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Cooperativa atua no Matopiba para fortalecer a agricultura familiar agroecológica

Na contramão do desmatamento empreendido pelo agronegócio, a Coopevida trabalha com agricultores familiares no Sul do Maranhão desde 1992 para incentivar a pequena produção agroecológica

O agricultor e técnico agrícola Zé Filho, 42 anos, sugeriu uma mística – momento de reflexão – antes de iniciar a reunião da direção da Cooperativa Agroecológica Pela Vida do Cerrado Sul Maranhense (Coopevida) com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), numa manhã de abril de 2023.

Presidente da Coopevida, Joaquim Alves de Sousa, de 65 anos, lembrou, neste momento, de Manoel da Conceição, líder camponês maranhense que dedicou trabalho e vida pela organização de uma economia solidária nas mãos do povo trabalhador.

Manoel da Conceição dedicou a vida à luta por um mundo justo (Foto: Reprodução)

Manoel e Joaquim atuaram juntos na construção da Cooperativa em 1992, cujo objetivo era concretizar aquilo que sonhava o líder camponês: unificar trabalhadores e trabalhadoras rurais e fortalecer a agricultura familiar agroecológica na região – fronteira agrícola onde o desmatamento cresce em níveis alarmantes (dados abaixo).

A entidade, por sua vez, é fruto do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), um espaço para concretizar “os sonhos incubados” nas lutas do sindicato, nas palavras de Joaquim.

A propósito do órgão sindical, Manoel ajudou a criar a primeira entidade de Trabalhadores Rurais do Maranhão, em 1963, em Pindaré-Mirim. Dali, ele seria o primeiro presidente e ajudaria a aglutinar cerca de quatro mil trabalhadores rurais na luta.

Em agosto de 2021, o camponês foi vítima da Covid-19 e morreu aos 86 anos na cidade de Imperatriz (Maranhão). Com a Cooperativa, seu sonho segue vivo. Em 2023, são mais de 85 associados, além de fornecedores, que cultivam legumes e hortaliças, e colhem frutos cerratenses em seus quintais, manejando espécies nativas e plantando novas árvores frutíferas.

Acerola é uma das frutas beneficiadas pela Coopevida (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

A Cooperativa compreende os municípios maranhenses de Loreto, São Félix de Balsas, São Domingos do Azeitão, Sambaíba, Benedito Leite e São Raimundo das Mangabeiras – esta última é onde fica a sede do projeto, na avenida Rodoviária, bem ao centro da cidade. Ali, no número 230 da avenida, há uma lanchonete, em que produtos in natura e agroindustrializados, como as polpas de fruta, são comercializados.

Armazenamento e escambo

Chamado de Centro de Referência para Produção Agroextrativista (CERPAX), o estabelecimento está presente em todos os municípios em que a Cooperativa atua e também armazena as frutas coletadas por agricultores familiares na região para serem levadas à agroindústria – onde serão processadas e beneficiadas.

Polpas de frutas, armazenadas nos CERPAX, são beneficiadas na agroindústria da Coopevida (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

No início de abril de 2023, havia abóboras, bananas, milho, fava branca, feijão, farinha de mandioca, licores de murici, babaçu e cajá, azeite de pequi, copaíba e buriti, cachaças diversas, doce de banana, polpas de cajá, acerola e maracujá, comercializadas no espaço.

Nas prateleiras adjacentes, ficam os produtos de alimentação básica ou itens de higiene que não são produzidos pela Cooperativa. Estes itens, segundo seu Joaquim, podem ser comprados ou trocados.

Funciona assim: se um agricultor familiar precisa de um café, de um leite em pó, de um flocão de milho ou de papel higiênico e não tem dinheiro, ele tem a possibilidade de trocar por algo que produziu na roça e que poderá ser comercializado pela Coopevida.

Prateleiras das CERPAX comercializam produtos da agricultura familiar e outros itens que podem ser adquiridos pelos agricultores da região (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Além disso, lanches, como mingau à base de mesocarpo de coco babaçu, ou pamonha, feita com milho agroecológico, são produzidos ali e destinados ao Instituto Federal do Maranhão e às escolas municipais e estaduais dos seis municípios. Essa parceria com mercados institucionais por meio do PNAE, Programa Nacional de Alimentação Escolar, é o carro chefe do projeto.

“A gente consegue abastecer a alimentação escolar com mais de 26 produtos, como polpas de fruta, cheiro verde, feijão, couve, farinha, melancia, cajá…”, afirmou seu Joaquim.

Participar da Coopevida como cooperada e fornecedora acrescentou renda ao trabalho da agricultora familiar Maria Alzena Santana, de 61 anos. Em sua roça, na zona rural de São Raimundo das Mangabeiras, ela cria porcos e galinhas e cultiva acerola, goiaba, tamarindo, cajá, caju, banana e manga: “sem agrotóxicos porque é mais sadio para a gente.”

“O desafio do desmatamento é aqui”

A Mangabeira, que aparece no nome da cidade São Raimundo das Mangabeiras, é uma árvore tropical que cresce na Caatinga, no Cerrado e no litoral nordestino. Se antes a presença da espécie justificava o nome dado ao município, hoje ela raramente é vista por ali.

Mangaba é o fruto da mangabeira, uma árvore da Caatinga (Foto: Isabela Lustz/Acervo ISPN)

A maior parte desta espécie, de acordo com seu Joaquim, foi suprimida do entorno, seguindo um padrão da região, em que prevalece o recorde de supressão da vegetação nativa.

Uma pesquisa do IPAM Amazônia aponta que do total de vegetação suprimida no Cerrado, entre agosto de 2020 e julho de 2021, 61,3% (5227,32 km²) esteve concentrado na região, conhecida pela fronteira agrícola do MATOPIBA – que compreende os estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia.

Durante visita ao projeto da Coopevida, a engenheira agrônoma e assessora técnica do ISPN Juliana Napolitano alertou: “O desafio do desmatamento é aqui”, em referência à região fronteiriça. Na ocasião, ela ainda ressaltou a importância de iniciativas que atuam na contramão dos monocultivos.

Seu Joaquim concordou e disse que é preciso garantir a existência de sistemas de produção justos, agroecológicos e sociobiodiversos, com produtos orgânicos e a participação das famílias na organização cooperativista. Ocupar espaços por ali, segundo ele, é também um “embate com o agronegócio e com as monoculturas da região.”

Outro aspecto fundamental desta luta é o diálogo com a juventude, que sofre com a falta de incentivo para a manutenção da vida no campo e para a continuidade do trabalho com agricultura familiar. Quem atrai a maior parte dos jovens rurais por ali acaba sendo o próprio agronegócio.

Não é o caso do técnico agrícola Isael Borges, de 22 anos. Nascido na zona rural de Loreto, em que a agricultura familiar prevalece, o jovem agricultor explica que quando está em sua região de origem, fala sobre seu trabalho junto à COOPEVIDA e explica sobre a importância de sustentar um cultivo diversificado e sem veneno.

“Os agricultores precisam se associar nas cooperativas para conseguirem se fortalecer na contramão dos monocultivos. Não dá pra permanecer sozinho”, defende.

Zé Filho, que é secretário-geral da Cooperativa e também vereador na cidade de Loreto, defende que a Cooperativa “tem sido um instrumento fundamental para organizar o processo de produção, além de pensar o trabalho coletivo e a economia solidária”.

Assessora do ISPN, Juliana Napolitano, em visita técnica à agroindústria da Coopevida (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Programas e apoios

Além da parceria com o PNAE, a entidade também se articula por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa de Compras da Agricultura Familiar (Procaf), do estado do Maranhão.

Outras frentes de apoio são com a Secretaria Estadual de Agricultura Familiar, com a Secretaria do Trabalho e da Economia Solidária, e uma “parceria privilegiada” com o ISPN, nas palavras de Joaquim.

“O ISPN está nos auxiliando a construir e organizar a estrutura da agricultura familiar na região praticamente desde o começo da Cooperativa.”

Parceiro da Coopevida desde 2009, quando o primeiro projeto submetido em um edital PPP-ECOS/Fundo Amazônia foi aprovado, o ISPN apoiou a entidade com uma agroindústria de processamento de polpa de frutas, com a construção das lanchonetes que escoam produtos da agricultura familiar, assistência para contratos com os mercados institucionais e um carro para deslocamento de mercadorias.

ISPN é parceiro da Coopevida desde 2009 (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

Para a assessora técnica Juliana, o PPP-ECOS parte de um princípio fundamental em que projetos são pensados, geridos e administrados pelas comunidades, para que se adequem à realidade do local.

“A gente sempre acreditou que os pequenos projetos são fundamentais, já que para muitas organizações somos o primeiro apoio que chega”, explicou durante a reunião com a Cooperativa, acrescentando que a perspectiva do Instituto é de que, se somos parceiros, também compartilhamos as dificuldades: “nosso objetivo é que todos os projetos cheguem ao fim da melhor forma possível para as organizações”.

Juliana lembrou ainda que não é possível promover conservação ambiental sem campesinos, indígenas, quilombolas e tantos outros povos e comunidades tradicionais. “Os modos de vida devem ser fortalecidos, já que a conservação acontece pelas mãos dos agricultores. No PPP-ECOS, cabem todos os modos de vida da agricultura familiar.”

*O PPP-ECOS é a estratégia do ISPN para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais, que apoia e fortalece iniciativas junto a povos e comunidades tradicionais e de agricultura familiar desde 1994. Nesse projeto, o PPP-ECOS recebe apoio do Fundo Amazônia.

** Foto da capa: Camila Araujo/Acervo ISPN. Texto por Camila Araujo, assessora de Comunicação do ISPN.

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