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União Europeia pode vetar importações ligadas ao desmatamento

Em possível resposta às “boiadas” do atual governo, parlamento Europeu aprova projeto que permite vetar importação de commodities associadas ao desmatamento.

Com informações do Brasil de Fato e Mídia Ninja 

Já considerado um ato histórico em termos socioambientais, o Parlamento Europeu aprovou, no último dia 13, resolução que endurece as regras para a importação de produtos ligados ao desmatamento. O intuito da União Europeia é contribuir para o que chamam de “desmatamento zero” e, assim, combater a degradação ambiental a nível mundial. Mesmo que não cite diretamente o Brasil, especialistas e veículos de comunicação consideram essa uma resposta diplomática às condutas ambientais do atual governo brasileiro.

Para entrar em vigor, o projeto ainda precisa ser aprovado pelos 27 países que fazem parte da UE. O parlamento agora irá iniciar as negociações com a Comissão Europeia, braço executivo da UE, para que nenhuma “importação do desmatamento”, em qualquer lugar do mundo, seja vendida à União. Em termos práticos, a nova legislação aumenta as barreiras para a comercialização de produtos que tenham sido  cultivados em regiões recém desmatadas, ou seja, ampliará as tarifas cobradas para esses produtos.

Segundo dados do WWF, a UE é o terceiro maior mercado consumidor de alimentos mundial, ficando atrás de China e EUA. Seu consumo de produtos como carne, óleo de dendê e soja é responsável por 17% do desmatamento em áreas tropicais do planeta. A proposta pretende ampliar ainda a cobrança para mais produtos importados, como a carne suína, ovina e caprina, aves, milho e borracha, insistindo ainda que esses bens não devem ter sido produzidos em regiões desmatadas após 31 de dezembro de 2019, um ano antes da data proposta pela Comissão Europeia. O projeto também se refere à questão social, e exige que esses bens sejam produzidos de acordo com as disposições de direitos humanos do direito internacional e com respeito aos povos e comunidades tradicionais.

“Consideramos uma vitória sobretudo a inclusão de outras áreas florestadas no escopo desta regulamentação europeia, o que abrange grande parte do Cerrado brasileiro. As exportações nacionais de soja, carne e algodão a partir deste bioma, por exemplo, estão fortemente associadas ao  desmatamento, à grilagem de terras e à violência contra diversos povos e comunidades tradicionais”, comenta o assessor em políticas públicas do ISPN, Guilherme Eidt.

Segundo Yuri Salmona, pesquisador do Institutos Cerrados, em termos gerais, 56% da diminuição da vazão observada nos rios no Cerrado se deve à mudança do uso do solo e ao desmatamento. Os dados do pesquisador ainda apontam para o fato de que a agropecuária consome 80% da água do Brasil. “Quando exportamos hoje, também exportamos nossa água”, comenta Salmona.

As perspectivas de Yuri e Guilherme se encontram e reafirmam a urgência em se repensar os padrões de consumo, olhando sempre os caminhos para o uso sustentável e democrático dos recursos da biodiversidade. A UE já sinalizou que quer um consumo mais consciente, e a valorização da produção da sociobiodiversidade nacional é peça-chave para isso. “Esperamos que esse também seja um aceno da UE para olhar e incentivar cada vez mais a agricultura familiar, a produção que vem dos povos e das comunidades tradicionais”, complementa Eidt.

Inclusão de outros biomas no projeto parlamentar  

O olhar da legislação voltado apenas para as florestas tropicais  foi alterado após pressão da sociedade civil brasileira, incluindo a Rede Cerrado e as organizações que fazem parte do coletivo, e internacional, o que resultou na inclusão de outros tipos de formações vegetais na proposta. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) havia divulgado, inclusive, pouco antes da votação, comunicado nesse sentido. “A definição de floresta considerada pela legislação é muito reduzida e exclui uma boa parte de biomas e áreas naturais, que ficariam por fora da proteção”, pontuava a entidade.

Um dos biomas considerados agora é o Cerrado, responsável por 5% da biodiversidade do planeta e que já perdeu quase metade de sua vegetação nativa. Segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamentos do Cerrado (SAD-Cerrado), lançado no último dia 12, o desmatamento no bioma cresceu, pelo menos, 15% no último trimestre, quase 80% em áreas privadas. Essa devastação vem subindo, especialmente, para a região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde ainda há Cerrado conservado, mas que agora é alvo importante da expansão agrícola.

Apesar da vitória de inclusão do termo “outras áreas florestadas”, cerca de 20% do bioma Cerrado segue descoberto pela normativa. As formações campestres continuam desconsideradas e também são alvo de desmatamento para a instalação de monocultivos. De janeiro a agosto de 2022, o Cerrado perdeu uma área equivalente ao Distrito Federal.

“Não adianta conservar a Amazônia se os outros biomas ficam descobertos. O Cerrado é um exemplo da interconexão entre as regiões brasileiras e suas paisagens. A ameaça ao Cerrado também é uma ameaça à disponibilidade dos nossos recursos hídricos, aos regimes de chuva, e a produção sustentável. Nosso papel é seguir em diálogo com os organismos internacionais para que biomas e povos sejam considerados nas medidas que se propõe buscar o equilíbrio climático global”, finaliza Eidt.

Confira aqui a Carta dos povos do Cerrado à União Europeia:

 

Foto: Thomas Bauer

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