Para celebrar três décadas de história junto a povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares, o Fundo Ecos, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), antes conhecido por PPP-ECOS, reuniu a equipe, parceiros, financiadores e beneficiários dos projetos no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, no dia 1º de outubro. A noite de celebração contou com a presença surpresa do Cacique Raoni, que ofereceu aos presentes um discurso inspirador.
“Vocês têm que continuar fazendo esse trabalho e continuar lutando pela causa da floresta em pé. Peço que continuem buscando recursos e mais financiadores pra gente retomar a floresta e reflorestar tudo que foi destruído pelo homem branco”, disse Raoni no palco do evento.
Cacique Raoni ao lado dos coordenadores do ISPN Fábio Vaz, Rodrigo Noleto e Isabel Figueiredo, de seu tradutor Beptuk e da historiadora Isabella Braga (Foto: Beatriz Braga/Acervo ISPN)
Em seu discurso, o cacique, que é parceiro do ISPN e beneficiário do Fundo Ecos pelo Instituto Raoni, fez um apelo urgente. “Estamos assistindo a muitos problemas aqui no nosso planeta. Os rios estão secando e isso é consequência de homens brancos que vêm destruindo o que tem no planeta.”
O ISPN ocupou paredes e um salão do Memorial com a história de três décadas do Fundo Ecos, construindo um mural desenhado a mão, representando uma linha do tempo. A primeira data, no ano de 1990, refere-se à fundação do ISPN, que quatro anos depois foi escolhido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) para coordenar o Small Grants Programme (SGP), traduzido para Programa de Pequenos Projetos, no Brasil.
Implementado com apoio do parceiro histórico PNUD, o PPP, ao longo dos anos, cresceu e se tornou PPP-ECOS, sendo ECOS a sigla para “ecossociais”. Ele se consolidou como um Fundo, que conta com uma carteira diversificada de financiadores. Um fundo independente que, em 2024, passou por uma renovação de marca e ganhou um novo nome. Agora o PPP-ECOS é Fundo Ecos.
Esse é, a propósito, o último marco temporal desenhado na linha do tempo, em um mural que foi ilustrado com fotos emolduradas e com desenhos feitos em tempo real pelo artista Daniel Jacaré. A exposição fica aberta ao público até dia 15 de novembro, no salão do Memorial.

Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado, do ISPN, afirmou que os problemas, identificados em todos os anos de trabalho com pé no chão dos territórios, são da estrutura socioeconômica a qual estamos inseridos. “Os problemas são estruturais e projetos de dois anos não vão dar conta disso. Por isso a gente precisa continuar e incidir nos doadores para apoios mais estruturantes”, declarou. Ao lado do coordenador do Programa Iniciativas Comunitárias do ISPN, Rodrigo Noleto, ela foi mestre de cerimônias do evento, que contou com falas de apoiadores, colaboradores e beneficiários históricos.
O fundador do Instituto, o sociólogo Donald Sawyer, destacou a importância de explorar brechas no sistema capitalista para promover mudanças. “É fundamental influir nas políticas públicas e no setor privado, gerando ecos que vão além das comunidades locais.”
Elisa Calcaterra, representante-residente adjunta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, ressaltou a importância das parcerias para o sucesso de iniciativas sociais e ambientais.
“A participação da sociedade civil ocupa um espaço fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável no Brasil. A sociedade civil brasileira desempenha um papel importante na implementação de iniciativas em parcerias com o setor público e organizações do setor privado, garantindo impactos locais e estruturais na agenda ambiental do país”, afirmou.
A representante da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Alessandra Ambrósio, comentou sobre a busca por soluções inovadoras e humanizadas, tratando o Fundo Ecos como um exemplo nesse sentido. “Temos trabalhado para que essas iniciativas atinjam o coração das comunidades”, disse.

Representando organizações parceiras do ISPN: Mauro Pires (presidente do ICMBio), Alessandra Ambrósio (ABC) e Elisa Calcaterra (PNUD), ao lado de Isabel Figueiredo (ISPN) (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)
Coordenador-executivo da Central do Cerrado, Luís Carrazza trabalhou no ISPN entre 2002 e 2010. “Fui convidado pelos cooperados a ser o gestor da cooperativa em 2010. Deixei o ISPN com dor no coração, mas são essas as encruzilhadas que a vida nos coloca. Fui arregaçar as mangas, colocar a touquinha e fazer os coquetéis da Central, com muito apoio do ISPN, sempre”, disse.
Carrazza ainda afirmou que o baru, castanha amplamente comercializada no Brasil e no mundo e usada nos cardápios de seus coquetéis, não seria o que é hoje – vendida como a mais nutritiva do mundo – se não fosse o ISPN com o Fundo Ecos.
Da esquerda para a direita: Donald Sawyer (ISPN), Monica Nogueira (UnB), Luiz Carrazza (Central do Cerrado) e Rodrigo Noleto (ISPN) (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)
Joelma Soares, diretora-tesoureira do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), organização beneficiária do Fundo Ecos com sede em Turmalina (MG), falou sobre a relevância de projetos ecossociais implementados em parceria com o ISPN, que já financiaram ações em 12 comunidades do município.
“As próprias comunidades estão fazendo a gestão dos projetos e isso é novidade. Estamos falando de protagonismo juvenil e feminino. O ISPN é sinônimo de vida e esperança”, afirmou, destacando a importância da identidade comunitária.
Marcilene Guajajara, coordenadora geral das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima) do Maranhão, moradora da Aldeia Maçaranduba, reforçou a necessidade de que os projetos cheguem às bases e às famílias que mais precisam.
“Se hoje a Coapima está estruturada é por conta do apoio do ISPN. Estaremos sempre somando com vocês nessa luta pelo desenvolvimento que nosso povo tanto necessita”, declarou, sublinhando a urgência de soluções práticas para as comunidades.
Mauro Pires, atual presidente do ICMBio e assessor técnico do ISPN nos anos 1990, trouxe uma perspectiva histórica sobre a atuação do antigo PPP-ECOS, atual Fundo Ecos, e o apoio a iniciativas da sociedade civil no Cerrado. Ele destacou como o ISPN conseguiu unir diferentes públicos e financiadores. “É uma alegria fazer parte dessa história”, disse.
Presidente do ICMBio, Mauro Pires foi assessor técnico do ISPN nos anos 1990 (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)
A pesquisadora Mônica Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), comentou sua experiência no ISPN. “O pequeno é grande quando abre uma janela para novas possibilidades. O ISPN nunca abriu mão do pequeno, e essa decisão foi muito acertada, contribuindo para a construção de novos mundos para enfrentar o colapso atual”, enfatizou.
Maria Senhora, da Cooperativa de Produção e Comercialização dos Agricultores Familiares Agroextrativistas e Pescadores Artesanais de Esperantina (TO), beneficiária do Fundo Ecos, compartilhou a experiência de sua cooperativa, que começou com o PPP-ECOS. “O povo agora cuida da água, do fogo e de se defender contra o veneno, graças às capacitações do ISPN. Temos muito a fazer ainda”, afirmou, com esperança.
Para a Associação de Criadores do Fecho de Pasto de Clemente, localizada em Correntina (BA), o Fundo Ecos proporcionou uma vivência de ancestralidade. “Foi um salto para nós enquanto fecheiros”, disse Eldo Barreto, refletindo sobre a importância da conexão com suas raízes, proporcionada pelo projeto.

A confraternização dos 30 anos do Fundo Ecos não apenas celebrou as conquistas, mas também fortaleceu a rede de apoio e colaboração entre as comunidades, reforçando a necessidade de união na luta por um futuro sustentável e justo para todos.
O coquetel, à base de frutos do Cerrado e da Caatinga e produtos da agricultura familiar , servido aos convidados, foi produzido pela cooperativa Central do Cerrado, cuja fundação, em 2004, foi impulsionada pelos projetos apoiados pelo então PPP-ECOS. Na sequência, a dj La Ursa animou a pista de dança.

Fundo Ecos
Antigo PPP-ECOS, o Fundo Ecos é um fundo independente do ISPN que capta recursos de diversos financiadores e democratiza o seu acesso para quem vive e conserva o Cerrado, a Amazônia e a Caatinga: povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores e agricultoras familiares.
O mecanismo apoia iniciativas comunitárias ecossociais por meio de editais, geralmente divididos por regiões, biomas, segmentos de populações tradicionais, gênero e juventude. Até o momento, 44 editais já foram viabilizados pelo Fundo, que é um exemplo de filantropia comunitária pela justiça socioambiental.
São mais de 950 projetos apoiados ao longo dessas três décadas e mais de US$25 milhões de dólares investidos. O novo nome, escolhido para facilitar o entendimento sobre o trabalho, reflete o compromisso de seguir cultivando caminhos de transformação, atendendo aos pedidos do grande líder Raoni.
Texto por Camila Araujo e Letícia Verdi, assessoras de Comunicação do ISPN.