemas e biodiversidade, demonstrando a relevância do apoio financeiro para a continuidade desses trabalhos.
O encontro foi conduzido por Juliana Tinoco, coordenadora executiva da organização. Entre os palestrantes estavam Fábio Vaz, do Fundo Ecos (Brasil); Josimara Baré, da Rede dos Fundos Comunitários da Amazônia (Brasil); Cláudia Gomes, do Fundo Casa Socioambiental (Brasil); Levi Sucre, da Aliança Global de Comunidades Territoriais/Plataforma Shandia (Brasil, África, Indonésia e México); e Juan Sabino, do Fondo Emerger Socioambiental (Colômbia). O debate focou no papel dos fundos do Sul Global no financiamento das comunidades que protegem ecossistemas e biodiversidade.
Autonomia e descolonização nos financiamentos

Cláudia Gomes, do Fundo Casa Socioambiental, explicou que sua organização foca em apoiar diretamente comunidades que atuam na conservação ambiental, que tem mais de 20 anos de atuação. Reforçou ainda a necessidade de se distribuir melhor esses apoios financeiros para regiões e biomas nos quais os investimentos ainda são reduzidos em relação às suas importâncias , como a Mata Atlântica e os Pampas. Ela destacou o desafio de trazer as cidades para a discussão ambiental e climática, por meio de apoio a projetos, onde a alta demanda por energia e recursos pressiona a biodiversidade.
“Pensar as cidades implica entender os desafios que os cidadãos e trabalhadores enfrentam, como o transporte público, sistemas de educação e saúde, violência urbana, dentre outros. Como conversar sobre conservação ambiental diante de um cenário complexo desses?”, destaca.
Já Josimara Baré salientou que os fundos comunitários são desenvolvidos “pelas comunidades e para as comunidades,” e que os mecanismos de apoio são adaptados às realidades locais.
“Não vemos a proteção do meio ambiente como uma obrigação, pois ele é a nossa casa”, afirmou Josimara, destacando o papel essencial dos fundos na autonomia indígena e na adaptação às mudanças climáticas.
Modelo sustentável de apoio ao desenvolvimento comunitário

Fábio Vaz, do Fundo Ecos, explicou que a abordagem do ISPN de apoio direto às comunidades se dá não somente com recursos financeiros, mas também com formação e acompanhamento técnico.
“A geração de renda e a melhoria da qualidade de vida fortalecem o papel das comunidades na conservação da biodiversidade, uma vez que os projetos estão, em sua maioria, direcionados aos produtos da sociobiodiversidade que são importantes cultural e socialmente para essas comunidades”, afirmou.
Vaz destacou projetos de uso sustentável da biodiversidade, como o beneficiamento de frutos nativos no Cerrado, Caatinga e Amazônia, e que o Instituto também investe muito no intercâmbio de conhecimento entre as comunidades. Também enfatizou que muitos desses projetos contribuem, a partir de seus resultados, para o aprimoramento de políticas públicas relevantes para suas realidades, nas diversas escalas, local, regional e nacional.
Financiamento autônomo e sustentável
Levi Sucre, da Plataforma Shandia, reforçou a necessidade de um financiamento direto para ações de combate às mudanças climáticas e conservação da biodiversidade em territórios indígenas, com respeito à identidade e ao conhecimento tradicional. Esse é modelo adotado pela plataforma, cujos integrantes são as organizações: Coordenadoria de las Organizaciones Indigenas de la Cuenca Amazonica – Coica (Colômbia, Peru, Brasil, Venezuela, Suriname, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa e Equador), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-Apib (Brasil), Alianza Mesoamerica de Pueblos e Bosques (México), Rede de Populações Indígenas e Locais para a Gestão Sustentável dos Ecossistemas Florestais da África Central – Repaleac (África) e Aliansi Masyarakat Adat Nusantara (Indonésia).
Por fim, Juan Sabino, do Fondo Emerger, ressaltou que o desenvolvimento dos projetos deve refletir as necessidades e a visão de mundo das comunidades.
“Precisamos entender e respeitar as diferentes cosmovisões,” explicou.
O Fondo Emerger se dedica à conservação ambiental e sustentabilidade na Colômbia, administrando recursos para programas ambientais de organizações comunitárias e não governamentais.
Compromisso comum: fortalecer o protagonismo das comunidades
Todos os participantes do painel ressaltaram a importância de ampliar a quantidade e o alcance dos fundos comunitários, com gestão autônoma e participação ativa das comunidades locais. Também foi destacado o esforço para que os financiadores compreendam e respeitem as especificidades e os modelos de gestão próprios dos territórios, buscando superar burocracias que muitas vezes desconsideram a realidade dos povos.
Sobre a Alianza Socioambiental Fondos del Sur
A Alianza Socioambiental Fondos del Sur é uma rede de 15 instituições focada em fortalecer comunidades locais e proteger o meio ambiente por meio da filantropia comunitária. Composta por fundos independentes de países da América Latina, África e Ásia, a rede se destaca pela abordagem colaborativa Sul-Sul e pelo apoio a iniciativas de justiça social e ambiental, promovendo soluções sustentáveis que protejam tanto os direitos das comunidades quanto os ecossistemas em que vivem.
Por Andreza Baré, assessora de comunicação do ISPN