A partir da gestão do território, o TBC é uma alternativa ecossocial ao turismo convencional e fortalece povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares
O Turismo de Base Comunitária (TBC) é uma prática que defende “culturas, modos de vida tradicionais e os territórios”, como explica a agricultora familiar Ana Lima, representante da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede Tucum).
Para ela, TBC é também uma luta social, uma forma de “enfrentar mazelas sociais históricas, trazendo a perspectiva da equidade de gênero, da liberdade cultural e religiosa e da defesa do território ”. Lima ainda reforça que quem vai mostrar o que é o TBC é a comunidade, “o que é ser comunidade e o que é o turismo na comunidade”.
Trata-se de um turismo que trabalha a partir da gestão do território de comunidades tradicionais e que surge como contraposição ao turismo “convencional”, dos resorts e dos mega-empreendimentos. O conceito se desenvolveu ao longo dos anos 2000 na América do Sul.
No TBC, é a comunidade quem decide o que pode e o que não pode ser feito pelo turista dentro do território. As decisões devem ser coletivas, tomadas por meio de assembleias, e a renda gerada pelo turismo deve ser distribuída de acordo com o que foi determinado previamente pela comunidade, dando prioridade à criação de um fundo associativo.



















Com o objetivo de promover e aprofundar o diálogo entre diferentes iniciativas comunitárias que já trabalham ou que querem iniciar o TBC, o curso de Turismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT), junto com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e a Associação Quilombola Kalunga do Mimoso (AKMT), realizaram um seminário no campus universitário do município de Arraias entre os dias 12 e 14 de outubro.
O evento contou com a participação da comunidade acadêmica, da Secretaria do Turismo do estado de Tocantins, de seis organizações de apoio técnico e assessoria, além do protagonismo nos debates de 22 organizações representativas de comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas, de agricultores familiares e geraizeiros de quase todas as regiões do país, além de uma programação com mais de 15 atividades, sendo elas rodas de conversas, grupos de trabalho e oficinas sobre roteiros, produtos para geração de renda, direitos territoriais, financiamento de projetos, etc.
Ao final do encontro, um documento, construído a partir das experiências compartilhadas durante o seminário, foi lido e aprovado pelos presentes. A “Carta de Arraias” orienta boas práticas para o TBC e busca defender um turismo comprometido com a conservação do meio ambiente e com as tradições comunitárias. Leia a íntegra do texto clicando aqui.
Para Valdirene Gomes dos Santos de Jesus, professora do curso de Turismo Patrimonial e Socioambiental, da UFT, o TBC implica consolidar uma rede de apoio em torno do local, sendo que a universidade é importante “para fortalecer sujeitos que estão nos territórios”.
A especialista defende ainda que “políticas públicas precisam estar estruturadas” em torno das comunidades, promovendo educação, saneamento e infraestrutura. “Os municípios e estados precisam estar articulados para atender as comunidades que são distantes e que precisam de uma estrutura hoje inexistente”, explica.
Segundo ela, tal tipo de turismo é ainda um meio de fortalecer a identidade dos territórios, promover uma cadeia produtiva nas comunidades, com geração de renda, e fortalecer a autonomia de diálogo no nível nacional e estadual.

















Em 2008, o Ministério do Turismo publicou um edital para financiar o TBC. sendo esse um dos marcos das “primeiras ações do poder público federal em apoio a um outro modelo de turismo”.
A informação é do documento “Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras”, de 2009, produzido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro junto ao Ministério do Turismo.
O texto diz ainda que “algumas comunidades litorâneas maltratadas pelo processo de especulação imobiliária, em nome do turismo, criaram um novo eixo do turismo — o turismo alternativo ou comunitário, portanto associado à luta pela propriedade da terra litorânea, e gestado por comunidades”, acrescentando que o TBC é, portanto, uma “forma de evitar que empreendedores externos dominem as comunidades”.
Benedito Alves, líder do quilombo de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, São Paulo, questiona: “há 400 anos, nosso povo nunca degradou o território, então por que alguém tem que vir de fora dizer o que temos que fazer?”.
Railane Ribeiro da Silva, presidente da Associação dos Artesãos e Extrativismo Povoado Mumbuca e a mais jovem liderança da história de sua comunidade, explica que para chegar aos 26 anos na posição que está, “muita gente lutou antes de mim”.
A região em que vive, no Jalapão, é um território em disputa. O turismo convencional com seus grandes empreendimentos já chegou por ali, além da soja e do agronegócio. Apesar disso, ela disse que resiste e que busca incluir a juventude nas tomadas de decisão.
Aos 62 anos, José Fino é líder quilombola há mais de duas décadas na região do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, em Minas Gerais. Ele participou do seminário para aprender mais sobre o TBC, já que sua comunidade começa agora a trabalhar em cima do turismo. “Nós, quilombolas, temos que resistir e não desistir”, defende, somando-se à mesma perspectiva da jovem Railane.













São muitos ainda os desafios para a implementação do TBC nas comunidades, e isso passa, principalmente, pela invisibilização das identidades e das pautas de povos e comunidades tradicionais.
Durante o seminário, os grupos de trabalho levantaram demandas cruciais para que o TBC possa ser desenvolvido com impactos positivos para as comunidades locais e, como consequência, para seus estados e para o próprio Brasil. São eles:
– Parceiras com o poder público, universidades e organizações da sociedade civil;
– Garantia de direitos básicos nas comunidades (segurança, água, saneamento básico, energia, infraestrutura, etc)
– Apoio para regularização e proteção dos territórios tradicionais;
– Visibilidade e reconhecimento da importância dos povos e das comunidades tradicionais e agricultores familiares para o desenvolvimento socioeconômico do país.
O ISPN, por sua vez, participa desse movimento em busca de mais conhecimento sobre o tema para que se possa pensar linhas de apoio e financiamento, além de outras maneiras de formação para o estímulo dessas iniciativas. “A gente quer aprender mais para entender a necessidade de apoio, para aprimorar e estimular o TBC nas comunidades como mais uma forma de geração de renda, desenvolvimento e conservação ambiental”, explica a assessora técnica da organização Silvana Bastos.
Com a estratégia para a promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), o ISPN pode pensar em editais e apoios que consigam entender as demandas comunitárias na perspectiva do TBC, unindo o apoio financeiro à gestão do conhecimento e diálogos políticos. Diante dos desafios, mas também das potencialidades socioambientais do Turismo de Base Comunitária, as ações coletivas unindo diferentes setores da sociedade se mostram cruciais para a existência e perpetuação dessa prática de essência social, ambiental e cultural.












Fotos: Acervo ISPN/Camila Araujo e Méle Dornelas. Texto por Camila Araujo/Assessoria de Comunicação do ISPN.